Movimento Passe Livre: Mídia e violência esvaziaram protestos

“Não adianta só puxar manifestação, temos que conscientizar”. Um ano depois do turbulento mês de junho de 2013, essa foi a lição que ficou para o Movimento Passe Livre (MPL), diz um de seus integrantes, que se identificou apenas como José Antônio. Desde fevereiro sem convocar novos atos, o MPL parece saber que o imenso apoio popular do ano passado foi algo histórico e pontual. O dia 17 de junho de 2013 foi um dos mais importantes do ano passado: quando as manifestações começaram a se intensificar, e foram reunidas mais de 100 mil pessoas no centro do Rio de Janeiro. Por mais que as pautas tenham sido modificadas ao longo do processo, o aumento das passagens e a crítica do MPL foram os estopins para levar tanta gente às ruas, inclusive conseguir frear o aumento da passagem – que veio alguns meses mais tarde. Agora, exatamente um ano depois, o MPL convoca um novo protesto, sabendo que divide atenção com a Copa do Mundo, mas esperando que a tarifa zero seja cada vez mais encarada como uma possibilidade viável e emergencial.
“Desde o ano passado tivemos perdas difíceis. Fora a quantidade de pessoas, antes, protesto era novidade. As pessoas estavam indo para a rua sem maiores traumas. Hoje em dia já passamos por muitas brigas e pressões. Isso gera um desgaste e diminui o apoio popular. Sem contar que lutas sociais foram tiradas: a conquista da passagem foi retirada. Isso gera um descrédito e, estando na Copa, estamos lutando por atenção”, comenta José.
Para ele, um dos grandes fatores que permearam os protestos foi a violência – e a mídia. Elas tanto ajudaram a levar as pessoas para as ruas, quanto praticamente ditaram o fim dos grandes aglomerados. “No começo, a violência policial causou uma indignação muito forte nas pessoas. A própria mídia ficou indignada em um momento. Toda aquela repressão levou as pessoas a se revoltarem, duvidarem da democracia que vivemos, simplesmente se sentirem na posição de ter que ir lá e fazer alguma coisa”, comenta o ativista. Ao mesmo tempo, essas duas variantes também impulsionaram o fim do grande apoio popular e o esvaziamento das ruas.
Fevereiro foi um mês crucial para o encolhimento das manifestações e, desde então, o MPL não chama mais as pessoas às ruas. No dia 6, o cinegrafista Santiago Andrade foi atingido por um fogo de artifício e morreu, num ato convocado pelo MPL. “De fevereiro para cá, teve a morte do Santiago e do Camelô [ Tasman Amaral Aciolly] que morreu atropelado num ato que a gente convocou. Sabemos que a culpa não é dos manifestantes. Se não tivesse aquela repressão policial, se houvesse um diálogo, não teria culminado naquela confusão e nas mortes que aconteceram. Mas nesse momento, chegamos num ponto crucial onde a mídia conseguiu fazer uma campanha para culpabilizar os manifestantes e os protestos ”, comenta.
Santiago  morreu depois de ser atingido por um rojão na cabeça, acionado por Fábio Raposo e Caio Silva e Souza, que enfrentam acusações de homicídio culposo, onde há intenção de matar. “A própria acusação do Fábio e do Caio mostra essa campanha midiática e social de criminalização. A ação deles foi irresponsável e provocou uma tragédia, mas eles estão sendo acusados de homicídio culposo, o que é irreal. Eles não tinham planejado a morte do cinegrafista, não tinha uma intenção de matar. E foi dado às autoridades  o que elas queriam, que era parar os protestos. Estamos tendo dificuldade de nos recuperar, de mostrar para sociedade o queremos”, lamenta.
Para ele, porém, os protestos populares e a adesão das massas são apenas consequências. Aí que entra a conscientização e o contato direto com outras reivindicações que José Antonio vê como essencial nos movimentos sociais. “Não basta só puxar atos, os movimentos têm que fazer o dever de casa. Talvez não tenha sido suficiente só as manifestações. Movimento social não vive só disso, não é só isso. Temos um trabalho árduo de conscientização, que faz parte da luta. Fazemos palestras, nos incorporamos a outras lutas locais.”
Além disso, os movimentos sociais levantam bandeiras legislativas, como a PEC 90, que garante o transporte como um direito constitucional. “A tarifa zero é possível de várias formas. Temos essa pauta clara e queremos que ela seja implementada emergencialmente, mesmo que seja um processo difícil – não por questões técnicas, mas pelo poder político”, critica.
Entre as estratégias para conseguir catraca livre para todos está o custeio por rodagem, ou seja: que não haja lucro, que a passagem custe o que as empresas precisam para continuar rodando. E a taxação progressiva, onde quem tem uma renda menor, tenha um custo menor. “Temos que começar a ver o transporte como um direito do cidadão”, completa.
A nova configuração dos protestos de 2014: Esse ano, a dinâmica dos protestos mudou completamente. Depois de reivindicações populares muitas vezes acusadas de não terem pautas, ou terem pautas muito amplas e subjetivas, os trabalhadores sindicalizados iniciaram greves, protestos, piquetes e revoltas contra os próprios sindicatos, numa reverberação muito mais específica do que era pedido no ano passado: saúde, educação, transporte. Todas essas categorias estão ou estavam em greve até muito recentemente. Sem contar as mobilizações de lixeiros, vigilantes, funcionários do Ministério da Cultura e policiais civis, isso só no Rio de Janeiro.
“Os protestos são diferentes. Alguns gritos que surgem espontaneamente, como o ‘Não vai ter Copa’, surgiu como um grito de reação, desde o ano passado”, comenta o José Antonio, fazendo um contraponto com as lutas sindicais, mais institucionalizadas. Ainda sim, o movimento dos dissidentes, que ficam contra os acordos sindicais, caso que aconteceu tanto na greve dos garis quanto na dos rodoviários cariocas, mostra como novos gritos podem surgir de um antigo.
“Os sindicatos têm que estar ao lado dos trabalhadores, mas se eles não estão, que haja autonomia. Somos um movimento independente e isso gerou uma proximidade com os rodoviários dissidentes”, reflete. Para José Antonio, a união dos movimentos é desejável e, de certa forma, já é real.
“Essa união é um processo lento, mas achamos essencial. Tivemos um diálogo muito bom com os rodoviários. Temos históricos diferentes, mas procuramos trabalhar com a semelhança de estarmos de forma independente nas lutas. A dissidência entre os rodoviários mostra que os sindicatos estão claramente pelegos, tem uma relação nítida com os patrões. Os rodoviários tiveram uma ruptura parecida com a dos garis e respeitamos muito os garis na conquista deles, que fizeram uma greve sem o sindicato e conseguiram ganhar”.
Depois de um ano, o MPL pode ter diminuído o poder de mobilização, mas uma outra fase de protestos preencheu o vazio deixados nas ruas da cidade: os trabalhadores sindicalizados estão cada vez mais firmes nas suas pautas. A greve na cultura e na educação, no Rio, seguem acontecendo, mesmo com judicialização dos movimentos. Ambas são consideradas ilegais e seus sindicatos estão recebendo multas diárias. Ainda sim os profissionais se recusam a desistir das reivindicações, chamando semanalmente os profissionais para ir às ruas e ocupar a cidade. Caso parecido com do MPL, que insiste na tarifa zero, tentando encher as ruas em dia de jogo da Seleção, quando elas ficam mais vazias.

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