Assédios dentro dos coletivos: crime persiste e preocupa

Sem shorts curtos, decotes e vestidos. Essa é a estratégia adotada por muitas mulheres que sabem da recorrência dos crimes de assédio dentro dos coletivos urbanos. A fim de evitar ser mais uma vítima de abuso, há quem repense sobre o que vestir, puxando para si responsabilidade exclusiva dos criminosos.
Ilustração/UNIBUS RN

O problema que envolve desde uma cantada sem consentimento até o caso de um estupro é historicamente subnotificado. Da parte da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) não há números específicos que contabilizem as ocorrências nos ônibus e vans.
Em geral, a Pasta somou mais de mil vítimas de crimes sexuais no Ceará, neste ano de 2018. A diretora do Departamento de Polícia Especializada na Proteção de Grupos Vulneráveis, delegada Rena Gomes, admite que a realidade é composta por um número bem maior.
“A SSPDS reconhece a subnotificação. As campanhas de alerta são extremamente importantes. Muitas vítimas não têm coragem de denunciar. O que costuma acontecer é o agressor ficar impune e reiterar a prática”, disse a delegada.
Conforme levantamento da ONG ActionAid, no Brasil, cerca de 85% das mulheres já foram vítimas de assédio em espaços públicos. O transporte público é onde elas mais têm medo de sofrer abordagens.
No último mês de agosto, o Senado aprovou um projeto de lei que cria o crime de importunação sexual. O texto segue para sanção presidencial. Se aprovado, enquadra casos como os de homens que ejaculam em mulheres nos coletivos
Relatos
Durante visita a um terminal da capital cearense, logo conhecemos histórias de quem já presenciou e sofreu assédios e atos obscenos. Sem se identificar, uma jovem de 18 anos revelou já ter sido vítima de assédio no ônibus em Fortaleza enquanto ainda era menor de idade. “Eu estava próximo ao bairro Jóquei Clube, em pé dentro de um ônibus e acompanhada da minha tia. Ela percebeu primeiro que havia um homem atrás de mim querendo abrir o zíper. Minha tia me puxou. Depois olhei em volta e vi que várias pessoas do ônibus também tinham visto e não fizeram nada. Me senti ainda mais indefesa do que eu já estava. Hoje, eu sei que se o ônibus estiver lotado preciso evitar ficar na frente de homem”, falou a entrevistada sobre a necessidade de pensar em estratégias para não passar por isso uma outra vez.
A supervisora de costura Ailta Lima da Silva admitiu que um fato similar aconteceu com ela, e diz que não tem de se envergonhar por uma transgressão alheia. Ailta compreende que pode ser vítima de assédio, independentemente dos trajes.
“Não penso duas vezes antes de mandar se afastar. Quando aconteceu comigo eu alarmei e ameacei pedir para o motorista mandar descer. No dia, eu estava de vestido longo e um homem tentava se aproximar a cada movimento do ônibus. Outras pessoas viram e também ficaram incomodadas. Mandaram ele ter vergonha e se afastar”, descreveu a supervisora de costura.
Providências
A diretora do Departamento esclarece que dependendo do delito, ele só pode ser notificado pela própria vítima. “Algo de manifestação sexual, um estupro, por exemplo, só vai ser investigado se a vítima denunciar. Ela precisa autorizar que a Polícia tome as providências. Se for importunação, pode ser instaurado procedimento independentemente da vontade da vítima. As testemunhas estão aptas a denunciar”, explicou Rena.
Devido às subnotificações, a Polícia Civil não tem um perfil específico traçado de quem costumam ser vítimas e agressores. “Bairros nobres, bairros da periferia. Temos essa ocorrência em todos os cantos. Conforme o crime varia, a pena também muda”, informou a delegada.
A titular do Juizado da Mulher de Fortaleza, juíza Rosa Mendonça, acrescentou que é preciso dar visibilidade às ocorrências para que as políticas públicas sejam ampliadas. Desde o fim de 2017, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) lançou campanha contra o abuso sexual de mulheres e começou a realizar blitze nos ônibus.
“O homem precisa saber que existe punição e que as pessoas se importam com essa conduta. Precisamos encorajar as denúncias e temos que divulgar sempre”, se manifestou Rosa.
Aliado ao que a juíza afirmou, a Polícia Civil divulga que a vítima pode se dirigir a qualquer delegacia para prestar Boletim de Ocorrência. As investigações sobre as ações de cunho sexual contra o público feminino ficam a cargo da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM).
Sindiônibus recebeu seis denúncias
A luta pelo combate ao assédio dentro dos coletivos inclui participação direta do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus). Neste ano, de janeiro a agosto, o Sindicato recebeu apenas seis denúncias relacionadas ao crime de teor sexual.
O número é baixo frente aos relatos constantes de vítimas, no entanto, se destaca quando comparados iguais períodos dos anos anteriores. Em iguais espaços de tempo dos anos de 2016 e 2017, o Sindiônibus não registrou nenhuma ocorrência deste tipo.
Para o Sindicato, a campanha com o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) fez com que as mulheres tivessem coragem para expor o problema. A gerente administrativa do Sindicato, Maria José Luz, ressaltou saber que o número de ocorrências é maior e reiterou que os casos não devem ser silenciados.
“Todos esses seis casos chegaram até nós por meio do canal Alô Sindiônibus. Nós divulgamos que as vítimas acionem o 190 para seguir com a investigação. Nesses seis casos há colaboradores (das empresas) suspeitos, mas a maioria é formada por outros passageiros. Procuramos verificar as imagens das câmeras dos coletivos, quando constatados casos que envolvam funcionários, eles podem até ser demitidos”, contou.
A gerente administrativa afirmou que, a fim de coibir assédios e auxiliar a Polícia quando há investigação, há um operador do Sindiônibus que trabalha diretamente junto à Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops): “Uma vez que autoridades policiais solicitam essas imagens, fornecemos”.
Sobre o treinamento ofertado aos motoristas e cobradores para lidarem com o fato na prática, Maria José da Luz acrescentou que há um trabalho de forma padronizada e específica para que as testemunhas sejam sensíveis a essas ocorrências.
“Em caso de assédio no transporte coletivo, o motorista pode direcionar o veículo a uma Delegacia mais próxima e ceder o telefone para a vítima acionar a Polícia. Repudiamos estes ocorridos”, destacou.
Diário do Nordeste

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