Motoristas viram idosos e sentem na pele as dificuldades de pegar ônibus

O Rei do Repente comanda o forró. Turista que entra na mira do seu Veridiano da Silva só precisa dizer de onde veio. Se for gaúcho também tem rima, na ponta da língua. “O gaúcho é legal, eu ali ‘tô’ no esquema. O Festival do Cinema, tem a Feira de Gramado a cidade de Pelotas tem homem desmunhecado andando pra todo lado”, brinca o repentista.
É show garantido nas areias de Natal, no Rio Grande do Norte, o estado brasileiro que registrou o maior crescimento na expectativa de vida. Quem nascia lá na década de 1980 vivia em média 58 anos, hoje chega aos 74.
Viver mais não é novidade, o desafio é viver melhor. Tem muito idoso que ainda sofre para garantir o direito básico de ir e vir. Dona Cleusa em Natal sofre tentando pegar um ônibus. Ela precisou de ajuda pra conseguir embarcar.
E olha que dona Cleusa não pode atrasar. Ela é convidada especial neste curso para motoristas e cobradores. Eles aprendem a lidar melhor com o passageiro idoso. A ideia foi da assistente social Maria Luíza Teixeira, que cansou de ouvir reclamações. “O idoso pede parada e ele finge que não vê. E há a freada ou arrancada brusca, quando ele freia bruscamente, o idoso não se acomodou ainda e cai”, aponta ela.
No curso, os papéis se invertam. Os motoristas e cobradores vão experimentar as dificuldades de quem já envelheceu. Na simulação do que acontece no dia a dia, os profissionais têm a oportunidade de sentir na pele as dificuldades que podem surgir com o passar dos anos.
Eles experimentam o peso da idade: usam caneleira que dificulta a caminhada, nos braços também usam peso, óculos para dar a sensação de visão embaçada, que muitas vezes o idoso tem, e também algodão no ouvido para dificultar a audição.
O motorista Gilberto Trindade conta como se sentiu no lugar de um idoso: “Eu já tinha uma ideia, mas quando a gente se veste assim, dá a mão para o ônibus e o motorista não para, isso realmente é humilhante”.
Humilhante mesmo. Dona Cleusa lembra o dia que tentou embarcar no ônibus e o motorista arrancou: “Caí. Vocês não queiram saber o que é a pessoa cair assim no meio da rua com tudo. Menina, eu fiquei com a vista escura o mundo virou assim”.
Alguns motoristas dizem que as empresas pressionam, pedem para não transportar muitos idosos só porque eles não precisam pagar a passagem. “Eu já trabalhei em São Paulo e no Rio e sei o tratamento que eles dão lá para os idosos. O empresário dizia quando a gente chegava com a viagem ‘trouxe quantos idosos?’. Eu trazia 10, 20, eu dizia dois. Eu estou ali para transportar cada vez melhor”, diz o motorista Manoel Osvaldo de Medeiros.
“A gente acredita que pode haver alguma pressão para que eles sejam mais ágeis, mais ágeis no trânsito e, às vezes, a busca dessa agilidade no trânsito pode acabar causando o constrangimento que a gente via para os idosos”, afirma o procurador-geral de Justiça do Rio Grande do Norte, Rinaldo Reis Lima.
Nada como se colocar no lugar do outro. “Eu sei a dificuldade que tem para o idoso subir e descer do transporte coletivo. Então nós, todos nós, vamos ficar idoso”, aponta Manoel.
O treinamento começou há três anos. De lá para cá, o número de reclamações nas promotorias do idoso despencou. “Isso realmente modificou e hoje, em 2013, a gente não recebeu na promotoria nenhuma denuncia desse tipo”, conta a promotora de Justiça Naide Pinheiro.
Fonte: TV Globo

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