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A violência ainda é uma mácula com a qual mulheres de todo o Brasil lidam, diariamente, para exercer o fundamental direito de ir e vir nos espaços públicos. De acordo com o Datafolha, em pesquisa divulgada no final de 2017, quatro em cada dez brasileiras (42%) relatam já terem sofrido assédio sexual, sendo um quinto (22%) em transportes coletivos. Não é de todo possível determinar apenas uma razão para o fato de o transporte público ser um local de alta incidência de assédios, porém, segundo especialistas, certamente a cultura do estupro atravessa a vivência das mulheres na cidade.
Uma nova lei, sancionada em setembro pela Presidência da República, cria a figura da importunação sexual no Código Penal. A norma prevê pena de um a cinco anos de prisão para quem “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
Antes da legislação, ações dessa natureza costumavam ser enquadradas na lei de contravenções penais, da década de 1940, cuja punição era apenas o pagamento de multa. Com a entrada da lei em vigor, podem ser enquadrados, por exemplo, homens que se masturbarem ou ejacularem em mulheres no transporte público.
A professora de direito penal da FGV (Fundação Getulio Vargas) Maíra Zapater ressalta, porém, que a simples tipificação não reduzirá a conduta. “Isso não se verifica em crime algum”, diz. Por isso, são necessárias ações de educação em questões de gênero, campanhas educativas e outras formas de enfrentar o problema. Além disso, é necessário aguardar para saber como se dará a interpretação da lei na Justiça. “Embora esteja melhor, essa redação ainda vai oferecer problemas para sua interpretação. Essa conduta da importunação sexual ainda não inclui o assédio sexual verbal.”
Os representantes do setor de transporte urbano e rodoviário e sobre trilhos de passageiros têm investido em campanhas e treinamentos de pessoal voltados para a questão de gênero a fim de coibir esse tipo de prática, aumentar a conscientização da sociedade em relação aos danos da violência de gênero e estimular as vítimas a denunciar.
Para o presidente da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos), Otávio Cunha, os novos critérios para fazer o enquadramento no que tange ao abuso vêm para colocar um freio, por assim dizer, nessas práticas. “A questão do assédio no transporte público já era objeto das nossas preocupações.
Entendemos que o ônibus é um espaço de convivência social e precisa ser um ambiente seguro.” O presidente da NTU espera que as iniciativas de conscientização aliadas à nova legislação levem a uma redução de eventos dessa natureza.
Em março, no Dia Internacional da Mulher, a NTU lançou em Brasília (DF) a campanha “Ônibus é lugar de respeito! Chega de abusos!”, que contou com o apoio do SEST SENAT, da Unfpa/ONU (Fundo de População das Nações Unidas) e do Governo do Distrito Federal.
Na maior cidade do Brasil, São Paulo, a SPTrans (gestora do transporte público urbano) mantém ações de conscientização e protocolos de assistência às vítimas. Em casos de abuso sexual, a recomendação é que o motorista seja comunicado imediatamente. Ele pode parar o veículo e aguardar a chegada da polícia ou conduzir o veículo até a delegacia de polícia mais próxima.
A Secretaria de Mobilidade e Transportes e a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo ainda assinaram, em março deste ano, um termo de cooperação para combater o assédio sexual no transporte público. O objetivo é garantir o atendimento psicológico às vítimas de assédio sexual no transporte e a ampliação da capacitação de motoristas e cobradores.
Trilhos da conscientização
“A legislação fortalece essa luta pela conscientização e prevenção. O setor, ao longo dos últimos anos, vem se fortalecendo nesse sentido. Todos os operadores contam com treinamento de agentes e seguranças. Trabalhamos muito forte essa questão da denúncia”, diz a superintendente da ANPTrilhos (Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos), Roberta Marchesi, sobre a lei de importunação sexual. Para ela, com a mudança na legislação, o combate toma outro contorno. “O agressor tem que estar ciente da alteração na lei. Todos os nossos operadores vão investir nessa conscientização.”
A CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) informa que aperfeiçoará o treinamento dos empregados para identificar casos e auxiliar as vítimas e incrementará as campanhas de cidadania e conscientização para estimular as mulheres a registrarem a denúncia e o Boletim de Ocorrência nas delegacias de polícia.
Também buscará “incentivar os usuários a denunciarem qualquer tipo de irregularidade e acompanharem a vítima como testemunha.”
Em 2015, a CPTM atendeu a 91 casos de denúncias de assédio sexual; em 2016, foram 90 casos; e em 2017, com a intensificação das campanhas de conscientização, foram 128 casos atendidos. Neste ano, até agosto, já foram 82 atendimentos em razão desse tipo de denúncia.
Entenda a nova legislação
O que é importunação sexual? É a prática de ato libidinoso na presença de alguém sem que essa pessoa dê seu consentimento.
Como era antes da lei? Ações desse tipo geralmente eram enquadradas na lei de contravenções penais. A punição era apenas o pagamento de multa.
E, agora, qual a punição prevista? A pena prevista é de um a cinco anos de prisão.
Aplicativos contra o abuso
HelpMe: aplicativo para iOS e Android gratuito, criado pelo desenvolvedor Renato Sanches. Tem funcionalidades para gravar e compartilhar áudios e fotos das situações. Na cidade de São Paulo, também permite enviar mensagens SMS para os canais de denúncia do Metrô e da CPTM de São Paulo.
Metrô Conecta: também gratuito e disponível para iOS e Android, o aplicativo facilita a comunicação de usuários com a administradora dos metrôs de São Paulo. Ele permite o envio de denúncias de forma direta à empresa, sejam elas sobre assédio, estações sujas ou vendedoras ambulantes nos vagões.
Diego Gomes
Agência CNT de Notícias