Tarifa zero no transporte público para estudantes é praticamente inviável

Recentemente, veio à tona o debate quanto à possibilidade de se implantar uma política pública federal de “tarifa zero” no transporte público coletivo, em especial para os estudantes da rede pública de ensino.
A ideia é louvável sob o aspecto social, mas discutível sob o ponto de vista econômico e jurídico. O exemplo de Macaé, a “Dubai” brasileira, que oferece transporte público gratuito para os seus munícipes, nem de longe se assemelha à realidade dos demais municípios do país. Mas a perspectiva que se quer trazer aqui é outra: juridicamente, tarifa zero para estudantes, por si só, é inviável se conduzida e imposta unilateralmente pelo Poder Executivo federal, sendo necessária uma série de medidas acessórias a fim de se implementar essa proposta.
A Constituição Federal estabelece diversas regras para a prestação do serviço público de transporte coletivo: (i) a competência sobre a política tarifária pertence ao titular do serviço público (em outros termos, para definir os valores e as regras econômicas para a prestação do serviço público); (ii) a competência para disciplinar serviço público de transporte coletivo é exclusiva dos municípios; (iii) se não prestados diretamente pelo município ou delegado a empresas estatais, os serviços de transporte coletivo são prestados sob o regime de concessão e permissão, ou seja, por empresas privadas que tenham firmado um contrato administrativo; (iv) a iniciativa legislativa sobre esse serviço é do chefe do Poder Executivo municipal, ou seja, somente o prefeito poderia enviar um projeto de lei à Câmara dos Vereadores que altere as condições de exploração do serviço público, especialmente a compensação ao prestador do serviço, no caso de concessão ou permissão.
Tendo em consideração essas premissas constitucionais, qualquer interferência ou estabelecimento de obrigações por parte de um ente federativo, sem competência para tratar desse serviço público, é inconstitucional. Em outras palavras, a União não pode interferir na política tarifária estabelecida pelos Municípios, sob pena de violação do pacto federativo. E, ainda que se consiga convencer as Câmaras Municipais a levar esse assunto para discussão nos municípios, os vereadores não podem propor leis que interfiram na política tarifária, sob o risco de desrespeito à tripartição dos poderes. A competência para tanto é do Poder Executivo.
O Supremo Tribunal Federal, em discussão semelhante, declarou inconstitucional lei do Distrito Federal que estipulava “tarifa zero” para assinatura básica dos serviços de água, luz, gás, TV a cabo e telefonia, valendo-se, em parte, dos argumentos aqui levantados. Ou seja, qualquer lei federal que venha a interferir nos contratos de concessão ou permissão celebrados nos municípios poderá ser declarada inconstitucional — salvo se o STF alterar o seu entendimento, o que acredito que seja improvável à luz do debatido acima.
E qual seria a solução jurídica para esse impasse? A melhor delas seria a União não interferir nos contratos administrativos e nem na competência municipal, subsidiando diretamente os usuários (estudantes de escola pública) e contornando as inconstitucionalidades. Algo como um “Bolsa Passe” que somente poderia ser utilizado para a compra de passagem de ônibus.
Em termos de transparência fiscal, seria uma solução melhor do que se criar um fundo federal que transferisse recursos aos municípios com a contrapartida de se implantar a tarifa zero, evitando a necessidade de se fiscalizar a aplicação dos recursos e o gasto em transporte nos 5.570 municípios.
Ou seja, a melhor saída seria a primeira hipótese: ao invés de se subsidiar diretamente o município, passa-se a subsidiar o usuário e, portanto, indiretamente o município.
O problema é que ambas as sugestões ficam à mercê da existência de recursos federais, os quais podem ficar escassos a qualquer momento e levar a política de tarifa zero para ônibus ladeira abaixo.
Outra hipótese seria a União regulamentar algumas regras gerais de trânsito e transporte urbano (matéria de sua competência privativa) para que os municípios possam auferir mais receita e, dessa forma, por liberalidade própria, sejam capazes de conceder tarifa zero aos estudantes de acordo com suas disponibilidades orçamentárias. Por exemplo, municípios que implantassem programas de inspeção veicular, pedágio urbano ou rodízios para zonas centrais poderiam utilizar a receita obtida diretamente dos motoristas de automóvel (tanto com as taxas como com as multas aplicadas) para a concessão de subsídio governamental de forma vinculada ao custeio da tarifa zero. O problema, nesse caso, é que em alguns municípios isso pode ser viável economicamente, e em outros não, o que não eliminaria a necessidade de subsídio federal para que a proposta fique de pé.
Portanto, isso expõe que, além das dificuldades econômicas, as barreiras jurídicas para a proposta não tornam a política pública proposta de fácil implantação, mas sim praticamente inviável. E antes que se cogite alterar a Constituição para que isso seja mais facilitado, é importante salientar que todos esses “entraves” são garantias constitucionais a princípios basilares de nossa Nação, tais como a tripartição dos poderes, pacto federativo e respeito aos contratos.

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