No primeiro semestre deste ano, Salvador registrou uma média mensal de 116 acidentes envolvendo ônibus do transporte urbano, segundo dados divulgados pela Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob). Entre janeiro e junho, de acordo com as estatísticas do órgão, 700 ocorrências com coletivos foram contabilizadas – o que representa quase quatro (3,8) acidentes por dia.
O número representa uma redução de 31,6% em relação ao mesmo período do ano anterior (quando foram registradas 1.024 ocorrências) e de 49,7% em relação a 2014 (1.392 acidentes do tipo). No entanto, o Sindicato dos Rodoviários da Bahia ainda o considera alto.
O decréscimo ano a ano, comemorado pela Semob, também é visto com cautela por motoristas, cobradores e usuários. Além disso, do total de 700 acidentes, 130 deixaram pessoas feridas e cinco provocaram mortes.
Para o diretor de comunicação do sindicato da categoria, Daniel Mota, a pressão sofrida pelos trabalhadores – constantemente vítimas de assaltos e ônibus incendiados – é um dos motivos para falhas humanas que causam acidentes. Segundo Mota, a difícil mobilidade urbana também contribui para os erros.
“A categoria está sobre um barril de pólvora”, ilustra o sindicalista. “Nós temos que lidar com o estresse diário, ônibus queimados, assassinatos que acontecem nos veículos e quase sempre voltamos a trabalhar no dia seguinte”, afirma ele, criticando a falta de acompanhamento psicológico dos condutores.
Os passageiros, por sua vez, também correm riscos. A prova disso é o aposentado Getúlio dos Santos, 66 anos, vítima de um acidente na via exclusiva de ônibus na Estação Iguatemi.
Era abril de 2013 e Getúlio não imaginava que entraria para uma estatística. Sentado nas cadeiras próximas à janela de um coletivo da antiga empresa BTU, ele foi um dos principais atingidos por outro ônibus, este da também extinta União. De recordação, ficou com 60 pontos no lado direito do rosto e as marcas de duas cirurgias feitas por causa de fraturas. Deu sorte, ele admite. Naquele dia, quatro pessoas morreram na hora e outra mais tarde, após receber atendimento.
“Eu seria a sexta morte, na ordem cronológica”, conta o aposentado. “Foi uma pancada muito violenta. Fiquei deformado. Não sei se o motorista estava em alta velocidade, porque eu estava distraído”, relembra.
Explicação: Para o especialista em segurança viária Eduardo Biavati, esse tipo de caso é motivado pela cobrança que condutores recebem para apresentar resultados. Segundo Biavati, a melhoria dos sistemas de transporte – como as que aconteceram em Salvador após a licitação das linhas de ônibus pode significar, do outro lado, menos segurança.
“A redução dos tempos médios de viagem nas cidades brasileiras nos últimos anos é positivo para os passageiros, mas isso cria uma pressão para que os motoristas garantam a eficiência do serviço, porque eles estão cada vez mais monitorados por tecnologias”, explica o especialista.
O secretário de Mobilidade de Salvador, Fábio Mota, afirma que a redução tem a ver com a capacitação que, segundo ele, os trabalhadores rodoviários vêm recebendo das empresas. Apesar de reconhecer o número elevado de acidentes, ele defende que a tendência de redução deve permanecer nos próximos anos. “Isso é resultado que estamos colhendo por, na licitação das linhas de ônibus, exigirmos da empresa cursos de reciclagem para a categoria”, afirma Mota.
O motorista Adilson Carvalho, 38 anos, que roda na linha Pernambués-Pituba, defende que outras pessoas atrapalham o trabalho dos condutores no trânsito, enquanto passageiros reclamam da alta velocidade praticada pelos rodoviários. “Praticamos direção defensiva todo dia, porque, às vezes, o passageiro quer descer antes do ponto e o mototaxista faz uma ultrapassagem errada”, afirma ele.
Já o vigilante Ivanilson Moreira, 44, conta que, por causa da correria comum no trânsito, fica apreensivo quando precisa pegar ônibus. “É normal a gente estar no ônibus e o motorista freiar bruscamente porque está correndo”, relata.
Problemas ocupacionais: A psiquiatra Ivete Santos, que já atuou acompanhando trabalhadores rodoviários envolvidos em acidentes e outras ocorrências graves, explica que as características do trabalho dos motoristas de ônibus tendem a provocar o desenvolvimento de problemas ocupacionais, como transtorno de ansiedade e irritabilidade.
Segundo a especialista, entre os sintomas dessas doenças estão a perda da concentração e da atenção, um dos motivos que leva a acidentes de trânsito.
Ela afirma, ainda, que as empresas têm a responsabilidade de construir programas de atenção ao trabalhador, com o objetivo de fiscalizar se necessidades básicas para a boa atuação profissional – como horário de almoço e paradas para ir ao banheiro – estão sendo cumpridas corretamente.
“Se isso não é feito, essas questões ocupacionais vão agravando-se com o tempo e pode gerar uma tragédia”, avalia a médica.
“A orientação para ginástica laboral, o cumprimento de horários de comer e beber e a disponibilização de banheiros são essenciais para a melhoria da qualidade de vida e trabalho”, ensina.
A especialista atribui ao estresse cotidiano a aquisição desses problemas ocupacionais pelos trabalhadores. Segundo ela, o trato conflituoso com os passageiros e o medo de assaltos e agressões atrapalham os condutores de coletivos.
O diretor de comunicação do Sindicato dos Rodoviários, Daniel Mota, afirma que um dos maiores déficits da categoria é o acompanhamento psicológico dos profissionais. “O rodoviário nunca recebe essa atenção”, reclama o sindicalista.
Foto: Lucas Melo (Agência A Tarde)
Fonte: Jornal A Tarde (BA)