As seis maiores capitais brasileiras já estão prontas para receber o repasse federal de R$ 50 bilhões que a presidente Dilma Rousseff anunciou em 24 de junho para ajudar as cidades brasileiras a reestruturar o transporte público.
São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza e Belo Horizonte já se adaptaram à lei federal 12.587, aprovada no ano passado. De acordo com ela, as cidades com mais de 20 mil habitantes terão até 2015 para apresentar um Plano Municipal de Mobilidade ou não receberão um centavo da União a partir dessa data. Apenas Salvador, a terceira capital mais populosa, está sem projeto, mas o Ministério das Cidades vai aceitar uma adaptação de seu plano de mobilidade para a Copa do Mundo.
A informação é do próprio ministério, que colheu as informações a pedido do iG. A pasta não tabulou, no entanto, o número total de cidades que já entregou seu plano. Especialistas acreditam que os municípios retardatários correm o risco de desperdiçar a verba recém-liberada em obras que depois precisarão ser refeitas quando o Plano de Mobilidade finalmente sair do papel.
“As prioridades no transporte público variam de acordo com a cidade. A única necessidade em comum é o Plano de Mobilidade, fundamental para que as obras ocorram de acordo com o perfil e prioridades de cada município”, diz Ailton Brasiliense Pires, presidente da Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP).
Para evitar o uso indevido da verba, o gerente de política pública do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, Pedro Torres, acredita que as cidades deveriam evitar grandes construções e priorizar a qualificação do que já existe.
“No curto prazo, é recomendável melhorar o que já existe”, diz ele ao lembrar que a falta de qualidade dos serviços foi uma das bandeiras levantadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), que levou milhares de pessoas às ruas de todo o País. “Há um descompasso entre o preço da passagem e a qualidade do serviço. É melhor usar o dinheiro para melhorar a frota, fazer pequenas reformas em terminais e corredores e investir na pontualidade.”
“Não basta implantar um novo sistema sem que exista um projeto integrado com o desenvolvimento da cidade”, concorda o professor de pós-graduação em Transporte na Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques. “A lei federal deve ser o critério para a aplicação dos recursos. Dinheiro usado sem planejamento pode deixar de atender quem precisa urgentemente de transporte. Sem esse estudo, não dá pra saber onde precisa de mais metrô, por exemplo.“
Depois que todo o sistema estiver melhor estruturado e o Plano Municipal aprovado, será hora de investir em grandes obras – o que as seis capitais mais populosas já podem fazer. “Aí será hora dos investimentos de médio e longo prazo”, concorda o presidente da ANTP.
O professor da UnB aponta as vantagens do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). “É o bonde moderno. Além de poluir menos, não exige uma grande estrutura, como o metrô.” Ele espera que a opção pelos trilhos ganhe força. “Ele não atende apenas a demanda, mas induz desenvolvimento do município.”
Os especialistas concordam que cravar algumas soluções para todas as cidades é ilusório. “Esses Planos Municipais exigem a participação popular em sua elaboração. Também por isso ele é indispensável”, diz Marques.
Restrição a carros: Torres critica a “contradição” entre a verba anunciada para o transporte público e o incentivo à indústria automobilística, que coloca cada vez mais carros de passeio na rua. “O governo zerou o IPI e aumentou o crédito para comprar carro. Do que adianta investir em transporte de massa se as vias estão entupidas? A política de restrição já deveria ter começado.” Ele concorda, no entanto, que o transporte público precisa melhorar antes que a sociedade opte pelo ônibus ou trem, e é aí que a verba federal pode ser útil.
Impopular no Brasil, o pedágio urbano é considerado um sucesso em Londres, onde também se adotou uma política de estacionamentos. “O dinheiro arrecadado com o pedágio e com estacionamentos é revertido para a melhoria do transporte público. É isso que deveria ser discutido no Brasil”, diz ele.
Defensor da Tarifa Zero, Marques lembra que o transporte rodoviário é “grátis”, uma vez que a construção de pontes, viadutos e novas pistas é feita com dinheiro do orçamento. “E quem precisa de transporte público é a cidade, não o passageiro. Se o município não oferecer transporte, a cidade para. Ela depende dessa mobilidade, mas quem paga é a parcela mais pobre da população.”
Fonte: Último Segundo