Chuva, sol, paradas sem cobertura, muita espera e pouco espaço dentro dos ônibus. Todos os dias, os usuários do transporte coletivo de Natal enfrentam uma saga dantesca para chegar ao trabalho ou às escolas e universidades da cidade. Os problemas não são novos ou desconhecidos – já se tornaram cena comum à rotina urbana. Entretanto, as soluções apontadas pelas empresas operadoras do sistema e estudadas pelo poder público não parecem tão próximas.
Durante esta semana, a Tribuna do Norte acompanhou o dia a dia dos passageiros natalenses e percorreu rotas importantes da cidade para registrar os já conhecidos problemas do transporte coletivo, principais gargalos e quanto tempo o natalense gasta para chegar ao seu destino diariamente. Encontrou pessoas que passam o equivalente a dois dias por mês em uma condução para ir e voltar do trabalho.
A reportagem também comparou quanto tempo um cidadão leva para ir das zonas Zorte, Sul e Oeste para os bairros de maior movimento comercial, na zona Leste da capital, nos horários de pico. A viagem foi feita tanto de ônibus como de carro particular.
Saga diária: “Eu já nem sei o que mata mais. Se o trânsito, a fome ou a guerra”. O rádio de pilha do cobrador Francisco Sales, que trabalha na linha Eucaliptos, de Nova Parnamirim, tocava a música ‘Milho aos Pombos’, de Geraldo Azevedo, enquanto o motorista Joelson Guedes vencia poucos metros da Avenida Salgado Filho a cada minuto. Às 7h20, o tráfego fora prejudicado por uma lagoa formada no meio da via. A lentidão começou ainda na altura da Arena das Dunas, na BR-101. “Há dez anos a gente fazia a viagem em 80 minutos. Hoje, a empresa dá 95, mas sempre acaba atrasando”, conta Sales.
Os passageiros, em pé, espremidos no corredor estreito do veículo ou na escada de entrada (local de permanência proibida) relatam que a cena é “normal”. Mesmo com pessoas esperando aparecer algum espaço para passar a roleta, a empresária Raquel Santos, de 21, anos, diz que existem dias nos quais a linha 38 está mais cheia. “Tem um ponto que o motorista não consegue mais colocar gente dentro. Ai, a gente tem que esperar mais uma hora”,afirma.
Idosos: O desrespeito aos idosos é uma das principais reclamações. “Os velhinhos mostram a carteira e eles passam direto, fingem que não vêem”, diz a vendedora Jaciara de Oliveira, que usa a linha 12-14, na zona Norte.
Muitas paradas sem abrigo, em todas as regiões visitadas, não têm sequer placas de identificação. “A gente sabe porque passa todo dia. Quando tem árvore, a gente para um pouco afastado e as motos passam do lado direito, atropelando os passageiros”, explica o motorista Willian de Souza.
Devagar, quase parando: Usuário da linha 12-14, na zona Norte de Natal, Daniel Moura da Silva, 37 anos, leva pelo menos duas horas por dia, 12 horas por semana, 48 horas por mês, para ir e voltar do lar de idosos onde trabalha como supervisor de cuidadores. Para percorrer os 12 quilômetros entre a parada no bairro Soledade e o ponto em frente à Central do Cidadão do Alecrim, o ônibus que a reportagem acompanhou levou 58 minutos, numa média de praticamente 12 quilômetros por hora.
“Geralmente é mais tempo. Principalmente quando as aulas começam”, afirma. O tempo de uma hora, no deslocamento de casa para o trabalho de Daniel é cerca de 30% maior que a média de tempo gasto pelos moradores das regiões metropolitanas brasileiras: de 40,8 minutos, segundo dados publicados em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A média nacional é de 30,2 minutos.
Os passageiros das linhas que circulam na zona Norte têm um medo em particular: que algum acidente aconteça próximo à ponte de Igapó nos horários de trânsito intenso. “Quando tem, é mais de duas horas. O pessoal desce e vai a pé, porque é mais rápido”, confirma a autônoma Núbia Silva, 49, que utiliza a linha 70.
Para chegar ao bairro Alecrim, destino diário de Daniel e Núbia, um carro de passeio não levou mais que 22 minutos. A volta, às 18h, demorou um minuto a mais que a ida.
Nova Parnamirim/Ribeira: A média é praticamente a mesma para os ônibus de Nova Parnamirim. O trânsito se intensifica, por volta das 7h, ainda no início da avenida Ayrton Sena, e a cada parada a lotação se intensifica. Os semáforos são a principal reclamação do motorista Joelson. “Cada um é um gargalo. Quando não tinha eles, era muito mais rápido”, coloca. A viagem também fica mais lenta quando o ônibus passa pela avenida Roberto Freire, mas é na avenida Salgado Filho onde o ônibus perde mais tempo. Cerca de meia hora.
Os ônibus que passam pelas avenidas Maria Lacerda e Abel Cabral também seguem grande parte dos percursos lotados e são alvo de reclamação mesmo dos que, normalmente utilizam a linha Eucaliptos.
Planalto/Praia do Meio: O 38 saiu do Planalto, passou pelo Alecrim e chegou à Cidade Alta em pouco menos de uma hora. A maior parte dos passageiros sobe próximo à rodoviária nova. “Isso, quando a gente já não sai do bairro com ele todo lotado”, conta o cobrador. O trânsito só se intensifica perto do Alecrim, bairro que concentra grande parte do comércio popular da cidade.
Enquanto os ônibus vão parando em cada ponto, de semáforo em semáforo, levando cerca de uma hora para vencer a pouca distância, os veículos de passeio usam um quinto desse tempo – mesmo que, por vezes, percorra mais quilômetros, seguindo por vias alternativas.
Os semáforos, os acidentes, o alto número de passageiros, e até a dupla jornada do motorista como cobrador são as explicações de praticamente todos os condutores para os atrasos. “Essa linha tem 16 carros, mas tem hora que eu não tenho nenhum aqui. Estão todos presos em congestionamentos”, diz o despachante de uma das linhas. No caso da 33, no Planalto, um carro que fazia 10 viagens por dia em 1995, hoje não faz mais que seis, no mesmo período, de acordo com informações do Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Natal (Seturn).
Com informações: Tribuna do Norte