O ônibus escolar estaciona em uma praça próxima a Escola Estadual Stela Wanderley, no conjunto Pirangi, quando o sinal bate e anuncia a saída. Poucos segundos se passam até os alunos cruzarem os dois portões do colégio, numa corrida apressada para disputar os melhores assentos do veículo. São poucos: somente oito contam com encosto, mas estão longe do que pode ser considerado perfeito estado. Quem não tem sorte ou habilidade para pegá-los, resta ficar em pé ou sentar nos outros bancos e tomar cuidado para não ser perfurado pelos parafusos, até o percurso à Vila de Ponta Negra.
Foto: Adriano Abreu/Tribuna do Norte |
“Tem que colocar a mochila nas costas para não ser furado, ou fica em pé. Mas se ficar em pé perto da porta tem perigo de ser esmagado”, relata Sandro*, estudante de 14 anos que, pouco antes de começar a conversar com o repórter, se distraia na parte de trás do veículo durante o percurso de 45 minutos fazendo musicas com a situação. “Nessa pouca vergonha de ‘busão’ eu vou pra casa, sem janela e só a lotação”, dizia em um dos versos.
Não é exagero do estudante. O ônibus, que funciona desde 2012 na rede estadual e tem capacidade de atender 45 alunos sentados, teve as cadeiras da parte de trás arrancadas ao longo do tempo, e as que restam estão depredadas. As janelas dos dois lados caíram há cerca de um ano. Primeiro, em movimento; depois, com o ônibus parado na frente da escola. A diretoria da escola atribui aos próprios usuários a destruição do patrimônio. Os alunos fogem do assunto, mas parte afirma que são responsabilidades dos colegas.
Nesta semana, o 78º promotor de justiça Raimundo Caio dos Santos soube desse cenário pela imprensa e instaurou uma Notícia de Fato. A Secretaria Estadual de Educação tem dez dias úteis para responder. A ação pode se tornar inquérito e, caso seja comprovado que a depredação partiu dos alunos, a direção da escola pode ser punida. “Eles são os responsáveis pelo controle dos estudantes”, disse a assessoria de comunicação do Ministério Público Estadual. Atualmente, ninguém da equipe pedagógica participa das viagens escolares.
Sem as cadeiras e com parte dos alunos querendo fugir do ‘fundão’, grande parte fica em pé. Na metade do percurso, o ônibus enche mais quando entram os alunos da Escola Estadual José Fernandes Machado, o ‘Machadão’. Em dois dias da semana, ainda são incluídos alunos que fazem esportes e dependem do transporte escolar para voltar para casa. O motorista estima média de 85 adolescentes por viagem.
“Há dois meses, ia todo mundo com a porta quebrada. O motorista colocou um cabo de vassoura para segurar e a gente ia assim mesmo”, conta Ana Carolina, outra estudante da E. E. Stela Machado. Espremidos na porta, o risco de cair era alto, mas houveram dias que a situação chegou a ser pior. No período chuvoso, a parte de trás, sem janelas, “vira uma lagoa”. “Aí todo mundo tem que se espremer aqui na frente, mesmo”, continua Ana. O problema só foi resolvido quando o próprio motorista instalou um motor na porta, pertencente a um colega de profissão.
Ana relata as histórias do ônibus ao lado da amiga Daniela. Mais calada em relação a primeira, Daniela interrompe a conversa de repente para relembrar a sua pior viagem no veículo, em julho de 2017, ano que ingressou na Stela Wanderley. Na viagem de volta para casa, a menina de 14 anos estava na parte de trás do ônibus, encostada na janela direita junto com outros alunos. Em uma das curva estreitas da Vila de Ponta Negra, perdeu o apoio de repente e sentiu o vácuo que a separava da rua. “O vidro da janela caiu de repente. Eu estava encostada e na curva ela caiu. A sorte é que uma amiga segurou a minha bolsa, senão eu ia ser jogada para fora”, relembra.
Depois do episódio, o ônibus continuou funcionando. Segundo o relatado pelos alunos, as únicas pausas são quando surgem problemas na parte mecânica. Quando isso acontece, é preciso se virar. “Quem tem dinheiro para ir de ônibus, vai de ônibus. Quem não tem, falta aula, vai a pé ou pede carona para os motoristas”, conta Daniela.
No fim da viagem entre a Stela Wanderley e a igreja da Vila de Ponta Negra – o ponto final – os alunos descem e se despedem do motorista. É o fim do dia para eles, mas não para o condutor do veículo. A noite, o turno da Educação de Jovens e Adultos tem início. São mais 140 alunos para transportar nessa situação. “Aí eu preciso fazer duas viagens porque o pessoal é maior e não cabe todo mundo”, afirma o motorista.
*Os nomes dos alunos entrevistados pela reportagem são fictícios.
Transporte Escolar Público
Dados do Rio Grande do Norte
Rio Grande do Norte
58 mil alunos são atendidos pelo Caminho da Escola, divididos nos municípios e rede estadual
Detalhes das vistorias em 2017
143 municípios entregaram veículos escolares para inspeção
45 apresentaram todos os motoristas aptos para dirigir ônibus escolar
13 não tinham nenhuma irregularidade
4 ainda utilizavam pau-de-arara para transporte de estudantes em 2017
23 não apresentaram os veículos e estão sem informação
1 tem o trabalho feito por uma promotoria própria
Números
2017
2.504 vistorias
639 estavam aptos
1.865 foram reprovados
2016
2350 vistorias
800 aptos
1.550 reprovados
2015
2.600 vistorias
920 aptos
1.680 reprovados
Ministério Público Estadual
136 inquéritos civis estão instaurados a partir das vistorias feitas
61 recomendações ou TACs foram enviadas aos municípios
36 ações civis tramitam atualmente por descumprimento dos municípios
Municípios que ainda utilizam pau-de-arara e atuação do MPE
São Miguel: ação civil pública
Antônio Martins: TAC
Luís Gomes: Recomendação
João Dias: Inquérito Civil
Tribuna do Norte