Foi no dia 31 de maio, quinta-feira do feriado de Corpus Christi, que a Polícia Rodoviária Federal anunciou que não havia mais nenhum bloqueio nas estradas do país. A data serviu como uma espécie de marco não-oficial do término da greve dos caminhoneiros. Por dez dias, eles bloquearam vias em todos os estados e paralisaram a economia nacional, em protestos contra o preço do diesel.
O governo anunciou mudanças tentando pôr fim às paralisações e, em um prazo de três dias, editou quatro medidas provisórias (MP), prometendo:
- redução temporária de R$ 0,46 no litro do diesel;
- tabela de preços para o frete;
- cota para caminhoneiros autônomos em cargas da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento);
- e isenção do pedágio nas rodovias para eixo suspenso.
Passados dois meses desde então, em que pé estão essas promessas? Ao UOL, representantes dos caminhoneiros dizem ter sentido um alívio significativo no bolso. Porém, parte das medidas anunciadas ainda patina. O desconto de R$ 0,46, por exemplo, até hoje não chegou na íntegra à bomba. A Conab não teve sucesso em contratar os autônomos. E a tabela do frete fica indo e vindo em versões que, até agora, não agradaram ninguém.
Desconto de R$0,46 no diesel
Em 30 de maio, foi publicada a MP 838, que definiu as regras para a redução de R$ 0,46 no litro do diesel vendido nas refinarias da Petrobras e outras fornecedoras de combustível. Foi criada também uma força-tarefa, formada pela ANP (agência que regula o setor), Procons e outros órgãos do governo para fiscalizar se o desconto chegaria aos postos.
O preço do diesel, de fato, teve uma redução expressiva de lá para cá, e entidades que representam os caminhoneiros dizem que esse alívio no bolso foi essencial para retomar o trabalho.
Porém, a queda na bomba não atingiu os prometidos R$ 0,46. O preço médio do litro do diesel em postos do país era R$ 3,79 na semana de 20 de maio, data do início da greve e usada como referência na fiscalização do governo. Esse preço médio caiu para R$ 3,38 entre 15 e 21 de julho. É uma redução de R$ 0,41.
Considerada a semana anterior à greve, a distância é ainda maior: de lá para cá, o preço médio do diesel caiu apenas R$ 0,22 (de R$ 3,60 para R$ 3,38).
“Alguns postos reduziram R$ 0,40, outros R$ 0,25. No geral, não houve desconto menor que R$ 0,25”, disse Diumar Bueno, presidente da CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autonômos), uma das entidades organizadoras da greve.
“De qualquer maneira, é um produto que tem um custo altíssimo para nós, e qualquer redução já é bastante significativa”, afirma Diumar.
Os caminhoneiros estimam que chegam a gastar metade de tudo o que ganham só com combustível.
O Procon de São Paulo informou que, nestes dois meses, recebeu mais de 2.000 reclamações contra postos no estado. As queixas incluem desrespeito à meta de R$ 0,46 de desconto e, em sua grande maioria, a cobrança de preços abusivos –que ocorreu em meio ao desabastecimento generalizado causado pela greve.
“São postos que chegaram a cobrar R$ 6, R$ 9 pelo litro do combustível”, disse o diretor de fiscalização do Procon-SP, Osmário Vasconcelos. “Já autuamos nove estabelecimentos até agora, mas este número certamente vai subir, porque notificamos dezenas de outros, e há um prazo para que eles se justifiquem.”
Tabela do frete
A chamada Política de Preços Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas foi instituída no dia 27 de maio com a MP 832. Ela determinou a criação de uma tabela de referência, com os valores mínimos a serem pagos pelo frete por quilômetro e por tipo de carga. Era um pleito histórico dos caminhoneiros autônomos.
“É uma reivindicação antiga nossa, porque o caminhoneiro não tem liberdade no mercado para discutir o preço. Quem define são as empresas contratantes e as transportadoras, e nós saímos ganhando muito pouco”, diz o presidente da CNTA.
Esta foi a medida mais polêmica anunciada pelo governo: é difícil agradar a todos os envolvidos. A tabela já ganhou diferentes versões nestes dois meses, foi duramente criticada pelo setor produtivo, está desagradando parte dos próprios caminhoneiros e, na prática, não está sendo aplicada direito por ninguém.
Duas versões já foram apresentadas pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres). A primeira, de 30 de maio, desagradou as empresas por ter encarecido demais o frete –segundo elas, o quilômetro rodado chegaria a custar mais que o dobro em alguns casos. A segunda, de 7 de junho, com valores menores, desagradou os caminhoneiros, e foi anulada em poucas horas.
Enquanto isso, vale a primeira versão –que deixa o frete mais caro, vem sendo pouco seguida na prática e, segundo alguns caminhoneiros, está até atrapalhando o trabalho.
“Para distâncias maiores que 400 quilômetros, a tabela ficou impraticável”, disse José Pesci, secretário da Cooperativa de Transportes Autônomos de Bens de Sorocaba e Região (CTS), que reúne cerca de 300 profissionais do interior de São Paulo especializados em cargas a granel, como açúcar.
“Acabou nos atrapalhando, porque não conseguimos repassar o preço cheio, e estamos perdendo clientes”, diz José.
Procurada, a ANTT informou que o não cumprimento da tabela, por ora, não está sendo punido, e afirmou que trabalha na elaboração da nova tabela. “A recusa de pagamento não configura atualmente infração passível de multa por esta agência”, informou, em nota. “Sobre este assunto, a ANTT abriu processo de participação social com o objetivo de colher sugestões para aprimoramento da metodologia e respectivos parâmetros utilizados na elaboração da tabela de frete”.
A agência tem um canal de consulta pública aberto até sexta-feira (3) para tentar criar uma tabela nova e definitiva.
Cota para autônomos na Conab
A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) é um órgão vinculado ao Ministério da Agricultura que movimenta milhares de toneladas de grãos pelo país. Com a MP 831, também de 27 de maio, o governo prometeu reservar 30% do frete contratado pela estatal para caminhoneiros autônomos, sem licitação. A participação pode ser feita por meio de cooperativas, sindicatos e associações destes profissionais.
Segundo a Conab, porém, já foram feitas duas chamadas públicas com essa cota de 30%, mas não houve interessados –apenas uma cooperativa se inscreveu em tempo hábil, mas acabou desclassificada por não cumprir todas as exigências do edital.
Segundo Bueno, da CNTA (Confederação Nacional dos Transportadores Autonômos), é só uma questão de tempo para que a categoria consiga se organizar.
“Neste primeiro momento, as cooperativas não conseguiram ainda se habilitar para executar o serviço, mas estão estudando os requisitos legais e se organizando para poderem se cadastrar nas próximas chamadas.”, afirma Bueno.
Caminhão com eixos suspensos, agora isentos de pedágio
Outro pleito antigo da categoria, a isenção de pedágio para os eixos suspensos dos caminhões nas rodovias foi concedida pelo governo em 27 de maio, com a MP 833, que expandiu para estradas estaduais, municipais e distritais a regra que já valia em vias federais.
É a única das quatro grandes promessas que já começou sendo totalmente cumprida. “A isenção está sendo aplicada em todas as rodovias pedagiadas do país, e não recebemos qualquer reclamação no que tange o cumprimento desta medida”, declarou José da Fonseca Lopes, presidente da Abcam (Associação Brasileira dos Caminhoneiros), uma das principais lideranças da greve.
Segundo representantes da categoria, houve uma redução de custo expressiva, já que, depois do combustível, os pedágios são o maior gasto de um caminhoneiro. Segundo Pesci, os pedágios abocanham cerca de 15% do valor do frete.
“Para um caminhão de sete eixos, que gastava cerca de R$ 7.000 com pedágio no mês, é uma economia na faixa de R$ 1.000”, diz José Pesci.
Os caminhoneiros suspendem parte das rodas do veículo quando estão circulando com o veículo vazio, geralmente na volta da entrega de alguma carga. Ainda assim, o pedágio, que é definido por eixo para os veículos pesados, era cobrado na totalidade.
O caminhão de sete eixos (14 rodas), por exemplo, tipo mais comum no país, pode suspender três deles quando está vazio, o que significa um valor de pedágio 43% mais barato. “É uma cobrança que não tinha justificativa, já que o eixo suspenso não toca o chão e, portanto, não desgasta o pavimento”, diz Bueno, da CNTA.
O Procon-SP também informou que não recebeu queixas do gênero. O órgão orienta os motoristas a reclamarem nos órgãos de defesa do consumidor caso a isenção seja negada em algum pedágio.
Fonte: UOL