Há 18 anos trabalhando com instalação e manutenção de equipamentos de fiscalização, o técnico em eletrônica Hudson Leandro de Morais, de 38 anos, já ouviu todo tipo de insultos nas ruas, mas garante que o reconhecimento também é grande, e dá a fórmula para não ser flagrado pelos aparelhos que instala.
FOTO: JULIO NERY |
Para não levar multa, basta respeitar as leis de trânsito, certo? Essa lógica não é tão simples para um bom número de pessoas. Segundo pesquisa Datafolha feita na cidade de São Paulo em 2016, 47% dos entrevistados responsabilizam os próprios motoristas pelas autuações, mas para 23% a culpa é dos equipamentos de fiscalização — os populares radares. E quem pode acabar sentindo na pele essa rejeição são os profissionais que cuidam da instalação e da manutenção dos aparelhos. Que o diga o paulistano Hudson.
Formado técnico em Eletrônica, ele atualmente atua como coordenador de operações e manutenção da Perkons, uma das principais empresas brasileiras de produtos e serviços de fiscalização de trânsito, presente em 14 estados. “Comecei na companhia em 2010, mas estou na área há 18 anos. Já viajei muito pelo país e, por causa do trabalho, morei em diferentes estados, como Santa Catarina e Alagoas. Hoje, estou fixo em São Paulo e atuo tanto na gestão de relatórios como em campo”, conta.
Como era de esperar, é justamente quando vai a campo que Hudson fica sujeito a situações constrangedoras. Ele costuma trabalhar na zona norte, principalmente na Marginal Tietê, uma das vias mais movimentadas e com mais acidentes da capital paulista. “Acontece bastante de as pessoas passarem e xingarem. Tem coisa pesada, xingamentos que não vou repetir para você”, comenta o profissional. Mas também tem aqueles que atacam na base da “brincadeira”. “‘Coloca fogo’, ‘desliga isso’ e ‘está mexendo no radar para pegar mais dinheiro’ são os comentários que mais costumo ouvir em termos de reclamação”, relata.
E não pense que essa “zoeira” se limita a desconhecidos que o veem em ação. “Quando alguém que conheço fica sabendo no que eu trabalho, sempre tem curiosidade. A dúvida mais comum é sobre como os equipamentos funcionam. E tem aquelas perguntas que podem parecer inocentes, mas que a gente sabe que, no fundo, são para tentar descobrir como burlar a fiscalização. Querem saber o local que o radar captura a infração, a partir de quantos metros ele mede a velocidade. Por isso, não podemos falar nada sobre a parte técnica. Fora isso, sempre rola uma piadinha sobre a famosa ‘indústria da multa’”, conta.
Hudson, entretanto, garante que não se incomoda e que não leva as provocações para o lado pessoal. Ele diz que qualquer pessoa em seu lugar ouve as mesmas coisas, e prefere enaltecer o lado positivo da sua função. “Quando comecei, não foi uma coisa planejada. Surgiu uma oportunidade de emprego na área e acabei gostando. Tenho orgulho do que faço. Eu trabalho para salvar vidas”, afirma o coordenador, com a concordância de muita gente.
Se as ofensas são comuns, os elogios e agradecimentos também fazem parte da rotina, garante o profissional. “É normal quem mora perto de onde estamos realizando um trabalho vir conversar com a gente para agradecer”, fala. “Quando fazemos a manutenção de uma lombada eletrônica em um local que tinha ‘rachas’, por exemplo, os moradores vêm falar com a gente para elogiar a segurança, contar que o número de acidentes diminuiu, que não tem mais aquele barulhão à noite e que podem dormir mais sossegados”, conta.
Desse reconhecimento pelo seu trabalho surgiram amizades e casos inusitados. “Você acaba criando amizades, e ocorrem casos curiosos, como o de um senhor em Santa Catarina que sempre vinha falar comigo quando eu fazia a manutenção perto da sua casa. Depois de um tempo, ele pediu meu telefone e, como eu já o conhecia, passei o número. A partir de então, esse senhor sempre ligava e enviava mensagens relatando o que acontecia com o equipamento, como se ele fosse um fiscal. Outro caso foi o de uma senhora de Maceió [AL] que cuidava do equipamento como se fosse dela e, a qualquer sinal de problema ou vandalismo, me avisava”, lembra.
Convicto da importância e da seriedade do seu trabalho, Hudson faz um alerta para quem insiste em falar na tal indústria da multa: “A gente não fabrica multa, só registra o que os motoristas fazem, e a grande maioria dos veículos que passam pelos equipamentos de fiscalização não é autuada”, garante o profissional, respaldado por dados levantados por diferentes entidades. Enquanto a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) informa que, dos 40 milhões de condutores no Brasil, cerca de 80 mil são multados, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) revela que apenas 2% dos motoristas que passam pelos radares cometem infração. “Como fazer para não tomar multa? É só andar na velocidade permitida e respeitar as outras leis de trânsito”, resume Hudson.
DIFERENTES TIPOS DE RADAR
As funções dos aparelhos de fiscalização vão além de medir a velocidade. Por isso mesmo, não se deve chamá-los indiscriminadamente de radares, como são popularmente conhecidos. O termo correto, e que abrange todas as suas aplicações e modelos, é “aparelho de fiscalização eletrônica”, conforme explica o gerente de desenvolvimento da Perkons, Adriel Silva: “Os equipamentos, hoje, fiscalizam avanço em semáforo, parada sobre faixa de pedestres e cumprimento de rodízio, além da velocidade, e são diferenciados de acordo com a tecnologia usada, formatos e mobilidade”, esclarece.
Quanto à tecnologia, a fiscalização é feita através de laços indutivos instalados no pavimento (método exclusivo para equipamentos fixos, como a lombada eletrônica) ou por sensores não intrusivos. “Os sensores não intrusivos podem fazer a fiscalização por meio de emissão de laser, como nos aparelhos usados nas Marginais para aferir velocidade, verificar o uso de faixas exclusivas e fiscalizar o cumprimento do rodízio, ou pela emissão de ondas eletromagnéticas (efeito Doppler). Nesse segundo método, o sinal de micro-ondas é emitido por uma antena acoplada ao equipamento e refletido pelos veículos que trafegam na via. Por serem tecnologias não intrusivas e, consequentemente, sem a necessidade de obras, podem ser usadas em aparelhos estáticos e portáteis”, explica Adriel.
Além das lombadas eletrônicas, são classificados como equipamentos fixos os chamados “pardais”, acoplados a postes e com sensores não intrusivos, e as câmeras instaladas nos semáforos que também fiscalizam avanços no sinal vermelho e paradas sobre a faixa de pedestres. Há também o radar estático, que é montado sobre um tripé ou em veículos estacionados, pontes e passarelas.
A operação é automática, pois os dados estatísticos e da imagem são registrados sem a interferência de um operador. Outro modelo usado no Brasil é o portátil, aquele aparelho parecido com uma pistola que é manuseado por uma pessoa. Há ainda os radares móveis, que ficam dentro do veículo do órgão fiscalizador em movimento e têm uso bastante restrito no país.
Revista Auto Esporte