Após ocupação, reportagem de jornal mostra o clima entre os permissionários

Um dia depois que os permissionários de transporte alternativo desocuparam o Palácio Felipe Camarão, sede da Prefeitura, a reportagem do Novo Jornal procurou o serviço para identificar, enfim, quais são as dificuldades enfrentadas por trabalhadores do setor e passageiros. Viajar no micro-ônibus da linha 302 é extremamente cansativo. Foi uma hora de sacolejo para percorrer o trajeto entre a Cidade Alta e o Parque das Dunas, na Zona Norte.
O ponto de partida foi uma parada na Avenida Deodoro da Fonseca, ao lado do antigo Colégio Imaculada Conceição. Ainda com o transporte em movimento, o cobrador Everton Praxedes anunciou pela janela o destino “Pompéia, Parque das Dunas!”. O carro estacionou e cinco passageiros, incluindo a repórter e o fotógrafo Humberto Sales, se prepararam para a viagem junto a outros ocupantes já sentados.
Considerando o tamanho do transporte, comparado ao ônibus, seu interior é apertado e incômodo. Os assentos são estreitos, obrigando os passageiros a disputarem espaço com os vizinhos. Dependendo do volume do companheiro ao lado, você pode até ser compelido a deixar parte do corpo sobrando no corredor. Transitando no interior do automóvel, a dificuldade reside na segurança e equilíbrio. Ao passageiro, cabe apenas uma barra de ferro instalada próxima ao teto para se apoiar; as cadeiras não dispõem de base própria para as mãos segurarem.
A professora aposentada Lúcia Maria embarcou no carro com a reportagem para desembarcar no Bairro Vermelho. Como estava segurando sacolas, o cobrador prontamente desceu para ajudá-la, apanhou seus pacotes enquanto a ela se direcionava à cadeira ao final do coletivo.
Contou que costumava pegar o transporte alternativo com frequência por passar mais próximo ao seu destino e porque considerava os funcionários simpáticos. Apesar disso, lamentou o fato de a rede de transportes da cidade não ser de qualidade. “Tanto ônibus quanto alternativo são carros velhos”, disparou.
Ao se aproximar do ponto de descida, a passageira se virou para o cobrador à frente e proclamou: “Na próxima, desce!” Não esperou o carro estacionar para se levantar e saiu se equilibrando pelo corredor. Ao ultrapassar a catraca que divide o motorista e as cadeiras destinadas à gratuidade, encontrou a porta e desceu com satisfação e enfado. Ao cobrador, uma palavra de despedida: “Obrigada”.
A observação sobre a falta de qualidade do transporte é pertinente. Pontos de ferrugem sinalizam para o tempo de uso do veículo. O motorista Marconis Rodrigues contou que falta um ano e meio para vencer o prazo da troca obrigatória do carro. O limite são seis anos.
Com o início da bilhetagem por cartão, ele dise que teve uma queda de 60% no faturamento. Costumava apanhar uma média 350 passageiros por hora, atualmente quando chega a 150 é motivo de felicidade. Pelo baixo faturamento, fica difícil a compra de um micro-ônibus novo. “Antigamente, com quatro anos trocávamos de carro; hoje esperamos o limite de seis anos torcendo para que não quebre”, relata.
Além do tempo que degasta o automóvel, os permissionários ainda contam com outro problema: a má conservação das vias. O trajeto é diferenciado ao dos ônibus, pois eles percorrem por dentro dos bairros. Por exemplo: enquanto em Petrópolis os ônibus seguem pela Avenida Salgado Filho com destino ao Centro, o alternativo segue pela Avenida Afonso Pena. Ruas sem asfalto e buracos de todos os tamanhos são encontrados no caminho entre um bairro e outro, danificando o carro e causando desconforto aos passageiros e funcionários.
“Falta conforto e segurança, mas é o que tem. Por causa do trajeto, eu prefiro o ônibus; o alternativo roda muito”, declarou Allyson de Castro, estudante do ensino médio, acrescendo que poucas vezes toma o alternativo. Por ter carteira de estudante, prefere o ônibus. “Já aconteceu de estar sem dinheiro, só com o cartão na parada. Daí passou um alternativo que dava para mim, mas tive que esperar”.
Protesto ainda é assunto: Passageiros que subiram no decorrer da viagem ainda questionavam sobre o motivo do protesto realizado no dia anterior. A reivindicação da categoria que mais causava curiosidade era a unificação das passagens através do cartão eletrônico. Atualmente o cartão de passagem possui dois chips e o passageiro decide ao fazer a recarga para qual transporte quer direcionar o dinheiro das passagens: ônibus ou alternativo.
Numa parada no bairro das Quintas, Everton Praxedes convidou para viagem uma garota conhecida de outras viagens. Ela acenou para o cobrador com o cartão na mão. Com cara de tristeza, ele olhou para a repórter. “Tá vendo, é o cartão”.
José Fernandes, trabalhador autônomo, entrou no transporte já se dirigindo ao cobrador. “E aí? Qual foi o resultado? Eu não entendo por que a diferença se a passagem tem o mesmo preço”, questionou. Everton respondeu que a promessa foi feita e agora o tempo é de esperar.
O clima entre os funcionários do coletivo era de desesperança. Para o motorista Marconis e o cobrador Everton, as ecorrências da ocupação não tiveram êxito. O objetivo era confrontar o prefeito Carlos Eduardo a fi  m que ele anunciasse a aprovação da medida de unificação dos cartões de passagens, que consideram uma reivindicação de um direito da sociedade. “Fomos mais uma vez enrolados”, lastimou o motorista Marconis.
Após transitar Cidade Alta, Petrópolis, Tirol, Alecrim, Quintas e a Avenida Doutor João Medeiros Filho, conhecida como Wstrada da Redinha, já se passavam 40 minutos de viagem. Surgiu então a primeira passageira a usar cartão. Maria Rita explicou que recarregava o seu para os dois transportes, para não ter que andar com dinheiro e poder tomar o primeiro coletivo que passar.
Antes de chegar ao bairro da Redinha, o alternativo tomou uma estrada seguindo ao destino final. Marconis percorre 49 km a cada viagem. No total são seis ao dia. Com quase seis anos trabalhando na área, diz que nunca viu investimento do poder público para o setor e a cada dia tem piorado.
“Está difícil de trabalhar, mas vamos sobrevivendo”. Para ele é decepcionante ao passar numa estação em horário de pico, com as “prateleiras cheias”, como chama quando a parada está lotada, e sair com o carro vazio, enquanto o ônibus atrás lota cada fez mais. Além do carro vago, outra reclamação são os assaltos.
“Antes minha última viagem era às 21h, hoje vou até às 19h e com medo, por estar com o carro vazio em lugares perigosos”, disse. O motorista esteve presente na ocupação, apenas se retirando a noite para dormir em casa. Para o futuro, ele tem medo de retaliação da prefeitura por meio da incidência de multas.
Fonte: Novo Jornal

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