Usar o seu próprio carro nunca esteve tão barato no Brasil, assim como andar de ônibus nunca esteve tão caro. Levantamento feito pelo Estadão Dados mostra que a inflação do transporte público no País foi quatro vezes maior que a inflação do transporte particular nos últimos dez anos.
Os números fazem parte dos cálculos do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Eles revelam que, enquanto o preço dos ônibus urbanos cresceu 111% desde 2002, por exemplo, o custo de um carro novo cresceu apenas 6,3%. Como a inflação nesse período foi de 82,9%, isso significa que andar de ônibus ficou mais caro, enquanto comprar um carro zero km ficou bem mais barato.
A diferença fica ainda maior quando se compara com o custo de um carro usado, que mesmo nominalmente apresentou uma variação negativa: -19,1% no período. Outros gastos relacionados com a manutenção de um veículo próprio também estiveram mais baixo que a inflação, como a gasolina (43,9%) e o preço do seguro automotivo (40,5%). Por outro lado, o custo do metrô, assim como o ônibus, subiu mais que a inflação (93,9%).
Esses dois movimentos contrários podem estar relacionados, segundo especialistas. O raciocínio seria o seguinte: o governo federal incentiva a compra de carros ao diminuir impostos sobre as montadoras, o que acontece desde 2008. Além disso, o crescimento da renda e do crédito do brasileiro aumenta o poder de compra do mercado consumidor, o que dá ganho de escala à indústria automobilística e incentiva a competição entre as fabricantes, novamente forçando preços mais baratos.
Mais carros nas ruas, porém, significa mais congestionamentos. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), a frota de carros no Brasil quase dobrou entre 2003 e 2012, passando de 23 milhões para 42 milhões. E isso reflete no custo do transporte público, já que os ônibus andam mais devagar quando o trânsito está lento – pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2008 mostrou que 16% do custo do ônibus em São Paulo se deve aos engarrafamentos.
“O que se vê é um claro incentivo para o transporte privado”, afirmou o professor de Gestão Pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Gustavo Fernandes. Para ele, o aumento no preço dos ônibus, maior até que o custo dos combustíveis, pode significar tanto um crescimento tanto na taxa de lucro das empresas que exploram as concessões quanto em uma queda de eficiência. “As duas hipóteses podem ocorrer simultaneamente”, disse.
Para Alexandre Gomide, pesquisador do Ipea, o problema é que as políticas de isenção fiscal federais aos automóveis não levam em conta o impacto que o aumento dos congestionamentos tem na economia. Em 2012, uma pesquisa da FGV revelou que só São Paulo perdeu R$ 40 bilhões naquele ano com a lentidão no trânsito. “Quando se calcula a validade desse estímulo às montadoras, esse número não entra na consideração. A vida nas cidades está piorando, tanto para quem usa transporte público quanto para quem anda de carro.”
Já o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Moan, acredita que os dois modais de transporte são complementares e não concorrentes. “Nossa posição é de estimular e aplaudir as melhorias no transporte coletivo. O usuário de automóvel vai usar um transporte coletivo de qualidade quando ele existir, mesmo que para isso ele vá até a estação com o seu carro e estacione-o lá”, disse. Segundo ele, isso já acontece em cidades como Nova York. “Nos Estados Unidos, a relação é de 1,5 habitante por veículo, mas mesmo assim há cidades com um sistema de transporte público eficiente.”
Fonte: O Estado de S. Paulo