Cidades anunciam investimentos em corredores e faixas exclusivas

Se você vive em alguma cidade grande provavelmente já ficou preso por horas no trânsito. Os engarrafamentos intermináveis devido ao alto fluxo de veículos nos horários de pico passam um recado claro: as cidades brasileiras padecem de mobilidade urbana adequada e de iniciativas que priorizem transportes mais inclusivos e sustentáveis.
Foto: Ilustração/Arquivo – UNIBUS RN
Segundo o documento “Construindo Hoje o Amanhã”, elaborado pela FNP, ANTP, NTU e Fórum Nacional de Secretários de Mobilidade, a falta de planejamento desde o início do desenvolvimento dos grandes centros urbanos resultou em problemas que são sentidos até hoje. “Poucas cidades brasileiras foram planejadas. Mesmo em lugares como Belo Horizonte, o desenvolvimento acelerado não seguiu as mesmas de?nições originais da criação. Essa con?guração gerou vias mais acanhadas na sua largura, cujo leito passou a ser objeto da disputa de um crescente aumento dos veículos automotores no País”, diz o documento.
A disputa pelo tráfego nas grandes cidades, aliada à falta de investimento em transporte público, gera a chamada crise da mobilidade urbana. O resultado pode ser sentido em três aspectos principais: demora na espera pelo ônibus, aumento da emissão de poluentes e elevação do custo dos serviços de transporte público.
Atualmente, os principais investimentos dos governos são em modos de deslocamento individuais em detrimento dos modais coletivos. Segundo dados do Sistema de Informações da Mobilidade Urbana (Simob) da ANTP, do total de recursos investidos em infraestrutura viária no Brasil em 2016, 78% foram aplicados em transporte individual (TI). Além disso, a grande maioria das cidades brasileiras com mais de 20 mil habitantes ainda não elaborou seu Plano de Mobilidade Urbana (PMU), uma obrigação prevista desde 2012, mesmo após o prazo de adesão ter sido adiado por duas vezes.
De acordo com levantamento realizado pela Secretaria Nacional de Mobilidade e Serviços Urbanos (Semob), do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), até setembro de 2019, 834 municípios declararam possuir um PMU ou estar em processo de elaboração. Desse total, apenas 313 afirmam já ter produzido o documento, sendo que 43% possuem mais de 250 mil habitantes e 79% estão localizados nas regiões Sul e Sudeste.
Os números refletem o tamanho do desafio enfrentado pelos governos, especialmente municipais, para garantir aos cidadãos o direito social ao transporte público de qualidade. Segundo especialistas, a busca por melhorias em transporte público é a melhor saída para reverter esse quadro. A proposta setorial “Construindo Hoje o Amanhã” vai além e aponta a priorização viária para os coletivos urbanos como a alternativa de melhor custo-benefício em termos de infraestrutura para a mobilidade urbana.
As soluções de priorização mais adotadas por cidades brasileiras são as faixas exclusivas e corredores para ônibus. Segundo dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), o Brasil tem atualmente uma extensão de 1.515,4 km de faixas exclusivas, implantadas em 43 cidades. Os corredores de ônibus contam com 206 empreendimentos presentes em 63 cidades, resultando em um total de 1.216,4 km de extensão. Além de 1.671,4 km de corredores de sistemas BRT. Para enfrentar efetivamente o desafio do trânsito, porém, o total de faixas exclusivas, corredores e sistemas BRT deveria contemplar cerca de mais 9.000 km de obras, distribuídos nas 112 cidades brasileiras com mais de 250 mil habitantes — essa é a proposta detalhada no documento setorial “Construindo Hoje o Amanhã”.
De acordo com o Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), as faixas exclusivas são ideais para o estágio inicial da priorização do transporte coletivo, além de serem mais economicamente viáveis. “Não se verifica qualquer barreira física, apenas o uso da sinalização horizontal e vertical para orientar condutores a utilizar as faixas adequadas para cada tipo de veículo. Com implantação e operação simples, essa solução mostra-se financeiramente viável a um grande número de cidades, uma vez que são necessários poucos recursos e também pouco tempo para adotá-la”, diz um documento da entidade.
Estudos da NTU, de 2013, mostram que a implantação das faixas é viabilizada em curto prazo (entre 1 e 6 meses), e o resultado atende de imediato às expectativas da população. Além disso, os investimentos são de baixo custo, variando de R$ 100 mil a R$ 500 mil reais por quilômetro. Os resultados contribuem positivamente para a mobilidade da cidade e são sentidos na redução do consumo de combustível, das emissões de poluentes e na diminuição do tempo de viagem.
Apesar de grandes benefícios, somente três projetos de priorização do transporte público tiveram sua operação iniciada no Brasil no período 2018-2019 — um Sistema BRT e uma Faixa Exclusiva em Niterói (RJ), e outra Faixa Exclusiva em Curitiba (PR), segundo o último Anuário da NTU. Felizmente o cenário começa a mudar, com anúncios recentes de novos projetos de faixas e corredores exclusivos para ônibus.
Cidades voltam a priorizar o coletivo
São Paulo (SP) é uma das cidades que pretendem investir na priorização: durante o evento Arena ANTP, realizado em setembro de 2019, o analista de políticas públicas de mobilidade da Secretaria de Mobilidade e Transportes de São Paulo, Luan Ferraz Chaves, informou que a cidade pretende expandir seus corredores de ônibus para 565 km de extensão até 2028.
Segundo a SPTrans, São Paulo conta atualmente com 12 corredores de ônibus municipais que, somados, têm 129,1 quilômetros de extensão total, além de um corredor metropolitano com 15 km de extensão. Além dos corredores, a cidade possui 519 quilômetros de faixas exclusivas que beneficiam, em conjunto, cerca de 10 milhões de passageiros por dia. A cidade possui cerca de 17 mil km de vias.
Os corredores são utilizados por cerca de 240 linhas municipais com um total de 2.700 veículos, representando 21% da frota total em operação. Entre 2017 e 2018 foram também requalificados 45 km de corredores ou faixas exclusivas. Além disso, o programa de metas prevê, para o biênio 2019/2020, a requalificação de 43,4 km de corredores ou faixas exclusivas de ônibus em mais doze vias.
Segundo a SPTrans, “o serviço de transporte coletivo público, organizado em rede, integrado e com tarifa módica é o único meio de transporte que pode ser universalizado, com baixos impactos ambientais e altos impactos econômicos e sociais, garantindo o acesso de todos os habitantes às oportunidades que a cidade oferece. Nesse cenário estratégico, os corredores são instrumentos fundamentais para garantir a priorização de circulação dos ônibus estruturais no sistema viário e, dessa forma, constituir-se, em parceria com os sistemas de transporte sobre trilhos (Metrô e CPTM), no suporte físico que organiza e estrutura toda a rede de atendimento do transporte coletivo”.
Por sua vez, Joinville (SC) planeja expandir seus corredores de ônibus para 60 km no total. Segundo a prefeitura da cidade, a meta é que até o fim de 2020 a cidade tenha 35 km a mais de corredores do que os 25 km atuais. Os bairros que receberão os empreendimentos são da região Central, Norte e Sul da cidade.
A prefeitura ressaltou ainda que a implantação dos novos corredores depende da requalificação de vias que já estão em andamento. E que esses empreendimentos trarão benefícios para a população porque “proporcionam melhor mobilidade do sistema do transporte coletivo”.
A capital do Mato Grosso, Cuiabá, também tem percebido bons resultados após a implantação de faixas exclusivas. Em 2017 a cidade inaugurou 14 km dessas faixas, mas as operações só começaram em 2018, após diversas campanhas de conscientização dos motoristas e da população em geral. 
De lá para cá, o transporte público da cidade passou a ter 30% mais agilidade em alguns casos, de acordo com o secretário de Mobilidade Urbana de Cuiabá, Antenor Figueiredo. Além disso, a cidade conseguiu manter o mesmo número de viagens e diminuir em 15% o número de ônibus. Segundo Figueiredo, as faixas trouxeram melhorias para a capital. “Isso significa que foi possível remanejar os veículos conforme as demandas de outras linhas. O saldo é extremamente positivo, tanto para a administração, quanto para a sociedade”.
O secretário diz ainda que pretende expandir as faixas para outras vias. “Estudamos a viabilidade de implantação nas avenidas João Gomes Sobrinho, Trabalhadores e Fernando Correa, que são vias com fluxo bastante intenso em Cuiabá. Nesses casos, a maior dificuldade diz respeito à largura das avenidas, por isso os nossos setores de Trânsito e Transporte ainda estão nessa fase de estudos”, conta.
Pioneirismo em faixas exclusivas
A capital do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, é uma das pioneiras em investir em faixas exclusivas para melhoria do transporte coletivo. A primeira foi inaugurada ainda na década de 1970. Atualmente, a cidade conta com 17 km de faixas exclusivas e com uma frota composta por 1.544 ônibus que transportam, em média, 840 mil passageiros todos os dias. E o número de faixas vai mais que dobrar.
Segundo o Projeto de Priorização do Transporte Coletivo, divulgado pela prefeitura em setembro de 2019, a cidade vai implantar mais 22 km de faixas exclusivas em 16 trechos da Capital até março de 2020.
De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), de Porto Alegre, a estimativa é que as novas faixas exclusivas proporcionem uma redução em média de 9% no tempo de percurso nos horários de pico, além de trazer mais segurança para os usuários.
“Diariamente 450 mil usuários serão beneficiados com redução dos riscos de acidentes, mais agilidade nas viagens e menos tempo no deslocamento — o que pode atrair novos passageiros e qualificar o atendimento para quem já é usuário. Outro ponto importante a ser destacado é que as faixas exclusivas garantem maior regularidade na velocidade média de operação do transporte e, consequentemente, na pontualidade do cumprimento dos horários” diz a empresa.
Segundo a assessoria de imprensa da EPTC, os benefícios também podem ser sentidos na redução dos custos dos serviços e na sustentabilidade da cidade. “As reduções dos tempos de deslocamento possibilitam a otimização dos recursos operacionais empregados para execução das viagens (frota e pessoal), uma vez que é possível realizar um determinado conjunto de viagens com um menor número de veículos. Isso reflete direto no cálculo tarifário e no gasto da população com transporte. Além disso, investir na qualificação do transporte coletivo permite reduzir as emissões de poluentes, melhorar a segurança no trânsito e a qualidade de vida da população”.
Para a EPTC, o maior desafio é conscientizar a população da importância de adotar medidas de incentivo ao transporte coletivo em detrimento do transporte individual. De acordo com a última pesquisa realizada pelo município (Fonte EDOM: 2003), 25% dos deslocamentos eram realizados pelo transporte individual, 43% com o uso do transporte público e 32% a pé, bicicleta ou outro modo. A estimativa atual é que o transporte individual responda por 34% dos deslocamentos, com redução do transporte público para 31% e os demais meios como a pé, bicicleta ou outro modo de deslocamento somando 35%.
A empresa reforça ainda que os esforços para reverter o cenário da mobilidade urbana no Brasil dependem não apenas dos governos, mas da população em geral, que deveria escolher o ônibus como meio de transporte devido à sua capacidade de transportar até treze vezes mais pessoas que o transporte individual com o uso da mesma infraestrutura.
“É preciso reverter esse cenário (atual) para garantir a mobilidade da cidade, pois não há espaço viário e nem investimentos suficientes para suportar o acréscimo de automóveis no trânsito. A população precisa compreender que, sem a adoção dessa medida, é impossível obter uma mobilidade eficiente na cidade”, finaliza.
Revista NTUrbano Ed. 41 Setembro/Outubro de 2019
NTU

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