“Gente muito séria tem trabalhado com isso e ajudado a população”, diz ‘busólogo’ sobre paixão por ônibus

Cuiabá – No último mês de outubro, o vereador Toninho de Souza (PSD) apresentou um projeto com o intuito de instituir no calendário de eventos de Cuiabá o dia 25 de julho como data do “busólogo”. Ismail Caetano, ex-diretor administrativo da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados de Mato Grosso – Ager/MT, é um dos que se define como “busólogo”.
O projeto do vereador gerou polêmica e foi alvo de críticas, segundo Ismail, por falta de conhecimento. De acordo com ele, “busólogo” é quem é aficionado por ônibus. Ele afirma que, apesar de soar estranho, muitas pessoas sérias possuem este hobby e encontram aplicações práticas para ele. Ismail compara sua paixão por ônibus à dos que se sentem da mesma forma com relação a carros de corrida ou caminhões. Ismail também afirmou que seu fascínio pelos veículos já foi responsável por ajudar em decisões que beneficiaram a população.
Ismail conta que o termo “busólogo” foi criado em São Paulo, quando um senhor que trabalhava em uma fábrica recebeu esta alcunha de seus colegas. O termo só foi se popularizar com o advento da internet.
“Era um termo que ninguém conhecia, com a internet, na época do Orkut mais ou menos, que começou o aglomerado, que as pessoas começaram a se encontrar, apesar que antes disso tinham pessoas que trocavam cartas, eu inclusive, mandávamos fotos um para o outro, e era uma coisa que nós ficávamos meio quietos, porque falar para alguém que gostamos de ônibus, as pessoas iriam achar loucura. Mas depois que veio a internet isso se popularizou, hoje tem milhares de pessoas em grupos e comunidades”, explicou.
Segundo Ismail, o hobby se assemelha ao dos amantes de automobilismo. Os “busólogos” trocam informações sobre os diferentes modelos de ônibus, compartilham fotos, novidades, e eventualmente visitam rodoviárias para ver os veículos.
Ele relata que sua paixão por ônibus vem das memórias que tem da infância, quando fazia várias viagens de ônibus com o pai. Seus pais se separaram quando ainda era muito novo e por causa disso por diversas vezes fez o trajeto de Sinop, em Mato Grosso, até o Espírito Santo de ônibus.
“Minha história de paixão por ônibus é muito de memória afetiva, meu pai me levava para viajar desde muito cedo lá no Espírito Santo. Então ele me levava para o Rio de Janeiro, e íamos de ônibus, vi os tribos da Itapemirim na época, e aquilo para mim era o mundo, então eu trago isso de lá, só que eu não falava isso para ninguém, era meio que escondido. Por exemplo, eu faltava aula para ir para a rodoviária pintar, ficar desenhando ônibus, então isso vem da minha infância”, contou.
Segundo ele, ainda quando criança conversava muito com motoristas de ônibus, que lhe explicavam sobre os modelos, chassi, motor, etc. Ismail afirma que hoje conhece tanto sobre o assunto que consegue identificar um motor de ônibus apenas pelo som. O “busólogo” conta que seu pai sempre apoiou esta paixão. Já sua esposa a princípio o criticava bastante, mas acabou entendendo.
“No início só o meu pai sabia, e ele foi muito apoiador, eu chegava para ele para mostrar os desenhos, ele gostava muito, mas quem eu tentava me aproximar na época para falar, me chamavam de louco, então eu não falava isso para ninguém. […] Já minha esposa, eu falo para ela que prefiro 30 horas de ônibus a três horas de avião, e ela falava que eu era louco, mas depois que me viu trabalhando, viu os resultados, aí passou a respeitar mais, entendeu que isso é a minha profissão, minha paixão, algo que me faz crescer profissionalmente”, disse.
Em Mato Grosso, segundo Ismail, a comunidade dos busólogos conta com cerca de 50 pessoas. Alguns deles trabalham como motoristas, alguns em empresas de transporte, e outros em profissões sem qualquer relação com o hobby. Ismail afirma que conhece motoristas que estão nessa profissão apenas pela paixão por ônibus.
“Eles sofrem com frota sucateada, jornadas de trabalho ruins, não é só porque precisam, mas é por paixão, porque um motorista que dirige ônibus pode ir para carreta, pode fazer outro tipo de serviço, mas eu conheço muita gente que está ali atrás do volante porque ama ônibus, porque gosta daquilo. Nós temos um amigo no grupo, que é um dos melhores motoristas que existem, inteligentíssimo, todos chamamos ele de mestre, e ele trabalha por amor, é super culto, a gente fala ‘esse cara podia sair para ganhar mais’, mas não, ele está ali por paixão”.
Quando se mudou para Mato Grosso, Ismail trabalhou em várias licitações de transporte e com isso teve a oportunidade de viajar o Estado inteiro de ônibus. Ele conta que no trabalho já foi alvo de piadas, mas afirma que seus colegas passaram a entender quando viram a utilidade de seu conhecimento.
“No início me achavam louco, mas depois começaram a respeitar, teve um dia que eu ajudei em uma auditoria e viram que eu entendo. Eu recebi uma moção de aplauso da Câmara de Vereadores de Juara, por ajudar na licitação do transporte, então qual o preço disso sabe? Eu trabalhando com o que eu amo e ainda fui gratificado por isso, ajudando a população mato-grossense a pagar mais barato pelo transporte”, contou.
Ele defende que existem pessoas sérias que possuem este hobby. Entre jornalistas, empresários, e de outras profissões, mais de 65 mil pessoas no Brasil fazem parte das comunidades online sobre ônibus. A internet é o principal meio de contato entre eles, que eventualmente também fazem visitas às rodoviárias.
“Não tem a galera que reúne para ver fusca antigo? Se você for racional e preconceituoso você vai achar loucura também. Mas as pessoas gostam. É a nossa paixão, a gente tem prazer, vamos para a rodoviária, sentamos numa roda de amigos, conversamos sobre as compras novas das empresas, tiramos fotos. Não é algo que faz mal e tem gente muito séria que tem trabalhado com isso e ajudado a população, tem uma galera que faz a diferença”.
Ele afirma que ainda se incomoda com as piadas e que isso piorou na época em que veicularam reportagens sobre os “busólogos”. Ele se diferencia dos tipos de “busólogos” que foram retratados nestas reportagens e defende que existem pessoas sérias neste meio.
“Quando saíram estas reportagens nós mesmos não gostávamos de usar esta nomenclatura, porque dava vergonha. Estas reportagens denegriram muito, mas tem muita gente séria, muitos usam isso como seu ganha pão. A forma que a matéria retratou, a gente respeita quem curte daquela forma, mas a maioria não é assim. Depois que eu fui para a Ager, trabalhei por um ano com licitação de transporte, e vi o quanto a minha paixão foi benéfica à população, ajudei muito a equipe daqui, aí eu comecei a pensar ‘isso não é coisa de louco’, é algo que não existe formação específica sobre, mas eu sou um autodidata dessa área, então existe uma galera séria disso aí”, disse.
Ismail diz que se sente privilegiado por poder trabalhar com algo que ama. Uma das memórias mais fortes que tem, ele conta, foi quando, a trabalho, teve a oportunidade de entrar em um ônibus que via muito quando era criança.
“Às vezes eu falo que não trabalho, porque é minha paixão. Eu lembro que eu fui para um evento, aí lá tinha dois ônibus da Viação Itapemirim, estavam exposto nas relíquias. Tinha um ônibus tribos da década de 1980 e do lado dele tinha outro da Itapemirim que era um serviço leito, rodonave de 1999. E eu lembro que eu entrei e comecei a chorar, aí meu chefe me perguntou porque eu estava chorando, e eu disse que quando era criança sempre sonhava em entrar em um rodonave, mas a gente não tinha dinheiro para isso, viajávamos de tribos, que é o convencional, então é uma memória que tem muito forte dentro de mim”, contou.
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