Madrugada da última sexta-feira. O relógio marca 0h20 quando o motorista Genival Lima da Silva, 34 anos, aciona o motor do ônibus 001 da empresa Conceição. O ponto de partida é o terminal localizado no bairro de Felipe Camarão. O destino é o bairro de Ponta Negra e a viagem acontece entre ruas e avenidas esburacadas e quase desertas. À espera do transporte, nas paradas mal conservadas e perigosas da cidade, estão dezenas de passageiros que acabaram de sair do trabalho, visitaram amigos ou realizaram outras atividades. Ao mesmo tempo, mais quatro ônibus saem da Ribeira com a mesma finalidade. O popularmente conhecido “ônibus corujão” é a única alternativa para quem depende do transporte público durante a madrugada em Natal.
Muitos desconhecem a existência do serviço que funciona até as primeiras horas do dia, mas de acordo com o Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros do Municípios do Natal (Seturn), desde 2007, as linhas estão em operação e, atualmente, são responsáveis pelo transporte diário de 90 passageiros em média. As empresas Conceição, Guanabara, Via Sul, Cidade do Natal, Reunidas e Santa Maria são as responsáveis pelas cinco linhas. Quatro delas tem como ponto de partida o terminal localizado na Ribeira, uma, a 905, sai de Felipe Camarão.
A reportagem da Tribuna do Norte acompanhou a primeira viagem da linha 905. Além da saída às 0h20, há mais três horários: 1h20, 3h10 e 4h10. Para cada saída, um motorista diferente. “Vamos lá?”, perguntou Genival antes de rodar a chave na ignição. Logo na saída, a primeira parada. Um grupo de oito pessoas esperava a condução que levaria a maior parte do grupo para o bairro vizinho de Cidade da Esperança e um passageiro até a um shopping localizada na zona Sul.
A linha 905 faz um itinerário que une parte dos percursos feitos pelos ônibus das linhas 63 e 83. O público é variado. Há trabalhadores deixando o expediente, baladeiros que esticaram a noite e perderam o horário dos ônibus que circulam mais cedo ou aqueles que resolveram ficar mais tempo na casa de amigos ou da noiva. É o caso do jovem Riosberg de Sousa, 26 anos. “Estava na casa da minha noiva e acabei perdendo o horário do último ônibus que passa perto da minha casa. Foi o jeito pegar esse corujão. Vou descer na Bernardo Vieira e andar até minha casa”, afirmou. Berg, como prefere ser chamado, mora no Alecrim e, de acordo com ele, não há linhas que trafeguem pelo bairro durante a madrugada. “Pegar taxi a essa hora é muito caro. Melhor ir caminhando mesmo”.
De fato, segundo os dados divulgados pelo Seturn, nenhum “corujão” trafega pelo Alecrim. Ponta Negra e bairros localizados na zona Norte têm, nesse aspecto, certo privilégio, pois concentram a demanda das empresas de transporte.
Engana-se que faltam profissionais dispostos a trabalhar durante a madrugada. Ao contrário. De acordo com supervisor da empresa Conceição, Jânio Araújo, os motoristas se oferecem para dar expediente nesse turno. A procura é tanta que a empresa adotou o sistema de rodízio com os profissionais. “Cada motorista pode ficar três meses trabalhando no corujão. É uma forma de, além não cansá-los muitos, privilegiar outras pessoas”, colocou. O privilégio, nesse caso, é um valor maior que o habitual no contracheque devido ao adicional noturno.
O sistema de linhas noturnas funciona todos os dias da semana. Em períodos festivos, como o Carnatal, há um aumento na frota. Mas, na maioria das viagens, os usuários já são conhecidos. Os motoristas sabem até em que parada determinado passageiro vai subir. “Às vezes acontece de algum atrasar e acho estranho. Conhece quase todo mundo”, disse Genival.
Projeto de licitação prevê ampliação: A quantidade de linhas que operam durante a madrugada pode aumentar. A condicionante é o processo de licitação dos transportes públicos em Natal. Sem data para acontecer, o processo pode abrir brechas de um acordo entre Município e empresas do setor para melhorar a oferta do serviço. “Queremos melhorar o sistema, mas tudo depende da licitação. Somente com o processo em curso é que poderemos mudar alguma coisa”, disse Augusto Maranhão, diretor do Seturn.
Maranhão explicou que a efetivação das linhas noturnas foi possível após a assinatura de um Termo de Acordo de Conduta (TAC) entre empresas e Ministério Público. O acordo foi firmado em 2007 e fez parte da negociação para aumento de passagem naquela época. Segundo Maranhão, as empresas querem modificar a forma como as linhas do “corujão” estão operando nesse momento. “Queríamos incorporar outras linhas e mudar a forma como ocorre. Por exemplo, a linha 905 é um pouco da 63 e 83, ou seja, o cidadão fica confuso. Queríamos que fosse o trecho da linha inteira. Mas a secretaria de Transporte Urbano nos proíbe de qualquer mudança”, disse.
A licitação é fundamental para qualquer mudança, porém, não há data para se realizar o processo. É preciso um projeto de lei autorizativo ser votado na Câmara Municipal para que a Prefeitura de Natal possa fazer a licitação. O processo licitatório deve passar por três etapas: autorização, regulamentação e operacionalização. A autorização é definida pelos vereadores que aprovam uma lei encaminhada pela Procuradoria Geral do Município (PGM). Além disso, a licitação deve percorrer as comissões de Justiça, Finanças e Transportes.
Há um estudo na Semob que orienta como será a licitação. O projeto foi feito por duas consultorias que empreenderam dois estudos. O primeiro, o Plano de Mobilidade Urbana, fez um diagnóstico da rede de transportes, constatando que ela tem um desenho defasado para as necessidades atuais da população. Depois, uma outra consultoria modelou a licitação, fixando quantos ônibus e com quais características devem ser ofertados pelas empresas.
O resultado final mostra uma rede com menos veículos, mas que a Secretaria de Mobilidade promete ter mais eficiência. Segundo dados divulgados pela Secretaria, o novo desenho terá um aumento de 12% no número de viagens e de quilômetros rodados. Isso acontece em parte porque se trata de uma rede única, ou seja integração total entre os ônibus convencionais e os opcionais.
Foto: Magnus Nascimento (Tribuna do Norte)
Fonte: Tribuna do Norte