O aumento de R$ 6 para R$ 6,60 na tarifa da lotação em Porto Alegre, previsto para a próxima quarta-feira (13), não desagrada apenas os passageiros, mas também os permissionários do sistema. Preocupada com a perda de usuários — o número de clientes caiu 45% nos últimos cinco anos —, a Associação dos Transportadores de Passageiros por Lotação (ATL) pleiteia que o valor não sofra reajuste para tentar manter a competitividade.
Veículos rodando vazios ou com poucos passageiros é rotina em Porto Alegre. Foto: Mateus Bruxel / Agencia RBS |
Para tanto, a entidade pede que o prefeito Nelson Marchezan encaminhe projeto para a Câmara de Vereadores mudando as regras do reajuste de passagem. Em razão de uma lei municipal de 2003, o valor da tarifa das lotações está vinculado à dos ônibus. O índice precisa ser entre 1,4 e 1,5 vezes maior que a passagem de ônibus — a ATL defende que seja entre 1,2 e 1,5. A reportagem ainda não recebeu um retorno da prefeitura sobre se há intenção de criar tal projeto.
— Tem uma crise, e a gente tem que se adequar. Não adianta querer cobrar caro e andar vazio — diz Rogério Lago, gerente-executivo da ATL.
Flavio Antonio Tumelero Junior, gerente de planejamento de transporte da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), explica que essa medida acirraria uma concorrência: ao “roubar” passageiros dos ônibus, a lotação acabaria prejudicando o modal que tem uma função social e que dá isenções para estudantes, idosos e outros grupos.
— A lotação é um sistema acessório, o principal é o ônibus. Essa diferença de preço existe para proteger o sistema de ônibus, que é o responsável pelas isenções — diz Tumelero. —Se a lotação for roubar mais passageiros, a gente sabe o que acontece: sobe mais a tarifa no ano seguinte. É um efeito cascata.
Na tarde desta quinta-feira (8), GaúchaZH andou em uma lotação que carregou apenas seis passageiros em direção ao Centro e um passageiro na viagem de volta, em direção ao bairro. O motorista, que preferiu não se identificar, relata que o movimento “está terrível”, o que lhe prejudica diretamente — ele não tem salário fixo e ganha uma porcentagem da tarifa paga pelo passageiro.
O homem começou no trabalho há quatro anos, pouco antes de a Uber chegar a Porto Alegre. Se naquela época levava de 80 a 100 passageiros por dia, hoje leva de 40 a 60.
— A maior parte do tempo, roda vazia — lamenta o trabalhador, que não se vê na função por mais muito tempo. — Não tem perspectiva, nem pra mim, nem pra passageiro, nem pra ninguém.
Rogério Lago afirma que a maioria das linhas opera hoje com prejuízo — a ATL não soube informar de quanto. Mas, segundo o diretor-executivo, ainda não houve demissões ou diminuição da frota (são 428 veículos).
— Se continuarmos nessa crise, parte dos operadores vai ter grande dificuldade de renovar a frota e vai acabar se obrigando a sair do sistema. Muitas linhas já não conseguiriam pagar a prestação de um veículo novo ou um consórcio — prevê Lago.
Concorrência do transporte por aplicativos
O diretor-executivo da ATL atribui à crise econômica e ao alto índice de desemprego boa parte das perdas de público de sistema. Mas o “golpe de misericórdia”, segundo ele, é o advento do transporte por aplicativo, como em Uber, 99 e Cabify.
O microempresário Igor Lopes, 26 anos, costuma comparar os preços da lotação e dos aplicativos antes de sair de casa. Nesta quinta-feira (7), optou por pegar o primeiro em razão da longa distância — iria do final da Ipiranga até o Centro, e, se chamasse transporte por app, sairia mais caro. Mas ele relata que tem usado muito a opção Uber Juntos, que tem o transporte compartilhado com outros usuários da plataforma e preços muitas vezes mais baratos do que o da lotação.
Já a técnica em enfermagem Tais Silva da Silva, 35 anos, ainda é uma passageira assídua de lotação. Acredita que o trajeto até o trabalho sai mais rápido com o coletivo do que se fosse pedir um carro. Sobre o impasse a respeito do aumento da tarifa, ela comenta:
— Estou torcendo que continue assim. Facilita pra todo mundo.
Gaúcha ZH