Embora seja proibido, próximo à Rodoviária de Natal há “praças de lotação” que oferecem viagens para municípios do interior do Rio Grande do Norte com a promessa de mais conforto ao passageiro e horários mais flexíveis do que os ônibus que operam no transporte intermunicipal.
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A estimativa é de que 10 mil carros circulam transportando passageiros entre municípios do interior ou para estados vizinhos, de acordo com o Sindicato dos Trabalhadores Autônomos de Transporte Especial Intermunicipal de Passageiros do RN (Sintratep). O transporte é considerado ilegal e gera polêmicas entre governo estadual, taxistas de lotação e empresas de ônibus há pelo menos 15 anos.
Enquanto os motoristas dos carros de lotação alegam que precisam trabalhar e sustentar suas famílias, as empresas de ônibus rebatem afirmando que o número elevado de clandestinos tem causado prejuízos ao setor, já que a concorrência não é justa por causa dos tributos pagos pelas empresas e que, além disso, os carros de lotação não são transportes seguros para os passageiros.
Para o presidente da Federação das Empresas de Transporte e Passageiros do Nordeste (Fetronor), Eudo Laranjeiras, “o estado não deu ao transporte público a prioridade que necessita” e, por meio dessa lacuna, “o transporte de passageiros foi invadido por veículos que operam irregularmente”.
Ele atribui aos carros de lotação uma crise no serviço de ônibus intermunicipais, responsável pela redução de 1.600 empregos diretos, fechamento de cinco empresas e recuperação judicial de outras duas, além do recolhimento de 80 linhas em dez anos. Para o empresário, “falta visão de governo para uma ação mais enérgica na fiscalização dos transportes clandestinos”.
Por outro lado, o diretor geral do Departamento de Estradas e Rodagens (DER), Ernesto Fraxe, afirma que o governo está trabalhando na regulamentação do serviço e que a fiscalização para os motoristas de lotação que não se adequarem as regras deve se intensificar com a criação do Centro de Controle de Frotas, sistema eletrônico de gerenciamento e licitação de ônibus intermunicipais. No entanto, as medidas de fiscalização ainda não têm prazo para serem executadas porque o órgão aguarda a doação do sistema de monitoramento eletrônico e decisões do Gabinete Civil do Estado.
Para os futuros operadores do transporte de lotação, o prazo final para se regularizar acaba no dia 09 de agosto próximo. A documentação necessária para legalizar o serviço requer cursos de formação de condutores, carteira de motorista remunerada, comprovante de residência no estado há no mínimo dois anos, testes psicológicos, certidão negativa de ações civis e execuções penais, dentre outros.
Os veículos só podem ser utilizados para transporte intermunicipal de passageiros se tiverem até oito anos de fabricação, quatro portas, air bag e adesivo padronizado do DER. Também são exigidos a contratação de um seguro de passageiros e o pagamento de uma taxa anual de R$ 200,00 (até segunda ordem).
Com o objetivo de facilitar o diálogo com o governo e garantir que o processo de legalização seja concluído, os profissionais do segmento criaram o Sintratep, que atua desde dezembro passado. Segundo o presidente, Flávio Manoel Alves, a entidade reúne cerca de 700 motoristas, trabalhadores que estão se organizando para regulamentar o serviço. “Nós temos noção de que as empresas têm um gasto anual com documentação, que o estado precisa dessa arrecadação e que, para fazer o mesmo trabalho, precisamos contribuir também. Nós queremos a regularização para conquistar o reconhecimento enquanto trabalhadores”, declara o sindicalista.
Flávio Manoel afirma ainda que, apesar dos esforços do sindicato, alguns motoristas ainda são resistentes ao processo porque não acreditam na possibilidade de conseguirem trabalhar de forma legal. “Trabalho com lotação há 15 anos e nunca tivemos esse tipo de oportunidade. Muitos motoristas estão incrédulos”, relata.
O sentimento de descrença atinge o motorista Erivaldo Pereira, 32, que há sete anos trabalha no transporte entre Natal e Mossoró e reclama que o processo é muito burocrático. Junto com ele, outros 120 motoristas realizam o transporte entre Natal e Mossoró. Já Fábio Fernandes, 39, faz viagens há 18 anos alternando os destinos Mossoró e Currais Novos de acordo com a demanda. Ele também não demonstra esperanças sobre a possibilidade de regulamentar sua atividade e critica o projeto. “Foi feito para que não tenha nem nenhum perigo de ser legalizado”.
Drama de quem vive da atividade
Erivaldo Pereira, 32, realiza entre duas e três viagens por semana e cobra uma média de R$ 70,00 por passageiro. Depois de tirar todas as despesas com combustível e manutenção do carro, seu rendimento mensal fica entre R$ 1.800 e R$ 2 mil.
Praticamente todos os dias ele fica próximo à Rodoviária de Natal oferecendo transporte para quem passa, mas nem sempre tem demanda de passageiros para viajar. Ele afirma que “não tem condições nem opções” para trabalhar em outro ramo e uma mudança de profissão seria um sacrifício para a família.
O motorista tem um filho e conta que, antes de começar a viajar, trabalhava como prestador de serviço em um hotel de Natal. “Eu trabalhava de domingo a domingo para receber um salário de R$ 900,00. Depois de todos os descontos, sobrava uma média de R$ 800,00. Você acha que é suficiente para pagar aluguel, pagar escola e sustentar uma família?”, questiona.
Ele entrou no ramo há cerca de sete anos, quando ficou desempregado. Seu sogro já trabalhava com transporte intermunicipal de passageiros e deu um suporte inicial até que ele comprasse um carro para viajar.
Apesar do tempo que trabalha com carros de lotação, Erivaldo reconhece que ainda não tem CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica) e conta que já foi parado por fiscalizações na estrada duas vezes. A primeira aconteceu há cerca de cinco anos e os passageiros foram obrigados a descer, mas ele não teve o carro apreendido. Quando foi parado pela segunda vez, teve o carro apreendido, o que gerou um custo de cerca de R$ 2 mil com pagamento de multas e do guincho para recuperar o veículo.
Quando questionado sobre as implicações do transporte ilegal de passageiros intermunicipais, Erivaldo afirma que os clientes escolhem os carros de lotação porque são mais confortáveis que os ônibus.
“A maior parte das empresas têm ônibus muito velhos e sujos para fazer o transporte entre as cidades do interior. Nós trabalhamos com carros novos, com ar condicionado e buscamos o passageiro em casa. É uma viagem com mais conforto”, exemplifica.
Em resposta às críticas da Fetronor ao serviço de lotação, Erivaldo afirma que o prejuízo das empresas de ônibus foi causado por uma mudança nos hábitos dos passageiros, que tem optado por aplicativos de carona e não pelos carros de lotação.
O motorista defende que não existe concorrência direta entre as empresas de ônibus e os carros de lotação porque a segunda modalidade cobra mais caro pelas passagens e que “tem espaço para todo mundo trabalhar”.
Fonte: Novo Notícias