Custo de manutenção e vandalismo tiram bikes e patinetes das ruas

A multiplicação de patinetes e bicicletas de aluguel que alteraram a paisagem nos centros de muitas cidades brasileiras nos últimos anos sofreu um revés. A suspensão temporária dos serviços oferecidos pela Grow – dona das patinetes Grin e das bicicletas Yellow –  e o fim das operações brasileiras da Lime, concorrente no compartilhamento de patinetes, refletem problemas vividos por outras empresas do setor pelo mundo. O gasto pesado com logística e manutenção de equipamentos (fruto de desgaste e vandalismo). Além disso, tentam viver sem patrocínio privado ou subsídio público, o que dificulta a viabilidade desses negócios.
Foto: José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas/Ilustração
Nesta semana, a Grow informou a suspensão da circulação de todas as suas bikes Yellow. As patinetes sairão das ruas em 14 cidades, mas continuarão a ser oferecidas em São Paulo, Rio e Curitiba. O que pode ser uma surpresa para os usuários não espanta especialistas em mobilidade diante das dificuldades desse tipo de operação.
– Nesse modelo, sem estações fixas, as bicicletas são espalhadas pela cidade, e a logística para colocá-las onde o usuário precisa custa caro. Como essas empresas precisam ganhar escala para aumentar a receita, a operação vai encarecendo e a equação não fecha – explica Daniel Guth, pesquisador de mobilidade urbana e diretor executivo da Aliança Bike, associação do setor de bicicletas.
No caso das bicicletas, as operações que se consolidaram, no Brasil e em outros países, estão integradas com políticas públicas de mobilidade de prefeituras — ou recebem patrocínio privado ou público.
Calcula-se que o custo de logística para operações de compartilhamento de bicicletas dockless (sem estação) seja dez vez mais caro do que para empresas que operam com estações fixas.
Guth lembra que empresas como a Yellow ou a Lime dependem também da injeção de investimentos (normalmente por fundos de venture capital, mas dispostos a correr risco) para crescer, já que a maioria não opera com lucro.
A Grow, por exemplo, tinha a expectativa de receber um aporte do Softbank, em 2019, mas isso acabou não acontecendo. Também estava nos planos a construção de uma fábrica de bicicletas em Manaus.
Procurada, a empresa informou que não há previsão para o retorno do serviço de aluguel de bikes. A Grow não divulga o número total de bicicletas ou de patinetes que estavam à disposição do público e nem se essa quantidade será reduzida.
Os usuários que tiveram créditos não utilizados devem solicitar reembolso no botão de ‘ajuda’ do aplicativo ou através do site. A empresa não comentou sobre os planos para nova fábrica, informando que o foco agora é a reestruturação.
Assinaturas e estações ajudam
Para a cicloativista Renata Falzoni, as bikes compartilhadas e as patinetes deveriam alimentar o sistema de transporte público. Ela observa que são pouquíssimos os sistemas de compartilhamento mundo afora que funcionam sem patrocínio ou subsídio público.
A Tembici, pioneira no país que opera os sistemas Bike Sampa e Bike Rio com patrocínio do Itaú, tem se mostrado sustentável. As bicicletas são mais modernas e há estações onde elas devem ser retiradas ou estacionadas. A empresa opera com um modelo de assinatura, em que o consumidor usa um período sem custo adicional e paga o excedente.
– A assinatura faz com que o uso seja recorrente e a pessoa use todas os dias na volta do trabalho, por exemplo. Além disso, temos previsibilidade na receita com assinatura – diz Maurcio Villar, um dos fundadores da Tembici e executivo chefe de operações, que desde 2009 atua no segmento de mobilidade urbana.
A Tembici sempre opera com patrocínios privados ou público, modelo que considera ideal para dar sustentabilidade ao negócio. Além do Itaú, a Mastercard patrocina a operação na Argentina, em parceria com a prefeitura de Buenos Aires.
Em Sorocaba, interior de São Paulo, a prefeitura também subsidia parte da operação. São 14 cidades com operação da empresa e 15,8 mil bicicletas em operação e 28 milhões de viagens já realizadas.
Segundo Renata Falzoni, a crescente oferta de bicicletas compartilhadas nos últimos anos em São Paulo aumentou a procura por esse modal. Em 2018, por exemplo, o contador instalado na Avenida Faria Lima, centro financeiro da capital paulista, bateu em 1 milhão de ciclistas e patinetes. Em 2019, foram 2 milhões de usuários.
– Isso mostra que embora os sistemas de bicicletas compartilhadas e também as patinetes não estejam inseridos dentro de uma política pública como deveriam, eles são necessários na mobilidade urbana. Os números comprovam – diz a ativista.
O professor de Negócios do Insper Paulo Furquim concorda que a demanda por modais alternativos capazes de melhorar a mobilidade urbana é grande no Brasil. Portanto, há mercado para essas empresas.
Ele vê o vandalismo como um problema que pode encarecer ainda mais a operação no país, mas critica também as regulações impostas pelos municípios como obstáculos:
– As prefeituras deveriam fomentar esse tipo de modal, oferecendo estacionamentos, vias indicadas para circulação. Facilitando essas modalidades, melhoraria o transporte público. A regulação não pode ser restritiva porque isso cria obstáculos e encarece a operação.
Ideia que vem da China
A ideia do compartilhamento dockless (sem estação) veio da China e é uma prática bem difundida na Europa e nos Estados Unidos. Mas nem todos os empreendedores se deram bem.
Há casos, na China e na Itália, de muitas bicicletas danificadas terminarem abandonadas nas ruas por conta do excesso de concorrência, baixa qualidade do produto e falta de espaço. Algumas metrópoles, como Chicago (EUA) proibiram o modelo.
No caso das patinetes, Daniel Guth, da Aliança Bike, explica que a durabilidade do equipamento é muito baixa — um mês e meio — e a manutenção cara. Além disso, com baixa durabilidade, é preciso substituir esses equipamentos num prazo de tempo relativamente curto. E a maioria desses equipamentos é fabricada na China.
– A patinete é altamente descartável e o preço das corridas é mais alto, portanto um equipamento elitizado. Diferente das bicicletas, não está integrado à política pública de mobilidade urbana – afirma o especialista, lembrando que São Paulo tem quilômetros de ciclovias, que se integram a estações de metrô ou de trens e terminais de ônibus.
Vandalismo
Depois do anúncio da Yellow, circularam pelas redes sociais imagens de bicicletas destruídas ou quebradas, com usuários atribuindo à depredação ao fato de a empresa ter tirado as bikes temporariamente de circulação. A Polícia Civil de São Paulo também prendeu, nesta semana, uma quadrilha que roubava patinetes de uma empresa, retirava os rastreadores e vendia os equipamentos por R$ 500 na internet.
Guth lembra que o vandalismo não existe só no Brasil, mas em outras cidades do mundo e já está contemplado no plano de negócios das empresas. Ele lembra que a cidade onde há mais danos às bicicletas compartilhadas é a capital francesa, Paris.
O Globo

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