Ricardo Borges/Folhapress |
“Acabou a humilhação com o povo pobre dessa cidade ao se locomover”, disse em 2012 o então prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (MDB), ao inaugurar na cidade o primeiro trecho do BRT, sistema de corredores exclusivos com ônibus maiores e cobrança de tarifa nas plataformas. Seis anos depois, a “humilhação” tem vindo de outras formas.
Um trecho inteiro de um corredor fechado, operações interrompidas por causa de tiroteios, estações depredadas, pistas esburacadas e veículos lotados. Esses não são problemas raros para quem depende do serviço para se deslocar, sem contar passageiros que driblam as catracas para não pagar passagem.
Afastado das áreas mais turísticas, o BRT (transporte rápido por ônibus) ficou conhecido fora do Rio quando visitantes passaram a usá-lo para chegar a eventos como a Olimpíada e o Rock in Rio, em 2016.
Os corredores, por onde passam cerca de 8,6 milhões de usuários por mês, foram promessa de legado olímpico e custaram R$ 5,3 bilhões.
Os maiores problemas, porém, estão nos trechos em regiões mais periféricas.
São eles que têm a situação mais crítica atualmente, especificamente no extremo da zona oeste da cidade. O ponto crítico ali ocorreu há quase três meses, quando um trecho de 13 quilômetros foi inteiramente desativado e substituído por ônibus normais.
O cenário nas 22 estações que passam pelo local, ligando os bairros de Santa Cruz e Campo Grande, é de abandono: um ponto incendiado, dois completamente destruídos e os outros sem portas, catracas nem cabines.
Com o desuso, a pista exclusiva é aproveitada por ciclistas, e entulhos dentro de uma estação indicam a presença de moradores de rua.
Segundo o consórcio BRT, que opera as linhas, o motivo do fechamento foi a falta de condições mínimas de segurança e infraestrutura.
Isso ocorreu após a greve nacional dos caminhoneiros, em maio, quando os ônibus pararam totalmente por falta de combustível.
“Esse trecho ficou três dias fechado e, quando voltamos a operar, não conseguimos retomar o serviço ali. Estava tudo quebrado, e não tínhamos como garantir a segurança dos funcionários e passageiros”, diz Suzy Ballousier, diretora de relações institucionais do BRT.
A linha corta favelas da região, onde uma guerra entre milicianos e traficantes da facção Comando Vermelho (CV) já dura mais de uma década.
No início de agosto, após dias de confrontos, a milícia tomou a comunidade do Rola, uma das últimas que ainda era controlada pelo CV na área.
“Só neste mês já tivemos mais de 20 interrupções na linha de ônibus que substituiu o BRT, principalmente por tiroteios”, afirma Ballousier. Mesmo antes dos últimos conflitos e do fechamento dessa linha, porém, os milicianos já exerciam um outro tipo de influência no BRT da região.
“As informações que temos desde o ano passado são de que, em algumas das estações, eles limitam o número de passageiros em certos horários, para lucrar com as vans, ou liberam a ‘catraca livre’, para ganhar a simpatia do povo”, diz o promotor Luiz Antônio Ayres, que investiga a milícia na região.
Um morador que não quis ser identificado também relatou à reportagem a presença de “seguranças” da milícia no transporte.
O secretário municipal da Casa Civil, Paulo Messina, chegou a declarar durante a greve dos caminhoneiros que as estações da linha hoje desativada haviam virado “quiosques, grandes lojas do tráfico de drogas”, mas, segundo o promotor, isso não ocorreu nessas dimensões.
“Não chega a ser uma invasão ostensiva, é mais um medo abstrato que já foi imposto pela milícia”, diz. “A questão é: existe sim um domínio, mas até que ponto as estações precisam ser fechadas? Propostas foram debatidas?”
O consórcio diz ter enviado um ofício à prefeitura sugerindo que fosse discutido um plano de segurança e de revitalização das estações vandalizadas, e que foi acordado um prazo de 90 dias para isso.
Na época, o prefeito Marcelo Crivella (PRB) chegou a anunciar um programa de reforço no policiamento e investimento de R$ 700 mil mensais. O prazo, porém, expira nesta semana e ainda não há sinais de qualquer iniciativa para que a linha volte a funcionar.
Tanto a Secretaria Municipal de Transportes quanto a de Infraestrutura disseram que a competência para realizar as reformas não é delas, mas não indicaram quem seria responsável.
Já a Secretaria Estadual de Segurança Pública afirmou que o policiamento é incumbência da Polícia Militar, que não respondeu.
No Rio, a segurança do estado está sob responsabilidade da União desde fevereiro, quando o presidente Michel Temer (MDB) decidiu pela intervenção federal. Na prática, as polícias, os bombeiros e o sistema penitenciário estão nas mãos do general Walter Souza Braga Netto, nomeado interventor pelo presidente.
O BRT da zona norte também tem tido problemas frequentes com tiroteios.
O trecho que passa pelos complexos do Alemão e da Maré e vai até o aeroporto do Galeão foi interrompido diversas vezes duas semanas atrás durante uma megaoperação das forças de segurança que terminou com três militares e cinco civis mortos.
Já o vandalismo não é exclusividade das áreas mais afastadas. O consórcio diz que todas as 133 estações da cidade já sofreram depredação, gerando um prejuízo mensal de R$ 1,4 milhão. “Você coloca cabo elétrico e fibra ótica num dia e, no dia seguinte, já roubaram de novo”, diz a diretora Suzy Ballousier.
“As pessoas judiam demais”, concorda a passageira e manicure Fernanda Mendonça, 37.
Folha de SP