Rio: Levantamento mostra que 61% das linhas rodam com menos ônibus que o exigido em contrato

Foto: Pablo Jacob
Há um motivo para a longa espera por ônibus em vários pontos do Rio: das 375 linhas regulares da cidade, 229 (61%) estão circulando com menos veículos do que deveriam. Por contrato, os consórcios têm a obrigação de manter, no mínimo, 80% de sua frota nas ruas, informa a Secretaria municipal de Transportes — a exceção fica por conta das linhas com até quatro veículos, que devem colocar todos os seus coletivos em operação. Mas um levantamento feito pelo GLOBO, que cruzou dados de uma planilha da prefeitura disponível na internet com o sistema de GPS dos ônibus, mostra que a razão da demora para a chegada de uma condução vai muito além de problemas no trânsito.

Das linhas que não cumprem a exigência contratual, 93 (24,8% do total) operam com menos da metade dos veículos que deveriam manter nas ruas. E, entre elas, há 60 que circulam com, no máximo, três ônibus. O GLOBO acompanhou o sistema da zero hora às 19h20m da última quarta-feira. O estudo desconsiderou apenas quatro linhas que possuem GPS, porque elas não aparecem na lista da prefeitura que define o tamanho da frota, e os chamados serviços variantes, que fazem alterações de percurso em determinados horários, com autorização da Secretaria municipal de Transportes.
FALTA EM UMA, SOBRE EM OUTRA
Entre os casos que mais chamam a atenção está o da Troncal 10 (Jardim de Alah-Cruz Vermelha), cuja frota estabelecida pela prefeitura é de 38 veículos: durante o período analisado na quarta-feira, apenas um ônibus circulou. Usuária dessa linha, a estudante Amanda Santos, moradora no Leblon, conta que vem chegando atrasada ao local onde faz estágio, na Lapa, porque demora para conseguir condução.
— Quando comecei a pegar a Troncal 10, esperava, em média, 20 minutos num ponto. Agora, há dias que espero uma hora pelo ônibus. Estou desistindo dessa linha, é melhor fazer baldeação — reclama Amanda.
Num outro extremo, a Troncal 1, que faz o trajeto General Osório-Central do Brasil, também coberto pelo metrô, circulou com 58 veículos, 11 acima do estipulado, o que comprova a desordem do modal. O número de ônibus de cada linha é estipulado a partir de um estudo técnico, que considera a demanda de passageiros. Assim como rodar com menos coletivos, extrapolar a quantidade estabelecida pela prefeitura configura uma irregularidade, cuja multa prevista é de cerca de R$ 1.700.
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTUDA AÇÕES
Enquanto o excesso de ônibus da Troncal 1 prejudicava o trânsito na Zona Sul, faltavam, na quarta-feira, veículos em outras duas linhas monitoradas pela equipe de reportagem: a 218 (Vila Isabel-Candelária) e a 226 (Grajaú-Carioca). A primeira deveria ter 12 e a segunda, dez, mas ambas operavam com apenas um.
— O 218 demora muito. A maioria dos passageiros está preferindo ir até a Rua Teodoro da Silva e pegar o 232 (Lins-Castelo), que também vai para o Centro, passando pela Avenida Presidente Vargas — afirma o vigilante Luiz Cláudio da Costa, morador de Vila Isabel.
Mais de 120 ações civis públicas cobram uma solução para o problema da falta de ônibus, informa a promotora Christiane Cavassa, da área de tutela coletiva de defesa do consumidor do Ministério Público:
— Estamos reunindo essas ações. Queremos ter uma noção do grau de descumprimento dos consórcios de ônibus. Com esse dado, vamos decidir a melhor estratégia para tentar mudar esse quadro na Justiça.
No entanto, para o professor de engenharia de Transportes da Uerj Alexandre Rojas, a solução não deve sair de um tribunal.
— Temos um conflito entre empresas e prefeitura que parece estar longe do fim, e a Justiça não resolverá isso rapidamente. O ideal seria negociar um acordo — sugere o especialista, levantando a possibilidade de uma readequação da frota exigida e da quantidade de veículos que realmente vai às ruas.
A prefeitura do Rio garante que fiscaliza as empresas. Em nota, a Secretaria municipal de Transportes destaca que, desde janeiro, aplicou 1.576 multas aos quatro consórcios de ônibus da cidade por descumprimento de regras vinculadas ao tamanho da frota. O órgão, porém, não informa quantas foram efetivamente pagas.
Ainda de acordo com a Secretaria municipal de Transportes, “o setor de fiscalização está sendo reestruturado e reforçado, com o objetivo de atuar sobre todos os modais”. Atualmente, o serviço conta com 78 servidores, incluindo guardas municipais. Na mesma nota, o órgão frisa que a hipótese de cancelamento do contrato de concessão “pode ser avaliada tecnicamente”.
LINHAS DESAPARECERAM
Um outro problema vem aborrecendo passageiros: o desaparecimento de linhas. A prefeitura e o Rio Ônibus, sindicato das empresas do setor, não informam quantas deixaram de circular este ano, mas exemplos não faltam. Moradores da Urca sofrem com a extinção da 581 (Leblon-Cosme Velho) e 582 (Leblon-Urca) desde dezembro do ano passado.
Valéria Grynberg, diretora da Associação de Moradores da Urca (Amour), diz que as linhas desapareceram com a falência da Transportes São Silvestre. Os itinerários que eram operados pela empresa não foram assumidos pelo consórcio Intersul.
— Chegamos a levar um representante da Secretaria de Transportes a uma reunião da associação de moradores, quando Fernando Mac Dowell era o titular da pasta (hoje, é Diógenes Dantas Filho). Na época, ele falou até em fazer uma nova licitação para as linhas de ônibus, mas nada aconteceu. A Urca tem uma grande quantidade de estudantes, pois é o endereço da UniRio, da UFRJ, do IME de escolas municipais… Há um desmando total, e as pessoas passaram a usar vans. Os bairros com pontos finais de linhas são os que mais sofrem porque não têm alternativas. A população está carente de serviços e informações — critica Valéria.
Em um comunicado, o Rio Ônibus afirma apenas que as empresas filiadas ao sindicato estão com operações impactadas pela “pior crise econômica já enfrentada pelo setor”. A entidade diz ainda que trabalha com a Secretaria municipal de Transportes para que a situação seja “regularizada o mais brevemente possível”.
O Globo

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