Um transtorno diário. O transporte aparece em quinto lugar entre os problemas que mais afetam a vida da população, segundo a pesquisa Datafolha. Foi citado por 10% dos entrevistados no Sudeste, 6% no Centro-Oeste e Norte do Brasil, 5% na Região Sul e por 4% no Nordeste.
Essa é uma luta que começa cedo em qualquer lugar. E luta não é só maneira de dizer. A cena se repete nas primeiras horas da manhã, o empurra-empurra para entrar no ônibus.
Jornal Nacional: Olha, não vai caber todo mundo. E aí? Não vai dar para ir nesse?
Homem: Eu acho que não.
Jornal Nacional: Você está com o pé para dentro e o corpo para fora. Você vai tentar ir?
Homem: É o jeito. Lata de sardinha.
O ônibus sai completamente lotado, não cabe todo mundo. O lugar é Manaus, no Norte do país. Mas poderia ser qualquer grande cidade do Brasil. A capital do Amazonas tem quase 2 milhões de habitantes e uma frota de 1.420 ônibus. Como na maior parte do país, a população não está satisfeita nem com a quantidade nem com a qualidade. Todo dia ele vai e vem lotado. Eles colocam pouco ônibus , conta a empregada doméstica Analey Freitas dos Santos.
Claudenici sai de casa às 5h e pega dois ônibus para chegar às 8h ao trabalho. Vai lotar de gente, já está lotado, vai lotar mais , explica a funcionária de cozinha industrial Claudenice Pinto de Miranda. Viajamos juntos.
Jornal Nacional: Não está conseguindo fechar a porta, né? É perigoso, tem uma senhora lá na escada. O ônibus chacoalha e você não precisa se segurar, porque eu estou preso pelas pessoas. O ônibus está chacoalhando e está tão cheio que você fica travado. Está ficando quente, calor.
Socorro Mafra, empregada doméstica: Várias pessoas já se machucaram. Eu inclusive já me machuquei, pipoquei o meu dedo, de tão imprensada que fica.
Jornal Nacional: E fica também um péssimo sentimento.
Passageiro: Humilhado, humilhado.
“Você tem uma oferta inadequada ao longo do dia. Você tem na hora de pico uma superlotação e depois você fica horas numa parada de ônibus esperando o ônibus que não vem”, explica Sérgio Ezjenberg, mestre em Transportes.
Quem pode não espera mais. Cada um no seu carro. A tentativa de encontrar sozinho uma alternativa para a deficiência do transporte público tem consequências. Em 11 anos o número de automóveis mais que dobrou no Brasil. Já passou de 42 milhões. É um para cada cinco brasileiros. A infraestrutura das cidades não aguenta. E o nó no trânsito fica cada vez mais apertado. Em 20 anos, aumentou ,em média, 12% o tempo gasto no deslocamento entre a casa e o trabalho nas regiões metropolitanas brasileiras.
“A gente chegou nessa situação porque a população urbana ela tem crescido velozmente, enquanto que a infraestrutura de transporte cresce muito lentamente. Somado a isso você ainda tem uma série de incentivos para o carro particular. Redução de tributo, crédito facilitado para a compra do automóvel”, diz a professora da Coppe da UFRJ Suzana Kahn.
Quatro e duas rodas. O número de motos mais que quadruplicou nesse mesmo tempo. Araguaína, no Tocantins: a cidade de 164 mil habitantes é uma das campeãs nas estatísticas. No município, segundo o Denatran, há mais motos do que carros. Muito mais. Só de uma concessionária saem mais quatro novinhas todos os dias. “É tudo longe. Como o transporte público é carente, eles precisam desse suporte”, conta Beto Parente, diretor da concessionária.
Para devolver mobilidade às grandes cidades é preciso pensar profundamente numa solução. Com as ruas completamente ocupadas, é para baixo que se encontra terreno para desafogar o sistema. O metrô abre caminho para tirar o excesso de carros do trânsito e espaço até para reorganizar os outros tipos de transporte.
Quando estiver pronto, um trecho de 16 quilômetros do metrô do Rio vai tirar 2 mil veículos das ruas. O especialista Sérgio Ezjenberg fez as contas. Pela quantidade de passageiros transportados por hora, o metrô pode levar quase três vezes mais pessoas do que os chamados BRTs, ônibus em corredores especiais.
E com o dinheiro que se perde no congestionamento – apenas em São Paulo – daria para construir 90 km de metrô por ano. E as obras não precisam demorar tanto. “Barcelona fez 82 km de metrô em cinco anos. São Paulo fez 75 km em 35 anos. Não se investe porque é uma questão de agenda política. Porque aquele que vai começar a obra não vai inaugurá-la. Não há outra razão”, explica Sérgio Ezjenberg.
Para a professora da Coppe, o transporte público só será mais atrativo se houver investimento também em outras políticas urbanas. “Você tem que ter segurança, iluminação, calçadas adequadas. Tudo isso faz parte de outras políticas, de conservação, de segurança, que não são necessariamente políticas de transporte”, afirma Suzana Kahn.
O Ministério das Cidades informou que foram investidos R$ 145 bilhões em Mobilidade urbana desde 2007. Enquanto isso, em Manaus, Antônio e Diana só pegam o ônibus depois de uma hora de espera no ponto. Ela está grávida de cinco meses. “Eu fico a viagem toda em pé. As minhas pernas já estão cansadas”, lamenta Diana.
Até o ponto mais perto da casa deles é mais uma hora de viagem. Ainda tem uma boa caminhada. Eles saíram às 6h e estão voltando depois das 20h. O plano para depois que o filho nascer é não depender mais do ônibus. Mas por enquanto só dá para pensar no futuro que começa daqui a poucas horas. “Eu tenho que dormir, tenho que dormir para descansar a cabeça, para amanhã cedo de novo começar a rotina”, conta Diana.
A propaganda eleitoral obrigatória começa no dia 19. Vamos ver o que os candidatos propõem para combater esses problemas.
Fonte: TV Globo