Quase um mês após intervenção da prefeitura, problemas no BRT continuam

A passos largos, um homem atravessa a Avenida Dom João VI, em Guaratiba, em meio aos carros. Ele carrega um isopor nas costas e caminha em direção à estação Pingo D’ Água do BRT Transoeste. Mas, ao chegar ao local, em vez de se dirigir às roletas que dão acesso ao interior da plataforma, segue para a lateral da estrutura. Lá, usa o rodapé da parede para tomar impulso e, num movimento rápido, saltar para a área de embarque, sem pagar pela passagem. Diante da fiscalização precária, o calote não surpreendeu os outros usuários porque se tornou uma cena corriqueira nos corredores expressos de ônibus: são cerca de 74 mil por dia, o correspondente a 14,8% das viagens. E, apesar de recorrente, está longe de ser o único problema do sistema.
Foto: Stefano Aguiar/Ilustração
Nesta segunda-feira, uma equipe do GLOBO percorreu durante duas horas os corredores Transoeste e Transcarioca e constatou que, mesmo depois de passado quase um mês da intervenção municipal no serviço, os passageiros enfrentam o sufoco de sempre. As estações estão superlotadas, vandalizadas e sem manutenção. No Jardim Oceânico, por exemplo, o elevador de acesso para pessoas com dificuldades de locomoção estava quebrado, obrigando usuários a enfrentarem três lances de escada. Com muitos coletivos sem ar-condicionado — logo num dia em que a sensação térmica no Rio atingiu os 53 graus — , veículos circulavam com as portas abertas, com risco para os passageiros. Como se não bastasse, em todas as estações, atuavam, sem qualquer tipo de repressão, dezenas de camelôs, que ofereciam de água e refrigerantes a doces e balas.
— Os ônibus trafegam de porta aberta porque não têm ar, as estações são diariamente vandalizadas e ninguém conserta. Fora isso, há a insegurança em algumas áreas. Perto disso tudo, o pessoal que pula a roleta é o de menos — disse nesta segunda Isaque Santos.
A fisioterapeuta Jussara Dias, que usa o BRT diariamente, discorda.
—Todos os dias, vejo o pessoal subindo pela lateral. É uma falta de respeito com quem paga passagem, e negligência da concessionária —reclama.
Na estação Pingo D’Água, a equipe do GLOBO flagrou seis calotes em três minutos. Na Mato Alto, também no corredor Transoeste, dez pessoas subiram no ônibus sem pagar passagem num intervalo de 15 minutos. Na estação Santa Efigênia, no Transcarioca, a bandalha se repetiu: a média era uma infração por minuto.
Poucas multas
Quem ignora a roleta aposta na impunidade. Apesar de o calote ser passível de multa (que varia entre R$ 170 e R$ 255, em caso de reincidência), há apenas 70 agentes da Guarda Municipal para fiscalizar as estações e, mesmo assim, não todas. Os guardas atuam em apenas 33 das 112 existentes. E, desde que começaram a trabalhar, há quatro meses, aplicaram somente 413 multas. Com o resultado aquém do desejado, a prefeitura resolveu na segunda-feira fazer uma operação entre as estações Alvorada e Pontal, do Transoeste. Segundo o interventor, Luiz Alfredo Salomão, foi uma experiência piloto, já que o trecho não é o mais crítico. Mesmo assim, foram presas três pessoas, apreendidos um machado, três rádios portáteis e uma arma de brinquedo, entre outros itens. Dez usuários foram multados e 45 fugiram, desistindo de viajar de graça ao observarem a presença dos agentes.
Salomão admitiu que não há soluções a curto prazo para muitas das falhas na operação. Não há prazo, por exemplo para a reabertura de 20 estações do Transoeste, fechadas no eixo da Avenida Cesário de Melo, na Zona Oeste, ou para uma estação do Transcarioca que deveria atender aos moradores dos morros da Serrinha e do Cajueiro.
—Essas estações custaram cerca de R$ 100 milhões e estão abandonadas. Em algumas delas, abriram buracos no chão para furtar o granito. A prefeitura não tem recursos para fazer essa recuperação. Entendemos que essa tarefa de manter a integridade das estações é do BRT — disse Salomão, acrescentando ainda que cabe à concessionária do serviço a reposição de veículos para reordenar os corredores.
Na segunda-feira, ele determinou, no início da manhã, que parte da frota que atendia o BRT Transolímpico (Vila Militar-Recreio) fosse remanejada para reforçar o Transoeste, no trecho entre a Santa Cruz e a Barra da Tijuca. Com a mudança, passageiros saíram mais rápido de estações como Mato Alto e Magarça (Transoeste), mas se amontoaram em terminais como Sulacap (Transolímpico). A alteração no sistema foi uma tentativa de apaziguar os ânimos dos passageiros do Transoeste, que, semana passada, chegaram a interromper a circulação do ônibus em protesto contra a precariedade do serviço.
— Os ônibus seguem em má condições. Circulam lotados, sem manutenção e estão sujos — reclamava Giovane Alves de Oliveira, usuário do Transolímpico.
Faltam coletivos
Pelo menos sete coletivos foram remanejados para o Transoeste. No meio da manhã, no entanto, parte da frota voltou a atender o Transolímpico. Foi a vez de os usuários do corredor reclamarem:
— O Transolímpico estava cheio demais, bem pior que nos outros dias — contou Telma de Oliveira, 57 anos, moradora de Curicica.
As tentativas de reordenar o sistema têm esbarrado na falta de ônibus. O BRT chegou a ter 459 coletivos, mas conta hoje com 367 veículos. Desses, 39 estão parados e não têm mais condições de voltar a circular. A situação pode ainda piorar, caso o prefeito Marcelo Crivella cumpra a promessa de inaugurar o BRT Transbrasil (Caju-Deodoro) em outubro. A frota existente não foi dimensionada para o quarto corredor, e a a encomenda de mais ônibus segue indefinida.
O Globo

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