Foto: Leo Martins/O Globo |
Enquanto a prefeitura anuncia um pacote de novidades para melhorar o sistema de transportes no Rio, que inclui o fim da padronização das cores dos ônibus e soluções tecnológicas como wi-fi e entrada USB em cada assento, no dia a dia, os passageiros enfrentam problemas graves, como veículos em péssimo estado e sem vistoria e horários irregulares. Dados obtidos pelo EXTRA com base na Lei de Acesso à Informação mostram que, entre 1º de janeiro de 2016 e 7 de agosto deste ano, os cinco consórcios que operam as linhas de ônibus na cidade, incluindo o BRT, receberam, apenas da prefeitura, 26.255 multas, que somam mais de R$ 26 milhões. O número equivale a 27 infrações por dia ou mais de uma por hora. As irregularidades são relacionadas à operação das linhas e ao estado de conservação dos veículos, não se referem a infrações de trânsito.
Só este ano, já foram aplicadas 8.079 multas — 37 por dia —, contra 9.402 nos 12 meses de 2017 e 8.774, em 2016, um possível indicativo de que o serviço vem piorando. A média diária, em pouco mais de sete meses de 2018 já superou a de 2017, que foi de 25 multas por dia, e a de 2016 (24). A infração com mais registros é falta de vistoria (9.498), seguida de desobediência à frota determinada (7.147). Em maio, o EXTRA mostrou que 61% das linhas da cidade rodam com menos ônibus do que o mínimo exigido no contrato.
Chama atenção a terceira maior causa de multas: descumprimento de ordens, obrigações e intimações feitas pelo órgão gestor, no caso a prefeitura. São 1.320 infrações. Há também 487 por mau estado de conservação de bancos e mais 307 por problemas de funcionamento do ar-condicionado. O consórcio Santa Cruz, que atende a Zona Oeste, é o campeão de multas (6.120). Já o BRT soma 3.038.
Na sexta-feira, ao aguardar o 366 (Campo Grande-Tiradentes), no ponto final do Centro, o auxiliar de escritório Adriano Luiz da Silva Santos, de 27 anos, morador da Vila Kennedy, não tirava o olho do celular. Usuários contam que, desde abril, os ônibus praticamente sumiram das ruas e, por isso, Adriano recorre a um aplicativo para saber o tempo de espera. Às 10h, havia só dois carros da linha nas ruas, um em cada sentido.
— A demora nos obriga a fazer baldeação e gastar mais com passagem. Às vezes, pego um ônibus qualquer que passe pela Avenida Brasil, desço em Bangu e lá pego outro para completar a viagem. Teve dia que esperei duas horas aqui — reclama.
Quando o ônibus chega, fica evidente que a demora não é o único problema enfrentado pelos passageiros. A sujeira e o mau estado de conservação são flagrantes. O banco destinado a cadeirantes está quebrado e com o assento jogado junto ao piso do carro. Uma consulta no banco de dados do Detran mostra outra irregularidade que põe em risco a segurança dos passageiros: o veículo, cujo número de ordem é D87344, não passa por vistoria há quatro anos. A última foi feita em 2014.
— É um risco andar num ônibus desse. Multar apenas não adianta nada. As empresas não pagam. A prefeitura deveria colocar a fiscalização na rua com ordem para retirar de circulação os ônibus sem condições. É um descaso com o ser humano — queixa-se o autônomo Paulo César Alves, de 48 anos morador de Campo Grande.
Ex-rodoviário: ‘desistiram dessa linha’
O rodoviário aposentado Sebastião Martins, de 58 anos, conhece bem a linha 398 (Campo Grande-Tiradentes), primeiro como motorista e depois como passageiro, desde que deixou de trabalhar, há cerca de dois anos. Por isso, quando precisa resolver algum problema no Centro, como na sexta-feira, opta pelo trem.
— Alguns passageiros desistiram dessa linha, fazendo desaparecer até as filas que se formavam aqui no ponto final. Senti um alívio quando me aposentei. O carro quebrava direto na rua, por falta de manutenção, e já esperei horas a fio na madrugada pelo reboque. Os passageiros sofrem, e a empresa não faz nada para melhorar.
Em outras linhas, também não faltam problemas. No ponto final da 393 (Bangu-Candelária), na Avenida Presidente Vargas, um coletivo da linha de número de ordem D53633 exibia nos vidros da porta do meio, por onde descem os cadeirantes, escrita em tinta branca pela parte de dentre do coletivo: “Não abre”.
‘Jogo de cena’
Para o professor de Engenharia de Transportes da Uerj Alexandre Rojas, simplesmente multar não dá resultado, porque existem vários meios de protelar o pagamento, além da possibilidade de contestar na Justiça. Na sua opinião, a aplicação de um grande volume de multas demonstra muitas vezes “jogo de cena”, para dar a impressão de que algo está sendo feito.
— O volume de multas e a qualidade do serviço apresentado à população mostram que ela (a autuação) é pouco eficaz — afirma.
A Secretaria municipal de Transportes informou que das 3.474 multas de janeiro a julho deste ano, 134 foram pagas. As outras se encontram em recurso ou em aberto no prazo. O montante é só de penalidades por inoperância de linhas, frota reduzida e má conservação. Disse ainda que mantém fiscalização e, em caso de irregularidades, autua os consórcios. Se um ônibus é flagrado sem a vistoria obrigatória, afirmou, está sujeito a lacre.
O Consórcio BRT respondeu que parte das multas, principalmente as que dizem respeito à manutenção, decorre da “pior crise” que as empresas enfrentam. Mas questionou a aferição de outras multas. “Por isso, estamos entrando com diversos recursos para revertê-las”, disse em nota. Os demais consórcios também alegam efeitos da crise.
O Globo