O Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos (Seturn) pede à Prefeitura de Natal a revisão da tarifa de ônibus da cidade, atualmente fixada em R$ 3,90 para passagem eletrônica e R$ 4 em dinheiro. O pedido foi encaminhado à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU) na segunda-feira (27) em uma carta de sete páginas com a alegação de que a tarifa atual não condiz com as despesas. A base é um estudo elaborado pelo especialista em transporte Rubens Ramos a pedido do próprio Seturn, que aponta um prejuízo de R$ 70 milhões nos últimos quatro anos para as empresas.
Foto: Rubson Caetano/Ônibus Brasil |
O pedido atual, obtido com exclusividade pela TRIBUNA DO NORTE, se diferencia dos realizados em anos anteriores por pedir atualização da planilha de gastos para inserir o preço de veículos novos e a despesa com a instalação dos GPS e da tarifa eletrônica – feitos anteriormente, mas que não foram cobrados. Os empresários também classificam o sistema de transporte atual como ultrapassado. A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana informou que a carta ainda não chegou ao gabinete e preferiu não se pronunciar.
Apesar do pedido, a carta não fixa o novo preço tarifário. Segundo o especialista Rubens Ramos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e autor do estudo técnico, esse valor seria próximo de R$ 5 no atual modelo. Entretanto, o professor defende que não haja aumento, e sim uma mudança no sistema de ônibus. “Aumentar a passagem leva a uma queda de passageiros e isso a gente já observou nos últimos anos. Se o sistema for atualizado, o preço da passagem poderia cair e chegar a R$ 3,50”, ressalva.
A lógica de Rubens Ramos é de que a maioria dos ônibus de Natal são linhas “irracionais” que não atendem à população e geram prejuízo às empresas por rodarem vazios em determinados trechos. “A maioria do ônibus que sai da zona Norte e vai até o Natal Shopping atende passageiros que descem no Midway. Do Midway ao Natal Shopping, ele roda vazio. Isso é gasto de combustível e tempo. Não atende a população de forma satisfatória e gera prejuízo”, exemplifica.
Há pelo menos dois anos, os empresários pedem reajuste da tarifa com o argumento de buscar equilíbrio das despesas, mas ressaltam que os aumentos levam à queda de passageiros, gerando mais prejuízo. Em quatro anos, a perda anual de passagens foi de 20 milhões. A saída foi solicitar isenções fiscais e subsídios, mas a Prefeitura de Natal já afirmou que não é possível dar as concessões por conta das dificuldades fiscais. O governo estadual, responsável pela cobrança de imposto sobre o diesel, também afirma que não pode abrir mão da receita, que chegou a R$ 816 mil em 2018.
Uma das principais críticas de Rubens Ramos é o poder público não abrir mão desses impostos e, do outro lado, os empresários repassarem o peso aos usuários. Os impostos atuais com governo e prefeitura representam R$ 0,70 no preço atual. “É receita pequena para o poder público, mas pesada para o usuário. As empresas têm uma cultura de repassar o custo do imposto para o usuário e acaba encarecendo. O mais viável seria deixar de cobrar porque não teria um impacto alto. É cerca de 0,6% das receitas”, afirma o professor.
Outra crítica é a falta de subsídio com relação às passagens gratuitas (idosos e deficientes) e meiapassagens (estudantes). Sem subsídio, essas passagens são cobertas pelos passageiros que pagam o valor integral. “Sem nenhum aporte público, os custos das empresas para lidar com gratuidades torna o prejuízo ainda maior e pesa no bolso do passageiro que paga inteira”, diz Rubens.
A defasagem entre receitas e despesas no transporte coletivo de Natal é alegada pelos empresários pelo menos desde 2003, sempre com pedidos de reajuste tarifário e posterior concessão. O último reajuste tarifário aconteceu no dia 16 de maio do ano passado. O valor passou de R$ 3,65 para R$ 3,90 (eletrônico) e R$ 4 (dinheiro em espécie). Na época, o Seturn chegou a pedir R$ 4,35 no início das discussões.
Empresas alegam prejuízo de R$ 73 milhões
As cinco empresas de ônibus que atuam no transporte coletivo de Natal alegam na carta enviada à Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana estarem em uma situação “quase pré-falimentar” por acumularem um prejuízo de R$ 73 milhões entre 2016 e 2018. Os principais fatores são a perda de passageiros e a distância percorrida maior que a prevista anualmente. Segundo o estudo elaborado pelo professor universitário Rubens Ramos, as receitas com passagens caíram R$ 23 milhões entre 2016 e 2018, período em que a passagem aumentou de R$ 0,75.
No mesmo período, as empresas reduziram os gastos variáveis (combustível e manutenção da frota) em R$ 9 milhões e a distância percorrida caiu em 7 milhões de quilômetros. Mas a redução não foi suficiente para evitar o prejuízo. “A queda de receitas devido à queda da demanda não foi acompanhada de redução de custos variáveis com redução de quilometragem rodada, resultando no caso em análise de um desequilíbrio econômico-financeiro continuado ano a ano”, ressalta o estudo.
Além da diminuição ano a ano, os cálculos de previsão de receitas e despesas do transporte coletivo feitos pela STTU também não se realizam. Em 2018, a estimativa era ter 66 milhões de passagens, mas a frustração foi de 4,8 milhões. Isso se refletiu em R$ 16 milhões a menos de receitas previstas. Em contrapartida, a frota de ônibus percorreu 1,7 milhão de quilômetros a mais que o previsto.
Segundo o Seturn, o prejuízo tem um reflexo “na qualidade do serviço e na capacidade de investimento das empresas, diante da impossibilidade econômica de renovação da frota.” Outro fator que agravaria ainda mais esse quadro é “uma exigência cada vez maior da sociedade por um serviço de qualidade e pela adoção de inovações tecnológicas na operação do transporte público de passageiros.”
Os empresários também reclamam na carta da falta de contrapartida remuneratória. Os principais pedidos relacionados a isso nos últimos anos foram a isenção de impostos, que diminuiria R$ 0,70 da tarifa, e a concessão de subsídio para cobrir benefícios. Com relação ao último, o prefeito Álvaro Dias já afirmou que não é possível devido à crise fiscal enfrentada pelo município. Na avaliação do professor Rubens Ramos, isso indica um sistema em colapso. “A prefeitura não tem lançado na tarifa de ônibus os cálculos reais para esconder uma realidade de colapso, porque isso se tornaria muito caro para o usuário de transporte”, afirma. “Mas se aumentar o preço da tarifa para o que é sustentável economicamente às empresas, o usuário não pode pagar o valor. Todos os anos tentam chegar a um meio de caminho, que não é bom para os dois lados.”
Rubens Ramos: “O sistema está em colapso”
Rubens Ramos, professor da UFRN – Foto: Magnus Nascimento/Tribuna do Norte |
Em quanto tempo o sistema de transporte atual pode entrar em colapso por ter despesas altas e demanda em queda?
Já está em colapso. A prefeitura não tem lançado na tarifa de ônibus os cálculos reais para esconder uma realidade de colapso, porque isso se tornaria muito caro para o usuário de transporte. Nos últimos 4 anos, os empresários perderam R$ 91 milhões de reais nas receitas, considerando o que deixou de ser cobrado por instalação do GPS e bilhetes eletrônicos, além da defasagem entre demanda e quilometragem. Mas se aumentar o preço da tarifa para o que é sustentável economicamente às empresas, o usuário não pode pagar o valor. Todos os anos tentam chegar a um meio de caminho, que não é bom para os dois lados.
Quais são os principais problemas do transporte coletivo em Natal?
Os problemas no transporte coletivo não é exclusividade de Natal. Capitais com Maceió, Recife, Porto Alegre e Rio de Janeiro também enfrentam situações parecidas, com existência de linhas “irracionais”. Na verdade, o bom sistema de transporte é exceção de algumas cidades. Em Natal, o maior problema é que existem muitas linhas obsoletas, que funcionavam 30 anos atrás. Por exemplo, o bairro da Ribeira recebe muitos ônibus, mas não tem a mesma demanda de antes. A maioria roda vazio depois do cruzamento das avenidas Alexandrino de Alencar e Hermes da Fonseca. Seguem vazios, com gastos de combustível e tempo, sem receber receitas. Nos fins de semana, a dinâmica da cidade muda, mas as linhas de ônibus são as mesmas. Isso gera outro prejuízo, porque a frota é reduzida, o cidadão tem que esperar 2h por um ônibus e, por outro lado, o empresário tem um gasto de ônibus vazio rodando por aí. O problema são essas linhas obsoletas e irracionais.
A chegada de novos modelos de transporte, como o de aplicativo, também influencia no sistema de transporte coletivo?
Com certeza. Você não tem como atrair as pessoas se oferta um serviço caro com a qualidade do ônibus atual de Natal. Se você quer ir de um bairro a outro, sai mais barato você pegar um Uber com um amigo do que gastar uma passagem de ônibus, que vai ser velho, barulhento e vai demorar para passar. Isso já aconteceu antes, com as motos. Natal tem um número muito grande de motos. São pessoas que deixaram de andar de ônibus.
Licitação
Um ano depois da sanção da lei que realizou mudanças na regulamentação do transporte, o edital de licitação ainda não foi lançado. A data de abertura foi adiada quatro vezes, desde que os anúncios se iniciaram, em junho do ano passado. O processo se encontra desde o dia 18 de dezembro na Secretaria Municipal de Admistração (Semad).
No primeiro edital de licitação de transporte lançado pela STTU, no fim de 2016, o tempo entre a sanção da lei e o lançamento do processo durou 1 ano e 6 meses, segundo o processo protocolado na Prefeitura de Natal. O edital deu deserto. Seis meses depois, em maio de 2017, a prefeitura fez outra tentativa, também frustrada.
A prefeitura decidiu realizar mudanças na lei aprovada em 2015 para se adequar aos pedidos dos empresários, aprovando a previsão de 20% das receitas do Fundo Municipal de Transporte Coletivo (FMTC) para o subsídio, redução gradual da idade mínima para gratuidade dos idosos de 65 para 60 anos e idade média de veículos de até 4 anos. As mudanças foram aprovadas em dezembro de 2018 pela Câmara Municipal de Natal.
Tribuna do Norte