Fabiano Rocha / Agência O Globo |
Morador do Rio há um ano e meio, o estudante de Artes Visuais da UFRJ Gabriel Vieira, de 19 anos, ainda sofre diariamente para andar de ônibus pela cidade. Sem saber qual linha usar, e os respectivos itinerários, o jeito é usar o celular ou recorrer a outro usuário em busca de informação. O problema enfrentado por ele, porém, não é isolado. A falta de informações sobre itinerários e paradas dos coletivos municipais são as principais reclamações de quem utiliza o sistema, revela uma auditoria realizada pela Controladoria Geral do Município (CGM). Desenvolvida em parceria com a ONG Observatório Social do Brasil-Rio, o estudo, com margem de erro de 7%, contou com 36 voluntários que realizaram, entre os dias 3 de novembro e 28 de dezembro do ano passado, 878 viagens. Deste total, em apenas 19,7% havia informação sobre quais linhas passam no ponto. A secretaria municipal de Transportes tem até o dia 29 para responder ao estudo.
— Como sou novo na cidade, não conheço todas as linhas. Quando preciso ir para algum outro lugar, preciso recorrer à internet e se estiver na rua é pior ainda conseguir informação. Os ônibus aqui são muito ruins. É uma capital né?! Era para ter o sistema funcionando direito, e a gente percebe que não é assim — lamenta o universitário, que veio de Sumaré, município de São Paulo.
Segundo o levantamento, em 84,36% dos deslocamentos feitos pelos voluntátrios não havia informação sobre o itinerário. Ambas as constatações descumprem o edital de licitação do sistema que determina (Anexo III, item 4.3) que os concessionários deveriam implantar, em todos os pontos de parada, informações sobre as linhas e seus horários de funcionamento.
A longa demora por um ônibus, obstáculo diário para milhares de cariocas, também aparece na pesquisa. Das viagens realizadas, a espera ultrapassou 15 minutos em 23,01%, o que também contraria o edital de licitação. O problema é maior no consórcio Santa Cruz (37%), seguido do Intersul (25%), Internorte (17,95%) e transcarioca (13,79%).
— Tem vezes que apenas quatro carros estão rodando. Todo dia espero 20 ou até 30 minutos para conseguir embarcar em um ônibus, e quando vem o banco está solto, o encosto quebrado — critica a auxiliar administrativa Rafaela Lopes, de 29 anos, que utiliza diariamente a linha 399 (Pavuna-Passeio).
O desrespeito de muitos motoristas também foi observado pela pesquisa. No levantamento, 18,89% viagens não foram realizadas pelo primeiro ônibus que foi dado o sinal porque o coletivo não parou para o passageiro. No Consórcio Intersul, esse percentual é de 29%, enquanto nos Consórcios Internorte e Santa Cruz foram de 19% e 26%, respectivamente. Já no Consórcio Transcarioca o percentual de não atendimento foi baixo, ficando em 4%. Não são raros, também, os casos de motoristas que não param corretamente no ponto de embarque ou desembarque estabelecido pela prefeitura: 28,2%.
— A gente pode afirmar que há uma carência de treinamento para a prestação de serviço. Não culpo o motorista, mas é um problema crônico — afirma Tatiana Bastos, presidente do Observatório Social do Brasil-Rio, uma ONG que monitora atividades de órgãos públicos e que participou da pesquisa.
Para Ubirajara Oliveira, a sensação de insegurança gerada pelos motoristas é um dos principais problemas do sistema rodoviário carioca. O morador de Bangu costuma usar as linhas 393 (Bangu-Candelária) e 397 (Campo Grande-Candelária).
— Os ônibus são sujos, com mosquitos dentro. E os que têm ar-condicionado, por falta de limpeza, o ar começa a vazar e a pingar em cima dos passageiros. Além da falta de segurança, porque os motoristas ficam no celular, usam fone no ouvido. Quando o passageiro está descendo, muitos arrancam com o ônibus, além das vezes que a gente tem que gritar para descer no ponto, porque ele passou direto. É um absurdo. Está horrível, tudo horrível — desabafa Ubirajara, que trabalha com segurança privada.
SECRETARIA DE TRANSPORTES: PRAZO PARA REPSOSTA ATÉ O DIA 29
A observação de Ubirajara Oliveira foi comprovada na auditoria da CGM, entregue à Secretaria municipal de Transportes em abril. Nas viagens realizadas ao longo do estudo, 36,9% dos coletivos estavam sujos. Já a conservação das carrocerias (estado de conservação interno e externo dos ônibus) foi avaliada como “bom” em 55,1% dos casos — somadas, as avaliações “regular e péssimo” totalizam 44,8% das viagens.
E a climatização, principal polêmica do modal nos últimos anos, também foi avaliada. Em 53,19% dos casos o ônibus tinha ar condicionado, o que também não garantiu o funcionamento: em 11,38% dos coletivos climatizados o sistema de refrigeração não funcionou. Itens de segurança também não são universais no sistema. Das viagens realizadas, 17,8% foram feitas em ônibus que não tinham câmera. A maior ocorrência dessa falta foi no consórcio Transcarioca (31%), seguido pelo Intersul (25%), Santa Cruz (12%) e Internorte (4%).
“A inexistência ou ineficiência de câmeras no interior dos veículos favorece as práticas ilícitas como, furtos, roubos, depredação, vandalismos, invasão, dentre outras, em virtude do autor do delito saber que dificilmente será identificado”, observa o relatório da CGM, que acrescenta: “Não bastasse essa motivação, consta do Edital de Licitação que todos os veículos deverão ser dotados de no mínimo uma câmera de filmagem. Dessa forma os resultados obtidos apontam para o descumprimento do estabelecido nesse documento”.
O uso do cinto de segurança não é comum entre motoristas de ônibus. Em 85% das viagens (722 ocorrências), os condutores não utilizaram o dispositivo. As maiores ocorrências foram nos Consórcios Santa Cruz (98%) e Intersul (91%), seguidos por Internorte (80,37%) e Transcarioca (74,24%). Neste caso, porém, não há uma irregularidade, como indica a própria Controladoria:
“De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo nº 105, inciso I, são excepcionados do uso de cinto de segurança os condutores de veículos destinados ao transporte de passageiros em percursos em que seja permitido viajar em pé. Entretanto, cabe uma reflexão, uma vez que há consenso em relação ao fato do cinto de segurança mitigar danos causados em acidentes, em alguns casos evitando que sejam fatais”, diz o estudo.
Após a auditoria, o parecer da Controladoria Geral do Município é de que os serviços prestados pelas concessionárias de transporte público de ônibus não estão plenamente em conformidade com o estabelecido nos contratos.
— (A auditoria) é pioneira. Ninguém soube, nem mesmo a Secretaria de Transportes, naquele período que estávamos fazendo o estudo. Analisamos os contratos de concessão e fizemos o questionário fundamentado no que o contrato de concessão exige. Nosso trabalho é avaliar os serviços prestados, identificar as situações que situações que não estão em conformidade com o contrato, e sugerir melhorias. Nosso trabalho é consultivo, orientamos. A gente vai receber as respostas e vamos acompanhar a adoção das medidas que o secretário disser que vá adotar. O gestor é ele, a responsabilidade é dele — explica a Controladora Geral do Município, Marcia Andrea.
Em nota, a Secretaria municipal de Transportes informou apenas que tem até o dia 29 para responder o ofício com posicionamento sobre a pesquisa. A pasta não comentou os principais problemas identificados pela auditoria.
Já a Rio Ônibus afirmou que passa por uma profunda reformulação com objetivo de modernizar a gestão e de melhorar o serviço do transporte de ônibus na cidade:
“Mais do que nunca, o sindicato está trabalhando duro em parceria com a Prefeitura do Rio, para levar à população o melhor transporte possível, mesmo neste momento de crise profunda que afeta o país”, diz trecho do comunicado, que acrescenta que a entidade assinou um acordo com o poder concedente em que, em contrapartida ao reajuste tarifário aplicado após dois anos de congelamento, se compromete não só a resolver os questionamentos feitos pelos passageiros hoje como entregar ainda mais melhorias à população carioca.
“Entre as ações, está a aplicação de um cronograma factível de climatização de 100% da frota de ônibus do Rio. Também serão entregues outros planos como aperfeiçoamento dos relatórios de dados e balanços financeiros para uma gestão mais transparente e eficiente”, conclui o sindicato das empresas de ônibus.
O Globo