Perigo na calçada: em Joinville, buracos e pouca fiscalização oferecem riscos aos pedestres

Foto: Salmo Duarte / A Notícia
O primeiro desafio do dia de Nelso Faria, 39 anos, é deixar a casa em que vive, na zona Sul de Joinville, e enfrentar as ruas da cidade. Já nos primeiros metros do trajeto, passar pela calçada é tarefa impossível. Como nasceu com mielomeningocele, doença que afeta a coluna vertebral, Faria usa a cadeira de rodas para se locomover e, na rua da própria casa, encontra todo tipo de obstáculos: calçadas quebradas, sem calçamento, postes e árvores no meio do passeio, degraus e inclinações muito elevadas. 

Trafegar com a cadeira pela rua, ao lado dos carros, faz parte da rotina, o que não minimiza o perigo. Por duas vezes nos últimos três anos, Faria sofreu acidentes por estar na pista, fugindo de calçadas sem nenhuma acessibilidade. Na última vez, há cerca de oito meses, foi atingido pela porta de um caminhão baú que abriu em uma curva.
– O bombeiro que me atendeu disse que eu poderia começar a comemorar dois aniversários por ano, porque foi um milagre ter sobrevivido. Por pouco que a porta não atingiu minha cabeça – recorda. 
Município deve fiscalizar se construção das calçadas segue as normas
Nelso Faria convive com a dificuldade de mobilidade, mas os problemas nas calçadas não se restringem a experiências como a dele. Segundo pesquisa realizada em 2003 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), nove a cada 1 mil moradores de grandes cidades do país sofreram quedas enquanto pedestres entre 2002 e 2003. O estudo, chamado Impactos Sociais e Econômicos dos Acidentes de Trânsito nas Aglomerações Urbanas Brasileiras, apontava que o Sistema Único de Saúde havia gastado, em média, R$ 2.565 no resgate e tratamento de cada paciente que sofreu um acidente causado pela má conservação das calçadas e ruas. 
Na maior parte do território brasileiro, é obrigação do proprietário construir e conservar a calçada no perímetro que cabe ao seu imóvel. Já o papel do município é fiscalizar se as construções estão seguindo os critérios previstos em lei, além da responsabilidade sobre os locais públicos, como parques, praças, estações de ônibus e na frente de áreas de águas, como rios e lagos. 
Em janeiro de 2016, quando entrou em vigor a Lei Brasileira da Inclusão (LBI), ocorreu também a alteração do Estatuto das Cidades. O artigo 113 da LBI diz que o poder público municipal deve elaborar um plano sobre os passeios públicos a serem implantados ou reformados pelo poder público, de forma a garantir acessibilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida a todas as rotas e vias existentes, inclusive aquelas com maior circulação de pedestres, como os órgãos públicos e os locais de prestação de serviços públicos e privados – sempre que possível, de maneira integrada com os sistemas de transporte coletivo.
– A lei não determina quem paga a execução, mas dá a incumbência de plano de rotas acessíveis por meio das calçadas ou passeios – explica a presidente da Comissão em Defesa da Pessoa com Deficiência da OAB de Joinville, Adriana Alves dos Santos da Silva. 
A responsabilização do proprietário abre brechas para que as regras de acessibilidade não sejam cumpridas, tanto pela construção de passeios fora das normas quanto pela ausência total de calçadas. Das 254.243 unidades cadastradas na Prefeitura de Joinville em 2013, 78.316 não possuíam calçada. Entre as que possuíam, boa parte utilizava materiais que não são corretos para a construção, por apresentarem riscos de deslizamentos ou rupturas. 
Soluções esbarram na falta de orçamento 
Há cerca de 10 dias, o psicólogo Odair Pavesi, 52 anos, retornava do intervalo de almoço para o hospital onde trabalha, no bairro Anita Garibaldi, quando sentiu que o pé direito havia afundado dentro de um bueiro aberto. Ele caminhava pela pista, ao lado do meio-fio, porque havia sentido com a bengala­-guia que a calçada oferecia riscos. De fato, o concreto do passeio público estava quebrado e os buracos ofereciam tanto perigo de queda a Odair, que é cego, quanto a rua com o bueiro sem tampa. Pavesi é acostumado a percorrer a cidade e a conhecer, principalmente, os defeitos dos passeios públicos. E critica o fato de, mesmo em casos de pavimentação comunitária e de projetos de reformas de ruas, não haver investimento e nem fiscalização eficiente nas obras dos passeios públicos. 
– A Prefeitura tem interesse no que diz respeito às calçadas, mas até nas ruas que receberam novo asfalto não há inclusão delas (as calçadas) no orçamento – lamenta.
Em estudo produzido em 2009 e atualizado em 2014 pelo Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Comde), a conclusão é de que será necessário realizar duas mudanças para garantir a melhor qualidade dos passeios na área urbana: alterar o conceito da unidade básica de calçada, por lote, para a quadra, entendendo que ela só poderá ser considerada ideal se tiver continuidade; assim como a transferência da responsabilidade das calçadas, do planejamento à conservação, ao município. 
Segundo o gerente de mobilidade da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Sepud), Marcus Faust, recentemente alguns projetos de requalificação de vias foram pensados para reformar a totalidade da rua, de muro a muro. É o caso, por exemplo, da rua São Paulo, na zona Sul. No entanto, com a diminuição do repasse nos recursos federais, os programas estão oferecendo restrições aos orçamentos. 
– Estamos focando no plano de desenvolvimento de rotas acessíveis e, em vias em que a acessibilidade é comprometida, por exemplo, pela inclinação da rua, oferecemos o serviço do transporte eficiente – informa. 
Sobram obras irregulares e faltam vistorias
Segundo dados da Secretaria do Meio Ambiente de Joinville (Sema), dos projetos de construção e reforma apresentados no ano passado, 1.365 foram aprovados, 1.370 rejeitados e 547 proprietários foram notificados por terem calçada em situação irregular e um foi multado. 
Até novembro de 2017, onúmero de notificações por construção irregular chegava a 1.048, com 47 infrações registradas. O dado aumentou este ano porque, até 2016, a unidade de fiscalização da Secretaria do Meio Ambiente tinha apenas um agente para fazer a vistoria em toda a cidade. Em 2017, subiu para três fiscais.
– É muito pouco, e eles parecem estar com os olhos vendados, indo apenas nas propriedades em que foi emitido o pedido ao direito à construção. Com isso, a prefeitura continua se eximindo da responsabilidade – analisa o especialista em planejamento urbano, Mário Cézar da Silveira. Ele continua:
– Um leigo, quando faz a calçada de seu imóvel, faz para embelezar a casa, para passar o carro. Ele não compreende tecnicamente como deve ser a execução e não o faz pensando na acessibilidade – conclui. 
Marcus Faust afirma que até o fim do ano será publicado um material de orientações com detalhes e desenhos para facilitar a compreensão da população na execução das obras. Segundo o Plano Diretor de Joinville, até 2.020 as calçadas de centros de bairro e entornos de Estações da Cidadania devem ser acessíveis e seguras e, até 2.030, deverão seguir normatização estabelecida pelo Plano num raio de 500 metros dos pontos de ônibus.
Diário Catarinense

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