Da Folha de SP
Foto: Elianderson Silva/Ilustração
Por Vitor Callil
O país passou pelas eleições municipais. Este é em um momento de inúmeras incertezas em relação à vida urbana do brasileiro. Uma das maiores é: quem vai financiar o transporte público?
A maior parte das cidades custeia seu transporte tendo como única fonte de arrecadação a tarifa. A redução de passageiros e a crise econômica resultantes da pandemia de Covid-19 causaram forte queda na receita das operadoras deste serviço. Algumas alternativas, entretanto, vêm sendo desenhadas. Em Porto Alegre, por exemplo, Rodrigo Tortoriello propõe que o financiamento do transporte público conte com arrecadação oriunda de uma cobrança adicional sobre aqueles que usam os modos individuais motorizados, maiores causadores dos congestionamentos e da imobilidade nas cidades.
As próximas gestões municipais terão de lidar com uma equação complicada: de um lado, uma população com renda menor e maiores níveis de desemprego, além de menos dinheiro em caixa por conta de uma arrecadação reduzida. Por outro, empresas de ônibus que não conseguirão manter o serviço com os recursos previstos para o próximo ano. Em janeiro costumam ser anunciados os reajustes nas tarifas de transporte coletivo, e o quadro parece pouco favorável a uma aceitação popular sobre esse tipo de medida.
Em estudo recente, o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), em parceria com o Instituto Clima e Sociedade (ICS), pesquisou a fundo o modo como o transporte público funciona como gatilho para grandes manifestações sociais, tendo como foco os protestos de 2013.
Como hoje, naquele momento havia uma grande diversidade de demandas sociais em debate. A opinião pública encontrava-se dividida. Disputas políticas se acirraram tendo como terreno fértil de reprodução inicial a aversão da população ao ajuste tarifário. O valor é muito alto em relação aos salários. Em algumas capitais, o peso do transporte público na renda das famílias já supera 20%.
O estudo identificou também que as manifestações de 2013 funcionaram como uma janela de oportunidades para que movimentos e partidos de diferentes matizes políticos debatessem a questão. As jornadas de junho passaram, as manifestações se deslocaram para longe da mobilidade e, ao final, pouco se produziu de inovação para custear esse serviço. Com a bancarrota batendo à porta, o tema voltou à pauta e vem sendo discutido por governos, empresas, academia e organizações da sociedade.
Hoje em dia prefeituras de todo o país investem em corredores de ônibus, alargamento de calçadas, ciclovias e outras políticas de distribuição mais igualitária do espaço nas ruas. Chegou o momento de transferir a premissa de justiça também para os mecanismos de financiamento do transporte coletivo.
Evitar esse debate pode selar o sepultamento desse serviço em muitas cidades. Em meio a uma pandemia que requer recursos e atenção dos governantes para políticas de saúde, emprego e renda, aumentar a tarifa pode ser apertar o gatilho.
Victor Callil – Sociólogo, é coordenador de pesquisas em mobilidade urbana no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap)