Do UOL
Foto: Cleber Souza/UOL
O motorista de ônibus Wellington Leite, 37, trabalha por até dez horas diárias, em uma linha que cruza a zona sul de São Paulo. Morando com sua esposa, quatro filhos e uma neta, ele diz que “trabalha com o medo de levar o vírus para casa”, em meio à pandemia do novo coronavírus. “Os ônibus continuam cheios. Não tem distanciamento.”
Por causa do contato com o público, a Fetspesp (Federação de Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo) chegou a divulgar uma carta pedindo a inclusão dos motoristas de transportes urbanos no grupo prioritário de vacinação contra a covid-19. O plano divulgado pelo governo estadual, no entanto, não contempla a categoria.
Entidades representativas de outras profissões também pediram para entrar nesta lista, como delegados e professores.
O Sindmotoristas (Sindicato dos Motoristas e Trabalhadores em Transporte Rodoviário Urbano de São Paulo) criticou o programa de vacinação estadual. “É triste saber que nossos profissionais não foram lembrados no plano de imunização da covid-19, mesmo eles não tendo parado um único dia durante toda a pandemia”, disse, em nota, o presidente em exercício da entidade, Valmir Santana da Paz.
O sindicato diz que fez um levantamento que aponta que, de março a outubro deste ano, o sistema de transporte urbano teve ao menos 502 mortes de funcionários, entre suspeitas e confirmadas decorrentes do novo coronavírus. Os casos confirmados somariam 1.839 neste período.
A SPTrans (São Paulo Transportes) afirma que os funcionários respondem às empresas de ônibus e, por isso, não pode confirmar os números. A reportagem entrou em contato com 23 empresas e cooperativas e apenas uma delas passou dados.
Ao UOL, o governo estadual afirma que “a definição das prioridades na vacinação contra o coronavírus é baseada em protocolos e normas das autoridades sanitárias”. No dia da divulgação do plano de imunização de São Paulo, o governador João Doria (PSDB) disse que o grupo prioritário corresponde a 77% das mortes registradas no estado —ele inclui profissionais de saúde, indígenas, quilombolas e idosos.
Sensação de ‘volta à normalidade’
O UOL visitou cinco terminais do lado sul da capital paulista. A reportagem ouviu motoristas e cobradores preocupados —alguns não quiserem se identificar.
O acesso aos coletivos só é permitido com máscara, mas nem sempre a determinação é respeitada, de acordo com eles. “[Alguns passageiros] Entram com máscara, mas tiram para conversar, comer, até por não gostarem de usar máscara”, diz o motorista Leite.
Outro ponto destacado é a redução na oferta de ônibus nas ruas por causa do novo coronavírus. Segundo a SPTrans (São Paulo Transportes), o sistema opera com 11.284 coletivos atualmente —88% da frota que rodava antes da pandemia. Eles estão atendendo 60% da demanda. A empresa diz que fez recomendações de segurança para os trabalhadores e passageiros.
“Uma pandemia sem fim e a gente trabalhando para manter o transporte ativo. Vai além dos volantes e de passar troco. A gente corre o risco de pegar o vírus também”, reclama um motorista, que não quis se identificar.
Luis Gustavo, 22, cobrador de uma linha da zona sul, diz que houve uma redução da jornada no começo da pandemia, mas agora, a sensação é de estar “mais próximo à normalidade”. “Falamos só o necessário com os passageiros, para evitar contaminação. Cuidamos da nossa saúde e da dos passageiros obrigados a usar transporte.”
Segundo dados da SPTrans, houve uma redução na quantidade de passageiros transportados entre março e abril. Desde então, o número segue aumentando —embora em menor proporção entre outubro e novembro.
A SPTrans afirma, em nota, que a frota de ônibus tem sido em níveis acima da demanda e que o inquérito sorológico da Prefeitura de São Paulo mostra que a proporção de pessoas infectadas no transporte público é a mesma de quem não o utiliza.
A empresa de transporte relata ainda que adotou cuidados sanitários de combate à covid-19 e que “não há relaxamento destas medidas”.
“Além da limpeza mais pesada já realizada diariamente nas garagens em todos os ônibus, a higienização dos ônibus é reforçada entre as viagens, nos terminais municipais, principalmente nos locais onde há contato mais frequente dos passageiros, como balaústres, corrimãos e assentos”, diz o texto.