SETURN: “Se a tarifa continuar em R$ 3,35, as empresas terão prejuízo de R$ 3,5 milhões”

A almejada licitação do sistema de transporte público coletivo de Natal está travada. O atual processo licitatório, iniciado em 2013, já fez duas convocações – em janeiro e abril do ano passado – e o edital apresentado não atraiu nenhuma empresa interessada em assumir o sistema da capital potiguar. Uma nova proposta foi encaminhada pela Prefeitura de Natal, através da Secretaria de Mobilidade Urbana (STTU), à Câmara Municipal para apreciação dos vereadores, e por lá permanece sob análise da comissão de Transportes. Ainda não há datas para uma nova rodada do certame.
Ilustração

Empresários do setor, representados pelo Seturn (Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros do Município de Natal), reclamam que o modelo da licitação não garante equilíbrio econômico e financeiro aos operadores do serviço; e desde dezembro de 2017 reivindicam uma definição sobre o reajuste da tarifa – o Seturn quer que a passagem dos ônibus urbanos passe dos atuais R$ 3,35 para R$ 4.
As empresas alegam que o sistema está na iminência do colapso, devido o déficit gerado pelo aumentos dos custos operacionais, e que o último reajuste foi concedido há mais de um ano (em abril do ano passado). Também reforçam que a nova tarifa, que precisa ser autorizada pela STTU, irá nortear as negociações salariais com a categoria cuja data base está ancorada no dia 1º de maio. Os debates em torno da necessidade de se licitar o sistema de transporte público coletivo de Natal se arrastam desde 1999, quando o Ministério Público do RN moveu ação civil tratando do assunto. Atualmente o sistema de ônibus em Natal opera com 681 veículos, sendo que 607 compõem a frota que circula regularmente entanto o restante são carros reserva e frota de emergência.
Até 2010, o sistema funcionava na modalidade “concessão contratada sem licitação”, e desde então o serviço está sem dispositivos legais de regulação. Para comentar esses e outros assuntos, o consultor técnico e porta-voz do Seturn, Nilson Queiroga, concedeu a seguinte entrevista para a TRIBUNA DO NORTE:
A tarifa de ônibus em Natal  era para ter sido reajustada desde quando?
Veja bem, de acordo com a Lei da Mobilidade (nº 12.587/2012) que define as diretrizes para a regulação dos serviços de transporte público coletivo, compete ao poder público a fixação, o índice de reajuste, e a revisão da tarifa – que deve aferir equilíbrio econômico financeiro e econômico da concessão (e/ou permissão) de operação do sistema. Os reajustes devem observar a periodicidade mínima estabelecida no contrato administrativo e no edital da licitação, que ainda ainda não temos, e podem ser concedidos em caráter excepcional desde observados o interesse público. Reajuste que pode ser embasado mediante provocação das empresas, que deve demonstrar sua cabal necessidade ao apresentar todos os elementos indispensáveis e suficientes para subsidiar a decisão.
E objetivamente…
Objetivamente, enviamos um ofício à STTU em dezembro do ano passado mostrando que a política (de reajuste de preços) adotada pela Petrobras desequilibrou ainda mais o sistema. Portanto, nossa solicitação se enquadra no último item da lei: o caráter excepcional, a observação do interesse público (que é o próprio funcionamento do sistema), e a garantia do equilíbrio financeiro. O último reajuste foi concedido em abril do ano passado, então a periodicidade mínima que normalmente é de um ano não pode mais ser justificativa para a STTU não autorizar o reajuste. Esperamos que essa questão seja definida o mais breve possível.
O Seturn informa que em outras capitais do Brasil há subsídios por parte do poder público e/ou incentivos fiscais. Em Natal há algum tipo de incentivo?
Não, nenhum. Nada. Nove capitais reduziram para 0% a taxa do ISS, enquanto aqui em Natal permanece em 5%. Seis capitais reduziram para 2% e outras quatro para 3%, com isso é possível reduzuir a tarifa e manter o equilíbrio do sistema. Apenas Natal, João Pessoa, Maceió, Belém, Rio Branco, e Porto Velho não concedem desconto no ISS. No caso dos Estados, seis zeraram o ICMS sobre o óleo diesel, um reduziu a taxa para 7% e outro para 8,5%, aqui no RN são cobrados 18%. Se houvesse uma decisão para conceder incentivos, essa tarifa pleiteada de R$ 4 cairia para R$ 3,60.
O senhor reclamou do controle do Estado sobre os preços praticados pela Petrobras, exalta a liberdade de mercado, e critica a política liberal adotada pela mesma Petrobras no último ano quanto à variação do litro do combustível ser norteada ao sabor do mercado. Não há uma certa incoerência nesse discurso?
Não sou especialista na área econômica, mas vemos um rombo enorme na Petrobras e não sabemos se o Governo Federal atual está fazendo isso para recompor os prejuízos. Tenho para mim que essa flutuação do câmbio não é só o liberou geral do mercado, tem alguma coisa interna que envolve decisões políticas. O preço nunca cai. Defendo que o sistema de transporte coletivo seja tratado de maneira diferente, com incentivos, pois temos um consumo fixo mensal e prestamos um serviço essencial que pode desafogar as cidades.
Essa tarifa de R$ 4 cobre ou pelo pelo menos equilibra a relação dos custos?
Não, esses R$ 4 corrige a tarifa de R$ 3,35 quanto ao preço do combustível, de outros insumos (pneus e lubrificantes), e do número de passageiros que pagam a passagem. Se a tarifa continuar em R$ 3,35 em maio, essa defasagem de R$ 0,65 vai provocar um prejuízo de R$ 3,5 milhões às empresas que operam o sistema.
Como esse prejuízo é calculado?
Desses R$ 3,5 milhões, R$ 1,33 milhão é referente ao custo com o óleo diesel: em um ano, o litro do combustível teve um aumento de R$ 0,59, que representa um acumulado de 21%. Em Natal o sistema consome, por dia, 80 mil litros de combustível, o que equivale a um prejuízo diário de R$ 47,2 mil. O segundo item dessa conta é o número de passageiros: a média que a Prefeitura/STTU utiliza para conceder o reajuste é sempre defasada e não considera a tendência de queda no número de passageiros transportados. Dessa maneira, temos mais um prejuízo anual acumulado de R$ 16 milhões, ou R$ 1,34 milhão por mês. Para fechar a conta temos o custo com pessoal e de manutenção da frota, que está envelhecida (a mais velha entre as capitais, com idade média dos veículos de 8 anos) – prova que o sistema daqui está indo à falência. A tarifa de R$ 4 contempla o índice de inflação do período, mas não devolve a capacidade de investimento das empresas.
Qual seria uma alternativa viável para o usuário, para o Seturn e para a STTU: há um ponto de equilíbrio para garantir a qualidade do serviço prestado, o equilíbrio financeiro das empresas, e um valor justo da tarifa? Os empresários têm alguma proposta nesse sentido?
A Prefeitura/STTU têm duas tarifas: a pública e a técnica, mas a técnica não é concedida porque é muito alta e gera desgaste político. Mas é essa diferença interfere na qualidade do serviços. O sistema que funciona em Natal há muito tempo não corresponde às necessidades do usuário. A rede que cobre a cidade é a mesma desde os anos 1980, os itinerários que não atende a demanda e só aumentam o tempo de viagem, o tempo de espera e o custo operacional. Esse é um dos erros da proposta de licitação: elaborar um edital a partir de um modelo operacional obsoleto. Foi o primeiro fracasso da licitação. Outro aspecto que repercute no preço da passagem e na qualidade do serviço prestado é o grande índice de gratuidade – de cada três passageiros transportados, um não paga.
Então tirando a questão operacional das linhas, qual seria o valor da tarifa capaz de equilibrar o sistema?
Olha, a secretária Elequicina dos Santos (da STTU) disse que a tarifa do edital de licitação era para ser mais de R$ 5.
Se os itinerários estão ultrapassados e a rede obsoleta desde o final dos anos 1980, o Seturn já não deveria ter feito algo a respeito?
O Seturn não tem esse poder que você está imaginando, qualquer coisa que pensamos temos que solicitar – e muitas vezes colocam uma pedra em cima. Trava e vai parar na gaveta. Só operamos o que é determinado, e se não for obedecido é multa em cima de multa. Há uma imposição. Esse poder de planejar não é nosso, e há muita ingerência política para atender interesses. Se o Seturn tivesse esse poder a frota já teria diminuído e as linhas sido alteradas.
E a licitação do transporte público, por que ele não avança?
A pergunta certa seria: por que ela fracassou? Fracassou porque o modelo apresentado está equivocado. A consultoria contratada pela Prefeitura/STTU elaborou o edital com base na rede atual. Primeiro erro. O segundo erro é a manutenção do modelo equivocado do Brasil, onde toda a conta da operação do sistema vai parar no bolso do usuário. A licitação não possibilita cobrir todos os custos operacionais e a conta não fecha. Lançaram o edital de qualquer forma, e na hora que fomos nos debruçar nos números verificamos um rombo de R$ 33 milhões só no primeiro ano.
Qual seria a solução?
Ou o edital corrige erros notórios, ou a conta não vai bater e ninguém vai se interessar. O Seturn não participou em nenhum momento do processo, não foi ouvido mesmo com toda a ‘expertise’ acumulada.
E aquela questão de que um dos problemas da licitação se baseia na exigência de ônibus com piso rebaixado e na quantidade de veículos com arcondicionado?
Balela, isso é só para distorcer o foco. Uma questão irrelevante. O que queremos saber é se haverá garantia de equilíbrio financeiro, se há viabilidade. O resto é balela. O que não é interesse em fazer a licitação, por que quando for feita o poder público terá que botar o braço na seringa.
Tribuna do Norte

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.