Referenciada como a metrópole do futuro, Mossoró ainda caminha em um processo de evolução muito distante do que foi notificado em estudo feito pela Revista Veja, em 2010, apontando-a como uma das 20 cidades que prosperariam no decorrer dos anos. Quatro anos após a publicação, um dos mais visíveis problemas no município vem do sistema de transporte coletivo, que beira o descaso e o desrespeito para com os moradores, estudantes e trabalhadores.
Decididamente curiosos a conhecer a real situação enfrentada pelos usuários, repórteres que assinam a matéria saíram no coletivo às 19h. O Vingt-Rosado, que chegava com alunos para o primeiro horário de aulas na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern).
Depois de situada no coletivo, a equipe de reportagem conversou com o estudante Lucas Matheus, 17. Lucas cursa Senai e estuda no Sesi, pega a linha às 6h e retorna para casa de ônibus por volta das 23h30. Ele contou que já chegou a perder aula e enfrentar esperas de mais de meia hora, na esperança de passar o ônibus seguinte.
“Durante o dia, o mesmo ônibus alterna os motoristas e faz rotas diferentes, algumas vezes em horários indefinidos, pois precisa deixar alguns alunos na Uern e isso faz com que o ônibus atrase e deixe os outros estudantes de outras instituições esperando”, afirmou.
Questionado sobre alguma situação de desrespeito para com as demais pessoas do ônibus, ele disse que já presenciou motoristas sendo arrogantes com os idosos, inclusive com a própria avó, que precisou subir às pressas no ônibus, mesmo tendo dificuldades, pois estava de saia, porque o motorista não queria esperar.
Ana Cristina, 37, funcionária pública, contou que já enfrentou atrasos, que estes são mais recorrentes nos finais de semana e que já passou por situações em que a rota foi alterada e a demora, inevitável. Frisou ainda que estes são problemas que acontecem com mais frequência em horário noturno. Usa a linha do Vingt-Rosado duas vezes por dia, saindo de casa às 6h30 e voltando às 19h.
Sobre vivenciar algum fato inusitado, falou que nunca aconteceu com ela, mas que já presenciou um idoso acenar pedindo parada e o motorista não respeitou o pedido, além dos deboches. Em relação à lotação dos ônibus, disse ser relativo, depende do dia e horário.
O motorista Antônio Leal de Moura, 48, trabalha há mais de oito anos no transporte coletivo em Mossoró, sua rotina de trabalho vai das 7h às 20h, com um intervalo de uma hora para o almoço. Natural de Upanema, chegou a terminar o Ensino Médio, mas encontrou na direção seu modo de sobrevivência para criar seus cinco filhos. “Criei meus filhos na direção. Fui caminhoneiro e hoje sou motorista, mas não quero ficar nessa vida, não. Quero trabalhar numa empresa de segurança”, planeja.
Transportes para o coletivo – um sonho possível: Existem, no Brasil, várias cidades que são referências em transporte público. Curitiba, por exemplo, enquadra-se nesta categoria. A começar pela estrutura sistemática dos transportes coletivos que foi projetada para desenvolver a integração populacional, através da implantação do Programa Biocidade, dando exemplo de sustentabilidade e administração.
Inicialmente planejado para reduzir as emissões de carbono, o projeto acabou criando um hábito cultural e alocando uma realidade que poucas cidades conseguem atingir. Elogiado, o Bio foi idealizado em1970, e concebido de fato quatro anos depois. Como resultado, as conquistas de possuir “menos automóveis nas ruas, um trânsito mais organizado, menos poluição, mais conforto, mais rapidez e mais economia para o usuário” foram sendo efetivadas ao longo desses anos.
A administração governamental da cidade afirma que com o tempo os habitantes perceberam a nova dinâmica de locomoção e aderiram às linhas, com uma aceitação mais rápida do que o esperado. Diferente do que ocorre em Mossoró, que até então não possui estratégias que viabilizem a preocupação com a sustentabilidade, não só nos transportes públicos, como também dos carros, motos e bicicletas, que estão crescendo na cidade.
Em visita à Câmara Municipal de Mossoró, os repórteres conversaram com o vereador Genivan Vale (PROS), que afirmou existirem projetos, mas viabilizações não estão sendo executadas, por falta de apoio da Prefeitura e do Secretariado, que entendem ser um favor as melhorais no sistema de transporte de Mossoró. “Gastam cinco, seis milhões em festas, por que não podem gastar cinco milhões por ano bancando uma empresa de ônibus? Aqui nós somos sete contra o Governo, e o que nós podemos fazer é criar uma célula de ressonância”, afirma.
Mossoró de fato não é Curitiba, no entanto, não é a quantidade de moradores que define o processo de evolução governamental, mas, sim, o próprio corpo administrativo e suas ações.
“Eu acho que a Prefeitura não tem que copiar Curitiba, ela tem que atender às necessidades da cidade que é colocar mais ônibus para circular, e fazer manutenção das ruas para que os ônibus façam o seu trabalho sem muitos prejuízos”, analisa o motorista Francisco Cleder.
A sensação de abandono, vinculada à violência: Sobre o descaso em que se encontram os ônibus em Mossoró, o motorista Antônio Leal de Moura falou que as empresas precisam do apoio da Prefeitura e que é preciso fiscalizar os táxis clandestinos e os táxis-lotação, estes são um dos maiores problemas identificados, para que haja uma melhoria no transporte coletivo.
“Empresário nenhum vai aguentar ficar aqui em Mossoró porque não dá para cobrir os custos, transporte coletivo só trabalha no vermelho por conta disso. O governo público abandonou o transporte coletivo de Mossoró, eles não têm respeito pelo usuário”, disse indignado.
Experiente, também deu sua opinião para as melhorias do serviço: “Tirar os táxis clandestinos, que são mais de três mil, e os mototáxis que dão mais de quatro mil, aí poderia melhorar a situação de transporte coletivo, se o prefeito não tomar as providências, os empresários vão abandonar Mossoró, porque não há condições de trabalhar com o transporte público”, ponderou.
A violência também é um ponto bastante discutível, principalmente para quem utiliza ônibus à noite. Em agosto do ano passado, foram registradas quatro ocorrências de roubos no transporte público. Quando perguntado sobre alguma situação que envolvia assalto, Antônio Leal disse que nunca ocorreu com ele. “Tenho mais de oito anos de estrada e nunca fui assaltado, mas já aconteceu com colegas meus. Aqui na cidade tem muito vandalismo”, afirmou.
Para a demanda da cidade, constam apenas 18 ônibus, porém quinze estão em circulação. Número pequeno para transportar cerca de 300 mil habitantes em Mossoró. Isso gera um caos no trânsito, que já possui cerca de 42.761 motos, 12.938 motonetas e os carros que representam uma frota de 47.109 unidades por pessoa no município. “Não há transporte para a demanda, porque falta condições para as empresas manterem as linhas de ônibus efetivas. Sinto falta das linhas que foram fechadas, penso nos idosos daquela região”, lembra.
O motorista Francisco Cleder falou que as condições de trabalho estão precárias, o salário está defasado, mesmo assim tentam cumprir as metas estipuladas, mas como não há um número de ônibus para suprir a demanda da cidade, dependendo do horário, os ônibus podem estar superlotados. Ambos disseram que fazem de tudo para não deixar de transportar ninguém.
Fonte: O Mossoroense