O novo preço da passagem de ônibus em Natal, que passou de R$ 2,20 para R$ 2,35, não representa motivo para comemorar possível melhoria no serviço. A opinião é do professor da UFRN Rubens Eugênio Barreto Ramos, que tem pós-doutorado em Economia de Transporte pela Universidade de Lyon, na França.
Segundo Rubens Ramos, o reajuste da tarifa, por si só, não vai melhorar nem dar eficiência ao sistema de transporte público da cidade que, na sua opinião, está 40 anos atrasado. O reajuste de 6,82% foi publicado ontem no Diário Oi cial do Município, através da portaria nº 58 da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob), depois de ter sido aprovada pelo Conselho Municipal de Transporte e Trânsito Urbano (CMTTU) na quarta-feira passada.
Um dos “considerandos” da portaria ressalta que a tarifa é a única responsável pela manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do sistema e que o desequilíbrio financeiro provoca um reflexo negativo na operação do transporte público.
Voz dissonante da gestão do transporte público de Natal, Rubens Ramos também critica o processo de licitação previsto para 2016. Segundo ele, o sistema de transporte público de Natal não dá segurança jurídica para os empresários do setor investirem em melhorias em longo prazo.
Por causa do sistema sem lei como o de Natal, a Prefeitura não pode cobrar com rigor jurídico melhorias ou mesmo aplicar punição, explicou especialista. “Não há concessão nem contratos de operação e isso gera indefinição jurídica. Dificulta a gestão pública e investimento por parte das empresas. É ruim para todos”, complementou, ressaltando que o prejuízo maior é do usuário.
Não há justificativa para a demora da licitação para o setor, cem por cento de responsabilidade da Prefeitura, ressaltou Rubens Ramos. Principalmente porque a atual titular da Semob, Elequicina Santos, conhece o sistema a fundo por ter sido gestora da pasta em outras administrações. De acordo com ele, a Semob tem um corpo técnico de engenheiros que poderia realizar o trabalho que hoje é feito por empresas de consultoria. “A Prefeitura transfere para consultores a responsabilidade que é dela”, resumiu. Ele disse que se o pessoal do quadro técnico não está qualificado para este serviço, o gestor tem que investir em qualificação, ao invés de contratar consultorias.
A secretária, os engenheiros e o próprio prefeito Carlos Eduardo viajam para a Europa a fim de conhecer o modelo eficiente dos outros países, mas não fazem o dever de casa para melhorar o sistema local, atestou Rubens Ramos. “Não existe cidade moderna sem transporte público de qualidade”, sublinhou.
Diferente da maioria dos analistas, o professor da UFRN não acha que os carros sejam os culpados pelo saturamento de vias urbanas. O problema apontado por ele é que não se faz planejamento pensando em transporte de massa. Citou como exemplo as obras de mobilidade em Natal, que privilegiam os carros ao invés dos ônibus.
Especialistas e leigos conhecem os problemas do transporte público irracional e ultrapassado de Natal, comentou o especialista. “Não precisa de consultoria para melhorar”, complementou. “Mais de 30 linhas de ônibus (40% em operação) diariamente se dirigem para a Avenida Rio Branco, na Cidade Alta e na Ribeira. Isso é fora da realidade”, frisou.
Modelo ultrapassado: Também não adianta comprar ônibus novos (a Semob condicionou o aumento da tarifa a compra de mais 50 ônibus pelo Seturn), mas de tecnologia ultrapassada, frisou Rubens Ramos. “Esses ônibus (da frota de Natal) não rodam na Europa há mais de 10 anos”. Desde os anos de 1970 que nas principais cidades da Europa, por exemplo, os degraus foram abolidos dos coletivos. Estão no mesmo nível das calçadas para facilitar a mobilidade de idosos, pessoas com deficiência, obesos, grávidas.
Todos esses detalhes, Rubens Ramos disse que apresentou aos técnicos da Semob em 2012, logo que a atual gestão assumiu, mas suas sugestões não foram levadas em consideração. Em um ano ou dois, Natal poderia ser a primeira cidade do país com 100% do transporte público acessível, argumentou.
O modelo operacional das linhas de ônibus em Natal também é ultrapassado, criticou ele. As estações de transferência, que obrigam os ônibus a pararem, tumultuam o trânsito e deixam a população esperando mais tempo para o embarque, enfatizou. A integração poderia ser eficiente utilizando-se apenas a bilhetagem eletrônica, já implantada pelo Seturn.
Rubens Ramos disse que a necessária licitação do transporte público corre o risco de ser inócua se permanecer o atual modelo de linhas de ônibus. “Corremos o risco de ter um sistema que não vai funcionar”, explicou, principalmente, em relação à aplicação da tarifa.
De acordo com ele, transporte público não pode ser uma lógica de mercado. Em cidades como Londres, Nova Iorque, Berlim, Roma e Paris, o sistema é subsidiado pelos impostos. Não é a população que arca com o custo total através da tarifa, como acontece no Brasil.
O reajuste que vigora desde o domingo deve reduzir o número de viagens e, mesmo que fosse dada a tarifa que o Seturn pediu (R$ 2,80), em seis meses a situação continuaria a mesma porque as vias vão continuar engarrafadas, o usuário vai continuar esperando os ônibus que, por sua vez, não vão cumprir os horários estabelecidos para as viagens no rush e as vias vão seguir engarrafadas.
Fonte: Novo Jornal