O governo Jair Bolsonaro pretende aumentar, de 5% para 15%, o limite de comprometimento da receita corrente líquida (RCL) de Estados e municípios com contratos de parcerias público-privadas. A proposta foi remetida pela Casa Civil à comissão especial da Câmara dos Deputados que discute uma modernização das leis sobre concessões e PPPs.
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O aumento do limite deve dar mais fôlego aos governos estaduais e municipais para investimentos na área de infraestrutura, como projetos de mobilidade urbana, mas também tem outro objetivo. Segundo uma fonte de alto escalão, o atual teto de 5% pode acabar se tornando obstáculo para que governadores e prefeitos façam PPPs de iluminação pública, gestão de resíduos sólidos, hospitais, presídios, creches, unidades básicas de saúde.
Bolsonaro quer estimular essas concessões descentralizadas e de médio porte. Parte da reestruturação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), para fornecer apoio técnico aos entes federativos, vai por esse caminho.
Essa fonte do governo usa um exemplo para explicar: “Digamos que haja um prefeito que gasta R$ 100 milhões por ano com o sistema de educação infantil. Tudo despesa pública, com professor público, mas ele deseja fazer uma PPP e transferir a gestão das escolas para a iniciativa privada. Talvez ele chegue à conclusão de que pode diminuir o gasto anual de R$ 100 milhões para R$ 70 milhões. Na verdade, tem uma economia no orçamento, mas pode incorrer em estouro do limite de 5% da RCL. A legislação olha isso como um compromisso adicional. É isso que queremos evitar”.
O deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), relator do projeto de lei, afirmou ao Valor que acolhe “com entusiasmo” a proposta feita pelo governo. Ele mantém sua previsão de apresentar o parecer ainda neste mês e votar o texto na comissão em novembro. Depois, o projeto segue para análise pelo plenário da Câmara. “Acho que devemos ampliar o limite para as PPPs. Essas iniciativas vão diluindo o custo da máquina e nos permitem incorporar conceitos da reforma administrativa, com indicadores e metas na prestação de serviços.”
Outra recomendação do governo que Jardim vê com simpatia é a extinção de prazo máximo para a vigência das parcerias. Os contratos hoje só podem durar até 35 anos. Para o deputado, esse limite deve acabar. Isso permitiria acomodar, numa PPP, projetos que precisem de um tempo maior para o retorno financeiro do investidor privado ou a necessidade de mais prazo de exploração para acomodar eventual reequilíbrio econômico do contrato.
O documento com as propostas do governo, coordenado pela Casa Civil, tem as colaborações de outros seis ministérios: Economia, Infraestrutura, Minas e Energia, Desenvolvimento Regional, Secretaria de Governo e Secretaria-Geral da Presidência.
De acordo com a lei original das PPPs, sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2004, Estados e municípios teriam que comprometer no máximo 1% de sua receita líquida com o pagamento anual dos contratos. As parcerias são chamadas também de “concessões patrocinadas”. Como são projetos sem receitas suficientes para se viabilizar sozinhos, precisam de um aporte do poder público para fechar suas contas. Depois, o limite da RCL que pode ser comprometido com esses aportes subiu para 3% em 2009 e para 5% em 2012.
Maurício Portugal Ribeiro, ex-chefe da unidade de PPPs no Ministério do Planejamento (governo Lula) e hoje sócio da Portugal Ribeiro Advogados, explica que há duas punições para os entes subnacionais quando o limite é ultrapassado: perde-se acesso às garantias soberanas federais para financiamentos e às transferências voluntárias da União.
Para o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, a elevação do limite atual é bem-vinda. Ele também cita o argumento de que, com uma PPP, pode haver economia total de recursos orçamentários na oferta de um serviço, trocando o público pelo privado por meio de um contrato de parceria, mas o remanejamento contábil pode levar ao estouro do teto de 5% da receita corrente líquida. “Trata-se de substituir uma despesa ineficiente por outra que tende a ser mais eficiente”, afirma Martins.
Para o advogado Portugal Ribeiro, no entanto, há uma sobrevalorização do efeito que o aumento do limite pode ter. “É coerente com o discurso do governo, mas não tem benefício real de curto prazo”, avalia. Hoje, nenhum Estado ou prefeitura estaria à beira de atingir o teto fixado de 5% – Belo Horizonte seria um dos mais próximos.
Ribeiro participou da elaboração da lei original de PPPs e lembra que o teto – então de 1% – era uma forma de evitar que governadores e prefeitos burlassem as regras fiscais firmando mais PPPs. “Tudo bem colocar 15%, mas vender isso como algo que vai solucionar o problema não é certo.”
Valor Econômico