Criado há dez anos, em San Francisco, o Uber rapidamente se transformou no maior aplicativo de transporte de passageiros do mundo. Por dia, 14 milhões de viagens são feitas com a ajuda do aplicativo em mais de 60 países. E em apenas 12 meses, entre setembro de 2017 e o do ano passado, o número total de trajetos percorridos dobrou para 10 bilhões, em cerca de 700 cidades.
Ilustração/UNIBUS RN |
Agora, sem abrir mão do carro, a companhia americana prepara uma ofensiva para estender seu serviço a quase tudo que se move: de bicicletas e patinetes elétricos até helicópteros, aviões e até um “carro voador”.
“O futuro é criar uma plataforma [de serviços] com múltiplos meios de transporte para a pessoa se locomover ou mover coisas”, diz Claudia Woods, presidente do Uber no Brasil. Há cinco meses no cargo, cabe à executiva – filha de pai americano e mãe brasileira – a tarefa de executar essa visão em um mercado vital.
O Brasil é o segundo maior mercado do Uber no mundo, atrás dos Estados Unidos. No ano passado, o faturamento no país atingiu US$ 959 milhões, de acordo com documento enviado à SEC, órgão que regula o mercado de capitais americano. Equivalente a quase R$ 3,8 bilhões, a receita aumentou 15% frente ao ano anterior e mais que quadruplicou em relação a 2016.
Existem mais de 600 mil motoristas ligados ao Uber no Brasil, onde a empresa chegou há cinco anos. São 22 milhões de usuários frequentes 2,5 bilhões de viagens acumuladas. Os serviços funcionam em mais de cem cidades brasileiras. Além das modalidades para passageiros – Uber X, Black e Juntos – existe o Uber Eats, de entrega de comida em domicílio, trazido em 2016.
Novos serviços estão por vir. “Ao que tudo indica, o Jump vai chegar ao Brasil ainda este ano”, diz Claudia, sobre o serviço de compartilhamento de patinetes e bicicletas da companhia. A executiva também está atenta às possibilidades de adaptação de outras experiências internacionais.
Em Denver, no Estado do Colorado, o Uber firmou acordo com a autoridade municipal de trânsito para vender passagens de ônibus e trens urbanos por meio de seu aplicativo. Depois de adquiridos, os bilhetes são armazenados em uma seção especial do aplicativo, no qual ficam disponíveis mesmo quando o telefone não está conectado à internet. Os passageiros também podem acompanhar informações sobre ônibus e trens, em tempo real, por meio do app. Em outra iniciativa, em Tampa, na Flórida, a autoridade de trânsito passou a oferecer desconto em viagens de Uber entre o ponto de ônibus e o destino final do passageiro.
As experiências mostram o interesse do Uber em se tornar o ponto central para qualquer tipo de transporte, incluindo os meios públicos, e não apenas carros particulares. “A parceria em Denver é muito importante porque mostra a integração de rotas e passagens”, diz Cláudia. “É um modelo pioneiro.”
As dimensões de Denver – cuja área metropolitana não chega a 3 milhões de habitantes – são muitos menores que as das grandes cidades brasileiras, como São Paulo, com população de 12 milhões, ou Rio de Janeiro, com mais de 6 milhões. “Mas existem erros e acertos [de estratégia] comuns a quaisquer cidades”, diz a presidente do Uber. É com base nessas experiências que a companhia espera depurar o modelo e aplicalo a malhas urbanas maiores e mais complexas. “Esse modelo vai chegar ao Brasil”, afirma Claudia.
Em março, o Uber deu um passo na direção de se aprofundar no relacionamento com o setor público ao lançar, em São Paulo, o Movement, um site de compartilhamento de informações de trânsito. Coletados pela companhia, os dados ficam disponíveis para uso por autoridades e especialistas em planejamento urbano.
Os planos mais ambiciosos do Uber são de, literalmente, levantar voo. No mês passado, em Washington, a companhia apresentou o novo protótipo de seu “carro voador”. É um veículo elétrico que está sendo projetado em parceria com a Embraer. Com capacidade para transportar quatro passageiros, o veículo lembra um helicóptero e ocupa papel central para o Uber Air, serviço que a empresa pretende começar a testar no ano que vem. O lançamento comercial está previsto para 2023. As três primeiras cidades escolhidas para receber o serviço são Dallas e Los Angeles, nos Estados Unidos, e Melbourne, na Austrália.
Mas os voos do Uber vão começar bem antes disso. Amanhã, a empresa começa a testar em Nova York o Uber Copter. O serviço vai levar passageiros de helicóptero de um heliponto localizado na região de Lower Manhattan até o aeroporto JFK. A viagem tem duração prevista de oito minutos e vai custar pouco mais de US$ 200. O cliente pode usar o app da empresa para agendar o helicóptero. O cálculo é que, incluindo a viagem de carro até o local de partida, o trajeto total não ultrapasse 30 minutos, contra os 60 minutos ou até mais de duas horas dependendo do trânsito em Nova York.
O serviço faz muito sentido, diz a executiva, porque consegue agrupar pessoas que precisam lidar com o tráfego intenso em momentos de pico particulares – no caso, os horários dos voos.
São Paulo tem uma das maiores frotas de helicóptero do mundo, mas por conta do preço os serviços ainda são limitados a uma fatia muito pequena da população, como executivos e empresários. O desafio, diz Claudia, é conferir escala a essas viagens, estabelecendo preços mais acessíveis a partir do equilíbrio entre oferta e demanda.
Formada em economia pelo Bowdoin College, no Estado do Maine, com mestrado em negócios pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a executiva nasceu em São Paulo e se mudou para os Estados Unidos quando tinha 11 anos. Fez carreira no mundo digital. Começou na consultoria Kaiser Associates, nos EUA, e desde que voltou ao Brasil passou por empresas de diversos setores como Walmart e Banco Original. Antes de se juntar ao Uber estava no comando do WebMotors, site de venda de veículos controlado pelo banco Santander.
“Estou na empresa há pouco mais de cinco meses e já passei por vários ciclos de renovação”, diz a executiva, sobre a velocidade das mudanças tecnológicas na companhia.
Em dezembro, o Uber abriu em São Paulo seu primeiro centro de desenvolvimento tecnológico na América Latina, no qual planeja investir R$ 250 milhões no prazo de cinco anos. O primeiro resultado concreto do laboratório foi anunciado na semana passada – um sistema para tornar mais segura a validação de cadastros de usuários, criado em parceria com a Serasa Experian. Com base em dados como CPF, o sistema busca informações adicionais e verifica sua veracidade.
Como profissional, diz Claudia, o desafio é tanto estimular as inovações como fazer os negócios existentes – que sustentam a companhia – crescerem de maneira sustentável à medida que o mercado amadurece. Se considerados todos os meios de transporte disponíveis, como ônibus e metrô, a participação da empresa no mercado de mobilidade ainda é pequeno, afirma. “Há muito espaço para crescer.”
A concorrência também tem demonstrado interesse pelo Brasil. Em janeiro, a espanhola Cabify unificou suas operações no país com a brasileira Easy Taxi, que adquiriu em 2017. A chinesa Didi Chuxing atua no mercado brasileiro por meio da 99, cujo controle assumiu em janeiro de 2018. No exterior há outros competidores, como a Lyft, que estreou na Bolsa de Nova York em março, um mês e meio antes do Uber. As duas ofertas de ações foram consideradas decepcionantes.
À frente de uma equipe de 1,5 mil pessoas, Claudia diz que a cultura do Uber dá prioridade às ideias em vez da hierarquia. A troca de experiências entre profissionais de vários países também é frequente. “Às vezes estamos falando em português quando aparece alguém de outra nacionalidade. Trocamos de idioma e prosseguimos.” É algo que a faz se sentir em casa. Educada em inglês e português, a executiva se acostumou a essa “babel” desde cedo. “Em casa, até hoje dificilmente termino uma frase na mesma língua em que comecei.”
Em cinco anos, Uber pretende investir R$ 250 milhões em centro de tecnologia aberto em São Paulo.
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