Do Valor Econômico
Foto: Antonio Cruz/Ag. Brasil/Fotos Públicas/Ilustração
As concessões de mobilidade urbana começam 2021 ainda sob risco e sem perspectiva de uma retomada. A movimentação de passageiros tem se recuperado mais lentamente do que o esperado, e o caixa das companhias segue pressionado, mesmo com medidas para conter os custos.
Em dezembro de 2020, a movimentação de passageiros em metrôs e trens urbanos no país registrou queda de 38,5%, ainda muito longe de uma retomada efetiva, segundo a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANPTrilhos).
“Em junho do ano passado, acreditávamos que a movimentação voltaria ao normal ao fim de 2021. Hoje, acreditamos que isso só ocorrerá no fim de 2022, início de 2023”, afirma Antonio Carlos Sanches, presidente da Supervia, empresa que opera o sistema de trens urbanos na região metropolitana do Rio de Janeiro.
“A expectativa era uma recuperação mais rápida, mas veio a segunda onda da pandemia, houve mudanças de comportamento de passageiros. Com a vacina pode haver uma aceleração, mas é difícil prever”, diz Luís Valença, presidente da CCR Mobilidade.
As concessões do Rio são as mais vulneráveis, tanto pela grave crise fiscal do Estado, quanto pelos contratos mais antigos, que não preveem mecanismos de mitigação de riscos. Em meados de 2020, as concessionárias chegaram a anunciar que o caixa se esgotaria até o fim de agosto.
Desde então, as empresas conseguiram fôlego adicional. Foi feita uma nova suspensão dos pagamentos de dívidas do BNDES, que agora vai até março deste ano, além de novas renegociações com fornecedores.
Além disso, a operação passou a ser reduzida, afirma Sanches. “Retiramos alguns trens de circulação, aumentamos intervalos. Com isso, conseguimos uma redução significativa de custos. Também renegociamos insumos e peças com fornecedores. Em vez que pagar em duas, três vezes, vamos pagar em dez, doze vezes. Fizemos de tudo para esticar nosso caixa, que continua sob risco.”
No ano passado, chegou a ser aprovado no Congresso um pacote de ajuda federal ao setor de mobilidade, mas o projeto foi vetado pelo presidente. Para as empresas, os recursos não resolveriam o rombo, mas dariam alívio ao caixa e garantiriam a continuidade da operação, principalmente no caso do Rio, afirma Joubert Flores, presidente da ANPTrilhos. A entidade promete continuar buscando o apoio da União.
As concessionárias no Rio também têm retomado as conversas com o governo do Estado, para viabilizar o reequilíbrio dos contratos. Embora a situação fiscal seja grave, haveria outras formas de compensações. O governo poderá, por exemplo, assumir obrigações de investimento que hoje estão previstas nos contratos.
Hoje, a esperança é que os reequilíbrios avancem, que a retomada se acelere e que o BNDES aceite novas renegociações. “Há discussões para repactuar a dívida, diluir as parcelas ao longo do prazo da concessão”, diz o presidente da Supervia, controlada pela japonesa Mitsui.
O BNDES diz que, hoje, não há previsão de uma nova rodada de suspensão de pagamentos, mas afirma que está em constantes conversas para apoiar os segmentos afetados pela pandemia.
Já a concessionária MetroRio, da Invepar, acaba de realizar uma emissão de debêntures, no valor de R$ 1,2 bilhão e prazo de 10 anos e 11 meses. Os recursos serão usados na operação da via e no pagamento de dívidas com BNDES, Caixa, Banco do Brasil e outros debenturistas. Como garantia, foram dadas as próprias receitas da operação.
No caso da CCR, que opera o VLT Carioca, a Linha 4-Amarela em São Paulo, e o Metrô de Salvador, a situação é mais confortável porque há diluição do risco nos vários contratos, diz Valença. Ainda assim, a situação preocupa.
As concessões na Bahia e em São Paulo preveem um ressarcimento quase automático em caso de queda da movimentação de passageiros, o que dá mais segurança. No entanto, a retração superou os limites previstos nos contratos. Além disso, para evitar aglomerações nos trens, as concessionárias têm tido custos maiores, porque não podem reduzir a operação na mesma proporção da queda de demanda. Portanto, ainda será preciso discutir com os governos como será feita a recomposição das perdas.
“Evidentemente, o caixa está sofrendo, mas até agora foi possivel administrar. Não estamos recebendo o valor que gostaríamos. Tivemos que negociar o prazo das recomposições, porque o próprio caixa dos Estados foi afetado. Mas os repasses têm sido suficientes para sair de uma situação crítica”, afirma Valença.
As discussões sobre o cálculo dos reequilíbrios em São Paulo estão no início, e deverão avançar uma vez que o Estado sair da situação de calamidade pública, quando poderá ser medido o impacto total da crise. Na Bahia, a situação está mais avançada porque o contrato prevê análises periódicas dos desequilíbrios, então já há uma comissão formada para discutir o tema, diz ele.
No Rio, além das discussões sobre reequilíbrio, também deverá haver negociações em torno dos reajustes tarifários, que são corrigidos pelo IGP-M. A Supervia deve aplicar, a partir de fevereiro, um reajuste de 25,5%. O Estado ainda avalia medidas para evitar o repasse completo – o que poderia ocorrer, por exemplo, com subsídio ou um “parcelamento” da alta pelos próximos anos.
Procurada, a Secretaria de Estado de Transportes diz que fará “uma reestruturação completa dos contratos” e que serão feitos estudos para a “redução do impacto dos reajustes tarifários”, mas não explicou como isso seria feito. Sobre reequilíbrios, não respondeu.