Depois de descobrir o caminho do aeroporto, na década passada, a classe média agora faz o percurso inverso e começa a trocar o avião pelo ônibus. Só neste ano, até outubro, 7,3 milhões de passageiros deixaram de viajar de avião dentro do país. De acordo com a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), a queda acumulada de passageiros no transporte aéreo doméstico foi de 6,9% frente a 2015.
Na contramão, quem vende passagem de ônibus comemora. No portal Rodoviariaonline, as vendas neste ano cresceram 30%, conforme o diretor comercial da empresa, Nilton Sklaski Junior. No site de turismo Decolar.com, a venda de passagens de ônibus em 2016 foi cinco vezes maior que em 2015, segundo informações fornecidas pela empresa.
Nesta semana, o diretor técnico de saúde Marcelo Aquino foi de ônibus de Belo Horizonte a São Paulo – um trajeto que ele costumava fazer de avião. “Eu fazia viagens curtas de fim de semana para várias cidades”, diz. De 2015 para cá, porém, ficou difícil usar o transporte aéreo. “Não há mais promoções como acontecia antes. Com um mês de antecedência, eu conseguia comprar passagem com bons preços. Agora, quando muito, você tem que se programar para daí a seis meses, o que é praticamente impossível”, reclama. O motivo da troca é evidente: ele pagou R$ 154, e conta que a passagem aérea estava em R$ 700 só a ida.
Mas não é só preço que faz o comportamento mudar. Os ônibus, nos últimos anos, melhoraram. Além do conforto dos leitos e das poltronas, às vezes mais espaçosas que as dos aviões, eles oferecem acesso Wi-Fi à internet, água e até TV. No caso de Belo Horizonte, a rodoviária ainda leva vantagem no quesito localização. Para voar, é preciso antes “viajar” até o aeroporto de Confins, e o passageiro ainda precisa chegar pelo menos uma hora antes. Isso torna longa uma viagem que seria curta.
Para Sklaski Junior, do Rodoviariaonline, o incremento na venda de passagens de ônibus está relacionado com a troca do transporte aéreo pelo terrestre. “Ainda mais no trecho Rio-São Paulo, onde existe a concorrência da ponte aérea, essa troca fica ainda mais clara”, diz. Para a Abear, a retração da demanda do transporte aéreo doméstico é reflexo da crise econômica, que impacta fortemente o setor.
A comerciante Saula Gonçalves também trocou o transporte aéreo pelo ônibus. O motivo é o preço. “Dependendo da época do ano, com destaque para as férias, a diferença chega a ser o dobro. Hoje, minha opção de transporte está na rodoviária”, diz. Ela só se queixa do outro lado: a demora. “De Belo Horizonte, vou para Goiânia e depois Niquelândia, que fica a cerca de 300 km da capital”, contou, antes de encarar as quase 24 horas de estrada.
Depois de encontrar passagem aérea por R$ 800 ida e volta, a psicóloga Ana Lúcia Ferreira também optou por ir para Santo André (SP) de ônibus. Além de poder ir direto para o seu destino, o preço foi decisivo: R$ 190. “Fim de ano é uma época muito difícil de encontrar promoções”, disse.
Ônibus de primeiro mundo. O presidente do conselho deliberativo da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros (Abrati), Eduardo Tude, ressalta que as empresas investem na melhoria dos seus serviços, oferecendo ônibus modernos, com tecnologia equivalente à de países do primeiro mundo. “Eles são dotados de todos os itens de segurança, e modernidades como Wi-Fi a bordo, sistemas de entretenimento com telas de TV, além de disponibilizar serviços convencionais, executivo e leito com elevado grau de conforto”, observa.
RODOVIÁRIO
Apesar de migração, venda geral cai 5%
Tem site vendendo mais passagem de ônibus, mas o cenário geral é ruim. Mesmo com a migração de passageiros do avião para o ônibus, o volume de pessoas transportadas pelas empresas da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros (Abrati) neste ano foi 5% menor que em 2015, conforme seu presidente, Eduardo Tude. Uma das principais empresas do setor, a Gontijo, confirma à reportagem o momento econômico ruim que atingiu todos os segmentos.
A ida de passageiros do modal aéreo para o rodoviário pode ter acontecido nas linhas de média distância, entre 500 km e 700 km, avalia Tude. “Eles podem ter optado pelo ônibus em função da tarifa ser bem mais barata e o conforto superior ao transporte aéreo”, diz.
A Abrati representa cem empresas, de um total de 250 registradas na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Novos Roteiros. A CVC lançou neste ano três rotas de viagens rodoviárias: Circuito Cervejeiro (Rio de Janeiro e cidades serranas); Olímpia (parques aquáticos no interior de São Paulo) e Religioso (Campos do Jordão e Aparecida do Norte). A empresa afirma que o preço não é o principal atrativo. (JG)
Fonte: O Tempo