Em 15 anos, o Rio Grande do Norte perdeu metade das empresas de ônibus do transporte intermunicipal de passageiros. Até o início dos anos 2000, uma dezena delas explorava o mercado potiguar, cobrindo os 167 municípios e a maioria dos distritos e comunidades rurais. A popularização dos veículos próprios, cuja facilidade na aquisição expandiu o número da frota no período, aliada à falta de fiscalização que deveria impedir a ação dos transportadores clandestinos, também chamados de loteiros, fez com que 300 ônibus saíssem de circulação e, pelo menos, 1.500 postos de trabalho fossem cortados no mesmo intervalo de tempo, segundo dados da Federação das Empresas de Transporte de Passageiro do Nordeste (Fetronor).
Foto: Alex Régis |
O resultado: 96 linhas intermunicipais foram simplesmente abandonadas, pois as empresas que as exploravam faliram. A maioria delas, afogada em dívidas trabalhistas. Das cinco que ainda resistem, duas estão sob intervenção judicial e o prognóstico do presidente da Fetronor, Eudo Laranjeiras, não é dos melhores. “Se não houver, por parte do Governo do Estado, ajuda às empresas com fiscalização mais rigorosa, com licitação técnica, as empresas não resistirão mais cinco anos”, disse. No período analisado pelo presidente da Fetronor, as empresas Trans Salineira, Queiroz e Melo / Trans Sul, Unidos, Brandão e Auto Viação Oeste deixaram de existir. A causa apontada pela Federação: a clandestinidade desenfreada. Hoje, somente cinco empresas atuam no transporte intermunicipal rodoviário de passageiros: Alves, Cabral, Jardinense, Nordeste e Riograndense.
E quem recorre ao transporte intermunicipal, independente se para viagens próximas ou distantes da capital, não está satisfeito. “Em uma semana, três ônibus da empresa que faz o itinerário aqui para Pirangi do Norte quebrou três vezes. A população fica a mercê desses ônibus que nunca passam na hora, não são novos, as passagens custam caro e nunca sabemos se iremos chegar no destino na hora certa. É sempre um problema. As passagens só aumentam, não há segurança, os ônibus são velhos e não há melhorias no serviço”, declarou o estudante Leonardo Júlio. Somente no ano passado, ele passou por 17 episódios diferentes de pane mecânica nos ônibus que fazem o trajeto Pirangi do Norte – Natal. Por ser um caso comum, ele compartilha nas redes sociais quando há qualquer problema nas viagens e as reclamações quanto ao serviço proliferam.
DER reconhece problemas
Para fiscalizar todas as rodovias estaduais que cortam o Rio Grande do Norte, o Departamento de Estradas de Rodagem (DER/RN) conta com 35 agentes de fiscalização. “É impossível dar conta. O cobertor é muito curto e o Estado é impedido de realizar concurso público”, disse o diretor presidente do órgão, Jorge Ernesto Fraxe. Sobre as declarações do presidente da Fetronor, Eudo Laranjeiras, acerca da fragilidade da fiscalização para combater a atuação de transportadores clandestinos de passageiros, Fraxe disse que concorda com algumas delas. “Eu também acho que falta fiscalização. Concordo com ele (Eudo Laranjeiras). Nós não temos estrutura para fiscalização. Mas eu faço um esforço enorme para combater os clandestinos”, ressaltou.
Além disso, o diretor presidente afirmou que o DER não poderia ser responsável pela gestão e fiscalização do sistema de transporte intermunicipal e sugeriu que um órgão com status de Secretaria ou Superintendência, com capacidade de arrecadação e independência financeira, fosse criado pelo Governo do Estado. Até os anos 1970, existia um órgão chamado Superintendência de Transportes Rodoviários do Rio Grande do Norte que tinha justamente tal função. “A gestão deveria ser através de uma Secretaria ou Superintendência específica. Um órgão para gerir o setor e buscar um solução sustentável, arrecadando mais e se sustentando. O DER é, hoje, incapaz de fazer uma boa fiscalização”, declarou Jorge Fraxe.
Licitação do setor sairá até fim do ano
A licitação para o setor de transporte intermunicipal de passageiros no Estado será aberta até o final de 2017, conforme estimativa do DER. A expectativa é de que em 40 dias sejam finalizadas as audiências que debatem com empresários e permissionários do setor a licitação. A primeira audiência pública sobre o assunto foi realizada há duas semanas. Outras ocorrerão, mas em datas ainda não confirmadas. Conforme divulgou a Comissão Especial de Licitação, pelo menos 96 linhas serão beneficiadas, todas já existem, mas estão abandonadas ou ociosas.
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A estimativa é de que 540 veículos sejam inseridos e cerca de mil viagens por dia sejam realizadas nessas linhas, em todo o Rio Grande do Norte. “As linhas foram abandonadas, principalmente, por concorrência desleal com transporte irregular”, explicou Cairo David Souza e Paiva, coordenador de compras governamentais da Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos (Searh) e presidente da comissão de licitação.
O presidente da Associação de Transportes Opcionais do RN (Astomp), Sadir Ritzel, representante de 56 permissionários que atuam na Região Metropolitana de Natal reclamou da existência de pessoas que fazem transporte clandestino e cobrou mais eficiência na fiscalização sobre esse tipo de crime. “A expectativa é de que ocorra a organização de transportes. Alguns têm 20 anos de operações e o governo não se organizou em relação à isso. Conseguimos melhorias em relação a clandestinos por causa da STTU, mas as linhas do interior são difíceis. Esperamos que se consiga chegar a um número da necessidade real de linhas sem operação, umas foram abandonadas. Queremos que se legalize o sistema. Não somos contra aumento de carros, queremos a regulamentação”, disse Sadir Ritzel.
Um estudo aprofundado sobre as linhas intermunicipais de ônibus que cortam o Rio Grande do Norte, irá embasar a realização de licitação para o setor de transporte de passageiros no Estado. A iniciativa, conduzida pelo DER/RN com apoio técnico da Secretaria Estadual da Administração e dos Recursos Humanos (Searh), irá priorizar a criação de novas rotas e a reativação de linhas ociosas. As linhas regulares e, atualmente, em operação não estão no foco desse processo licitatório.
Acidentes graves
A superlotação de veículos de passeio que faziam viagens clandestinas entre municípios já provocou graves acidentes no Rio Grande do Norte. Relembre os casos mais graves na última década
BR-406 / Ceará-Mirim – 21 de outubro de 2013
Um acidente envolvendo um Kadett vermelho e uma caminhonete Hilux SW4 de cor preta resultou em oito mortes. Pelo menos dez pessoas pessoas estavam envolvidas no acidente. Um bebê de seis meses foi arremessado do carro e morreu, enquanto uma criança de 4 anos foi a única sobrevivente. O Kadett era utilizado para transporte clandestino de passageiros e tinha nove pessoas a bordo no momento do acidente. Ele seguia no sentido Taipu, quando resolveu cruzar a pista para chegar ao acesso ao assentamento Espírito Santo. O motorista não observou a aproximação da Hilux, que sequer freou e atingiu a lateral do Kadett. No choque, o carro foi arremessado para o acostamento. Oito pessoas morreram no local. O motorista da Hilux só teve escoriações leves e recebeu atendimento médico também em Ceará-Mirim. A criança de 4 anos que estava na lotação teve fratura em uma das pernas e foi socorrida por um médico que passava pelo local.
BR-403 / Santa Maria – 15 de novembro de 2012
Um grave acidente envolvendo uma carreta frigorífica e um Corsa Classic deixou quatro pessoas mortas na BR 304, nas proximidades do município de Santa Maria, mais precisamente no Km 251. As vítimas, ainda segundo os policiais que atenderam a ocorrência, estavam no carro e eram todas naturais de Riachuelo, município vizinho a Santa Maria, que fica 60 quilômetros distante de Natal, e se dirigiam à capital. O motorista da carreta contou que trafegava no sentido NatalMossoró quando um veículo tipo Celta teria reduzido a velocidade bruscamente na sua frente, não dando tempo de frear. Com a colisão, o carro de passeio rodopiou na pista e parou numa ribanceira. As quatro pessoas que estavam no carro morreram na hora. à época a PRF disse que, apesar das declarações do motorista da carreta, existia a possibilidade de o Corsa ter realizando uma ultrapassagem indevida. O veículo fazia lotação clandestina de passageiros.
Eudo Laranjeiras, presidente da Fetronor: ‘Está acontecendo uma clandestinidade desenfreada’
Foto: Adriano Abreu |
Qual avaliação o senhor faz do serviço de transporte intermunicipal?
O transporte não está bom. Está muito ruim para todos. Estamos num processo de “perde todo mundo”. Perde o usuário, as empresas estão perdendo, o Estado está perdendo porque não está arrecadando. Tudo isso, fruto de um serviço que foi se avolumando, feito muito mais na base da demagogia política. Nós não temos uma estrutura de fiscalização eficiente, o Estado não tem uma fiscalização e fez com que o sistema de transporte fosse se acabando.
O que pode ter causado isso?
O problema do transporte não é culpa desse governo. Vem se acumulando há, pelo menos, 20 anos. O sistema caiu o serviço, sim. De lá para cá já fecharam cinco empresas de ônibus. Elas faliram, fecharam, deixaram de operar. Elas sumiram em função dessa clandestinidade desenfreada. O que está acontecendo é uma clandestinidade desenfreada. O que existe hoje são milhares de carros fazendo linha, vans fazendo linha. A clandestinidade é o principal ponto que faz com o transporte não melhore.
O DER deveria cuidar de transporte ou somente gerir rodovias estaduais?
O DER não é um órgão que foi preparado para cuidar de transporte. O DER é um órgão que foi criado para acompanhar obras, conservação de estradas e construção. O Estado precisar criar um órgão gestor de transportes, que treine pessoas e as coloque na fiscalização. Isso fará com que tenhamos de volta um sistema de transporte que já foi muito bom. Na hora que os clandestinos rodam, os motoristas são autônomos, não recolhem nada, as pessoas que estão dentro desses carros não tem garantia nenhuma, não tem a quem recorrer a não ser processar o Estado. O Estado está tão necessitado de dinheiro e abre mão dessa arrecadação.
Existe demanda para que mais empresas operem no Rio Grande do Norte?
Há lugares, cidades que estão abandonadas sem transporte público. Existe a demanda, existem passageiros. Sempre que o Estado fiscaliza, faz um trabalho, os passageiros voltam. O que está acontecendo hoje é uma concorrência desleal. As empresas que ainda resistem estão numa situação financeira grave? Estamos passando por um momento muito difícil. Excluindo a área da região metropolitana, que tem uma vida própria nas cidades dormitórios, o resto do estado vive em situação grave. As empresas em situação muito complicada financeiramente.
Tribuna do Norte