Eram 16:10 da segunda-feira 18, quando o serviço de alto-falante do Terminal Tietê, na zona norte de São Paulo, informou o início do embarque para o Rio de Janeiro, na plataforma 8. Na fila de passageiros, estava o empresário carioca Fernando Lopes, 50 anos, que havia cumprido uma agenda de negócios na capital paulista. Com apenas uma mala de mão, ele encara a viagem de seis horas pela Rodovia Presidente Dutra a cada 15 dias, e nem cogita mais pegar a ponte aérea. “O trânsito no Rio para chegar ao aeroporto Santos Dumont é um inferno”, diz Lopes, que prefere dormir no ônibus durante a madrugada quando tem compromissos em São Paulo. Além disso, a diferença no valor das tarifas pesa em sua decisão.
“Eu não consigo agendar a data com dois meses de antecedência para aproveitar as promoções das companhias aéreas.” De fato, se tivesse comprado o trecho Rio-São Paulo de avião com uma semana de antecedência, Lopes teria gasto pelo menos cinco vezes mais para ir e voltar (R$ 763, pela Avianca, ante R$ 141, pela Viação Cometa). Lopes é a ponta final de uma cadeia – da linha de montagem dos chassis até os terminais urbanos – que deve crescer bem mais do que os 3,5% previstos para o PIB neste ano. Enquanto as montadoras apostam numa alta de 4,5% da produção total de veículos, incluindo chassis de ônibus, as revendedoras projetam uma expansão de 15% nas receitas.
Na segunda-feira, a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave) divulgou os dados da primeira quinzena de março, que mostraram um crescimento de 16,5% na comercialização de ônibus, em relação ao mesmo período de 2012. “Já sentimos uma migração de passageiros do aeroporto para a rodoviária”, diz Alarico Assumpção, presidente-executivo da Fenabrave. “E isso se reflete nas vendas.” Coincidência ou não, o último balanço da Agência Nacional de Aviação Civil trouxe uma surpresa desagradável para o setor aéreo. O mês de janeiro registrou queda na demanda por voos domésticos pela primeira vez em quase quatro anos. Diante de um cenário menos favorável, as companhias aéreas reavaliaram a oferta de assentos, cortaram custos e elevaram os preços dos bilhetes em 18,3% nos últimos 12 meses, segundo o IBGE.
O retorno de parte do público, que nos últimos anos tinha trocado o ônibus pelo avião, é apenas um de vários fatores que sustentam o otimismo do setor. Outro estímulo importante é o calendário eleitoral, pois, tradicionalmente, os novos prefeitos investem mais em transporte público no início dos mandatos. Além disso, há um enorme incentivo do BNDES para quem deseja ampliar a sua frota. “Os juros estão negativos”, diz Eronildo Santos, diretor de vendas de veículos da Scania do Brasil, se referindo ao fato de que a inflação anual, em torno de 6%, supera facilmente a taxa de juros nominal de 3% cobrada pelo banco estatal de fomento. “Isso está gerando um movimento de encomendas.”
Santos ressalta que os ônibus brasileiros, principalmente os urbanos, são muito antigos, com idade média de 22 anos. Renovação constante de frota é uma regra na Viação Cometa, que possui mil veículos com idade média de quatro anos. De olho no retorno de clientes que haviam trocado a rodoviária pelo aeroporto, a empresa está adquirindo 170 novas unidades neste ano, com financiamento do BNDES. “O brasileiro gosta de cheirinho de ônibus novo”, diz Carlos Otávio Antunes, diretor-presidente da Viação Cometa. “Com serviço de qualidade e pontualidade, vamos fidelizar os clientes que viajavam de avião.” A meta da empresa é crescer 16% em relação ao ano passado, transportando 14 milhões de passageiros.
As novas aquisições já virão com o motor Euro 5, cuja introdução foi um dos fatores responsáveis pela queda nas vendas de ônibus em 2012. Mais moderna – e mais cara –, a nova tecnologia fez com que muitas transportadoras antecipassem suas compras no fim de 2011, adquirindo os modelos antigos Euro 3. Esse movimento paralisou o mercado em 2012. “Ninguém queria ser o primeiro a usar o Euro 5 e ainda correr o risco de não encontrar o novo diesel”, afirma Antunes. O combustível é diferenciado, e nem toda a rede de abastecimento estava preparada no início da transição dos motores. O problema, entretanto, foi solucionado. Há ainda grandes eventos previstos no calendário nacional, que servem de estímulo para as empresas de transporte rodoviário.
A Copa das Confederações, em junho, e a vinda do papa Francisco ao Rio de Janeiro, em julho, vão gerar a necessidade de transporte para milhões de pessoas neste ano. Com aeroportos saturados, as rodoviárias serão o destino obrigatório de muitos turistas em busca de conforto e pontualidade, dois itens considerados prioritários pelos passageiros, segundo pesquisa feita pela Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). Espaço, por enquanto, não falta no maior terminal do País, o Tietê, que movimenta 11,5 milhões de passageiros por ano. A Socicam, empresa que administra o terminal, informa que esse volume representa apenas 30% da sua capacidade total. Por isso, crescer 5% neste ano, como prevê a Socicam, não será um problema. Os gargalos durante os eventos, se houver, serão nas estradas.
Foto: Rogério Cassimiro (IstoÉ Dinheiro)
Fonte: IstoÉ Dinheiro