Da NTU
Foto: Thiago Martins/UNIBUS RN/Ilustração
Nos dias 15 e 29 de novembro, milhões de brasileiros escolherão os responsáveis por conduzir os 5.570 municípios do país por meio da eleição de prefeitos e vereadores. Será a oportunidade de votar em quem tem as melhores propostas e projetos – em especial, nas áreas de mobilidade e transporte público.
Garantir que as cidades se desenvolvam pelos próximos quatro anos passa, necessariamente, por escolhas conscientes e baseadas em boas ideias. Se já é assim nas ditas “épocas normais”, imagine em tempos de pós-pandemia? Agora, mais do que nunca, a diferença de um mandato mediano ou ruim para outro de sucesso será a tomada de decisões corajosas e capazes de promover mudanças estruturais.
O coronavírus impactou de forma crítica o transporte público, que ainda enfrenta o risco de colapso do sistema. A queda drástica de uma demanda que já estava longe do ideal afetou profundamente o equilíbrio financeiro do serviço, que é essencial para a retomada econômica.
Por isso, debater o futuro do transporte público é fundamental não apenas nos palanques e plataformas de candidatos a governantes e legisladores. Cabe à sociedade como um todo aproveitar o momento de crise para discutir e por em prática um novo modelo de transporte público que faça jus aos princípios, diretrizes e objetivos da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012).
Pensando nisso, a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) lançou o documento “Linhas gerais para um programa de transporte público eficiente, barato e com qualidade para prefeitos(as) e vereadores(as)”. As propostas foram elaboradas em conjunto com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), a Associação Nacional dos Fabricantes de Ônibus (Fabus), a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e o Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana.
O documento tem um objetivo central: incentivar as candidaturas a levantar a bandeira do transporte público nas eleições municipais de 2020. “É importante a ANTP fazer essa provocação aos candidatos. Há muito desconhecimento na sociedade sobre o transporte público e fazer esse debate, bem como apontar soluções e ações que vão melhorar a vida nas cidades, é um trabalho importante. As eleições são um momento rico para colocar na pauta da agenda política o tema do setor”, afirma o presidente executivo da NTU, Otávio Cunha.
O documento apresenta um conjunto de propostas mínimas necessárias para superar os entraves históricos que impedem a evolução do transporte público no Brasil. Propostas que podem ser implantadas pelos próprios municípios, conforme a realidade de cada um, além de outras que devem ser executadas em conjunto com estados e especialmente com a União. As medidas resgatam e atualizam ideias detalhadas no caderno técnico “Construindo hoje o amanhã – Propostas para o transporte público e a mobilidade urbana no Brasil”, também da ANTP.
Ao todo, há oito eixos de atuação: infraestrutura; custeio; financiamento; padrões de qualidade; novo modelo de contratação do serviço; transparência; comunicação e desenvolvimento social; e ações emergenciais. “O que pretendemos é discutir com os secretários atuais e com os candidatos essas propostas, que já estão sendo praticadas em várias cidades do mundo, da América Latina e do Brasil. É um compilado do que deu certo. A ideia é difundir aquilo que teve sucesso e trouxe resultados positivos”, ressalta o presidente da ANTP, Ailton Brasiliense.
A ideia é que as medidas sejam colocadas em prática por aqueles que assumirem em 1º de janeiro de 2021. “Claro que não dá para fazer da noite para o dia. É um programa progressivo e, como tal, deve ser perseguido a médio e longo prazo. Mas são propostas viáveis, perfeitamente executáveis em um mandato de quatro anos”, garante o superintendente da ANTP, Luiz Carlos Néspoli, o Branco.
Infraestrutura
A infraestrutura de transporte público – que inclui todo o sistema viário, pontos de parada, terminais de transferência, cruzamentos e até sistemas de gestão de tráfego urbano – vem sendo negligenciada nas últimas décadas. Tais estruturas são fundamentais para os ônibus, pois reduzem tempo de viagem, facilitam o embarque e desembarque de passageiros, aumentam a velocidade comercial e o uso eficiente da frota, além de favorecer a gestão operacional.
Assim, o documento lista projetos dos mais simples aos mais complexos, que podem ser implantados conforme o tamanho, a realidade do sistema de mobilidade urbana e as condições financeiras de cada cidade. Muitos giram em torno de uma ideia simples: prioridade viária.
“Nosso objetivo, como sempre, é buscar a qualificação urbana por meio do transporte público, que é fundamental para esse fim. O setor, tratado como um todo pelos olhos do estado e do município, qualifica a vida em sociedade. É pelo caminho da priorização que vamos conseguir o transporte que queremos”, reitera o presidente da ANTP, Ailton Brasiliense.
Entre as sugestões está o investimento em faixas exclusivas à direita em vias arteriais dos itinerários. Isso envolve fazer boa sinalização de trânsito, proibir conversões à direita onde der, melhorar os tempos semafóricos, controlar e multar invasões das faixas, melhorar calçadas e sinalizações de pontos de ônibus e priorizar pavimentação e manutenção das vias do transporte público.
Ainda sobre o sistema viário, os corredores centrais de linhas troncais também são boas opções. Para que eles funcionem são necessárias iniciativas como: sinalizações, construção de estações de embarque em canteiros centrais das vias, obras como recapeamento de vias de linhas alimentadoras, redução de cruzamentos, prioridade nos tempos dos semáforos e travessias seguras para pedestres e passageiros.
Para completar, o documento recomenda a implantação de sistemas do tipo Bus Rapid Transit, ou BRT, nas cidades de maior porte. Com ele, é claro, viriam investimentos nas vias, nos corredores e nas estações centrais, com cobrança externa e embarque em nível. Além disso, prioridade nos semáforos (se possível com acionamento à distância pelos ônibus), travessias seguras e informações sobre as próximas viagens nas estações.
“Para se ter ideia, em cidades com mais de 250 mil habitantes são necessários 8,9 mil km de prioridade na via, entre faixas exclusivas à direita, corredores centrais e BRT. Isso daria um investimento total de R$ 18,7 bilhões em quatro anos, mas com retorno financeiro de R$ 11,5 bilhões ao ano”, calcula Branco.
Para conferir eficiência a toda essa estrutura, um sistema de gestão com rastreamento de veículos, bilhetagem eletrônica e informações online e nos pontos para o público é essencial. Em redes mais complexas, um centro de controle operacional, câmeras internas nos veículos e controle eletrônico de embarque e desembarque são algumas ações possíveis.
No centro de controle operacional, o rastreamento de ônibus, a captação de imagens, a comunicação com motoristas e também com outros centros de controle (polícia e defesa civil, entre outros) poderiam otimizar o serviço, que teria registro e avaliação de indicadores de qualidade e eficiência operacional, relatório público do Índice de Qualidade do Serviço (IQS) e canal de atendimento ao público.
O meio ambiente também é considerado. A política ambiental proposta inclui garantia de idade média e máxima da frota, com apoio a políticas do governo federal para renovação, como ocorre com ônibus escolares. De forma mais progressiva, prevê implantação de nova matriz energética com base em política nacional e estudos de viabilidade técnica e energética. Para isso, é preciso estimular a substituição dos ônibus com motor Euro 2 e 3, fomentar o ônibus elétrico mediante incentivo na aquisição dos veículos e também o uso de combustíveis não fósseis ou com impacto ambiental menor.
“A indústria tem trabalhado muito em novas tecnologias e combustíveis para ajudar o meio ambiente e reduzir ao máximo os custos do operador, dando segurança e conforto também. Esse é um tema prioritário para o setor industrial”, conta o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes.
Na avaliação do presidente da Fabus, Rubem Bisi, o apoio dos governantes é primordial: “A indústria tem capacidade para desenvolver e entregar uma variedade de tecnologias e veículos. O que precisamos é que o poder público especifique esses produtos, mas também ofereça a contrapartida para recursos extratarifários. O governo federal precisa estruturar um plano nacional de mobilidade, com financiamento de longo prazo e taxas exequíveis”.
Custeio
Dificuldades de gestão e falta de recursos adequados estão entre as dificuldades do sistema de transporte público. Por aqui, apesar de ser um direito social garantido pela Constituição Federal, o serviço se arrasta em um modelo custeado pela tarifa pública. Isso significa que a receita recebida pelas empresas para bancar os custos operacionais vem exclusivamente das passagens pagas.
Desse modo, com a redução crescente da demanda no decorrer dos anos e a queda brusca devido ao isolamento social durante a pandemia de covid-19, o setor chegou a um momento crucial, em que não é mais possível ignorar os obstáculos do custeio: tarifa como única fonte de recursos, gratuidades, perda de passageiros pagantes e custos operacionais crescentes.
O presidente-executivo da NTU destaca a urgência de reestruturar o transporte público no Brasil: “o modelo de custeio só pela tarifa não se sustenta mais. As concessões em vigor atribuem somente ao passageiro a remuneração, enquanto a responsabilidade pela demanda fica com o concessionário. Quando é pequena a variação da demanda, é possível reequilibrar. Mas perdemos, só nos últimos quatro anos, 25% dos passageiros. Com a pandemia ficou extremamente complicado”, estima Otávio Cunha.
Atento a esse cenário, o documento da ANTP traz medidas para reduzir a tarifa cobrada. A primeira é a diminuição dos custos dos serviços, por meio da otimização de linhas, eliminação de ociosidade, implantação de serviços por demanda, prioridade nas vias, cobrança exclusiva por bilhetagem eletrônica, desoneração de impostos da atividade e redução dos picos de demanda para potencializar o uso da frota, por meio do reescalonamento dos horários.
Presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes de Mobilidade Urbana, Rodrigo Tortoriello reforça a necessidade de se distribuir melhor os horários das atividades econômicas. “O mais relevante para esse momento que estamos vivendo, de ajuste operacional diário por causa da pandemia, é ter a capacidade de fazer a readequação da tabela horária para não imputar ao sistema custos que ele não possa suportar. Já ficou demonstrada a fragilidade do sistema”, pondera.
O superintendente da ANTP concorda. Para ele, eliminar a concentração da demanda em apenas quatro ou cinco horas do dia – que mina a qualidade do serviço, onera o sistema e pesa no bolso do passageiro – se tornou vital. “Há décadas tentamos discutir com a sociedade essa questão dos horários de pico. Usando uma expressão bem comum na pandemia: precisamos achatar essa curva. O escalonamento de atividades é difícil, complexo, mas temos de enfrentar”, pontua Branco.
A principal mudança, contudo, é na forma de cálculo da tarifa – ao invés de remunerar as empresas operadoras por passageiro transportado, o que implica em risco de demanda, a nova proposta é baseada no serviço produzido e ofertado, conforme definido pelo poder público local. A tarifa de remuneração seria desvinculada da tarifa pública, e eventuais diferenças para mais ou para menos seriam cobertas por recursos extratarifários.
Isso implica na criação de instrumentos para captação e gestão desses recursos, como um fundo para o transporte público que possa receber aportes da União, estados e municípios, bem como receitas e taxas que seriam destinadas ao custeio do serviço. Taxar o transporte por aplicativo, os estacionamentos privados e os rotativos situados em vias públicas estão entre as ideias do programa, assim como o aumento do IPVA do transporte individual e do IPTU em zonas beneficiadas pelo transporte público e a criação de imposto municipal sobre gasolina e etanol. A lógica é colocar o transporte individual ajudando a melhorar o transporte coletivo. E, com um serviço melhor, integrado a outros modais (como bicicleta, por exemplo) e tarifas reduzidas, haveria naturalmente um retorno da população para os ônibus, levando a um aumento da demanda que devolveria a sustentabilidade financeira ao transporte público.
Financiamento da infraestrutura
A nova proposta setorial separa o custeio da operação dos investimentos em melhoria e ampliação da infraestrutura de transporte público, indicando possíveis fontes de recursos para isso – uma questão sensível num contexto de crise econômica e orçamentos limitados.
Para implantar faixas exclusivas do lado direito das vias, são apontados dois caminhos: o uso de recursos de sinalização de tráfego, no caso dos municípios integrados ao Sistema Nacional de Trânsito, e recursos de sinalização viária do Detran, para os não integrados. Nos dois casos, é importante priorizar verbas de pavimentação em vias de ônibus, ciclovias, ciclofaixas e calçadas acessíveis.
Já os corredores junto a canteiros centrais de avenidas exigem recursos orçamentários de médio prazo, que financiariam também paradas e pequenos terminais de integração. O BRT, por sua vez, poderia ser custeado de diversas formas. Uma possibilidade seria explorar o modelo de parcerias público-privadas (PPPs), além de financiamentos concedidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, Caixa Econômica Federal e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para compra de equipamentos de transporte público, a indicação é para financiamentos de até 100% com taxas especiais e carência, com recursos do BNDES e da Caixa. Como mudanças mais estruturais, o documento propõe a desoneração de impostos sobre a cadeia produtiva de infraestrutura e material rodante do setor e uma reforma tributária.
Já tramitam atualmente no Congresso Nacional propostas pela desoneração total da cadeia produtiva do transporte. “Não se justifica onerar um serviço público essencial, então é uma alternativa viável. Há um compromisso de votar isso este ano. Se não, continuaremos insistindo. Além disso, o governo tem sinalizado que gostaria de resolver essa questão definitivamente através da reforma tributária”, comenta Otávio Cunha.
Padrões de qualidade
Quando se fala em qualidade no transporte público, há quatro conceitos a serem considerados. A qualidade desejada, que o passageiro gostaria de ter; a qualidade percebida, que é a sentida e relatada pelo passageiro; a qualidade contratada, descrita no contrato do concessionário; e a qualidade ofertada, que é a qualidade real do serviço, e que nem sempre é a que o passageiro gostaria de ter.
O caminho, segundo o documento, é estabelecer padrões de qualidade e ações para tornar o transporte público brasileiro mais rápido, eficaz e satisfatório para seus usuários, considerando as quatro dimensões da qualidade. Quanto mais próxima a qualidade percebida for da qualidade desejada pelo passageiro, melhor avaliado será o serviço nas medições de satisfação.
Para isso, cabe ao gestor do transporte público e operadores do serviço garantir que a qualidade ofertada esteja cada vez mais próxima da qualidade contratada, por meio da definição e medição de indicadores de desempenho. Itens como facilidade de acesso, rapidez, regularidade de horários, menor duração da viagem, conforto, segurança, facilidade de aquisição e pagamento das passagens e redução da tarifa fazem parte da “lista de desejos” dos passageiros e devem ser levados em conta. O transporte público precisa estar atento à opinião de seus clientes, o que pode ser feito com pesquisas de percepção de imagem e controle do cumprimento dos parâmetros do serviço definidos em contrato.
No entanto, para o superintendente da ANTP, não basta ouvir: é necessário também agir. “Precisamos evoluir para ouvir mais as pessoas. Saber como elas estão percebendo a operação, mas principalmente analisar as informações e determinar mudanças. A cidade tem responsabilidade sobre a produção do transporte e seus resultados”, observa Branco.
Novo modelo de contratação
Não é possível mudar o transporte público se não for adotado um novo modelo de contratação do serviço. Segundo o que funciona atualmente (ou não funciona mais), o poder público estabelece os serviços que deverão ser ofertados com base na demanda a ser atendida. Isso define desde padrões de qualidade até a organização da rede (linhas, rotas, horários, frequência e tipos de veículo). São os governos que definem a tarifa pública (paga pelo passageiro), e é justamente ela que remunera as operadoras. Desse modo, nos municípios sem subsídio – a maioria, no Brasil –, os custos caem exclusivamente na conta dos usuários.
Com isso, quando os preços de passagens e o número de passageiros transportados ficam abaixo do necessário ou estimado em contrato, a obrigatoriedade imposta às empresas de manter a oferta exigida e a ausência de uma gestão organizada do poder público geram desequilíbrio econômico-financeiro. “Um sistema baseado em receita que vem da demanda é muito sensível à redução passageiros, que já vinha ocorrendo e piorou dramaticamente com a pandemia. É urgente rever isso”, conclui Branco.
“Por que o transporte sobre trilhos é bem avaliado? Porque o equilíbrio é definido na concepção do projeto, seja por PPP ou operação do poder público. É um serviço caro, que precisa de subsídio, assim como o ônibus. Temos de definir o papel de cada ente da federação. Não é tirar do município a competência para organizar, mas ter uma autoridade federal como indutora dessa política para estabelecer parâmetros nacionais e sair de vez dessa crise”, acrescenta Otávio Cunha.
Para essa questão, o documento da ANTP propõe um modelo de contratação em que o poder público continua a estabelecer a oferta de serviços. Com base nisso e nas condições de operação, são definidos custo e forma de remuneração. A principal diferença está no pagamento, que seria feito pelo poder concedente conforme o serviço prestado e seu custo real, independentemente da tarifa arrecadada. Além disso, a oferta poderia ser renegociada se necessário. Por fim, o contrato deve trazer condições e incentivos para a manutenção de bons padrões de serviço e medidas de penalização para eventuais descumprimentos.
No novo modelo, caberia ao poder público cobrir diferenças entre custo e receita quando houver queda na demanda, por meio de subsídios orçamentários, receitas extratarifárias e fiscalização dos serviços. “A gestão do transporte coletivo numa cidade deve ser compartilhada. O poder público tem responsabilidade no planejamento, e as concessionárias na operação. Os dois juntos podem trabalhar e melhorar o serviço para a sociedade”, reforça Rodrigo Tortoriello.
Transparência
A busca pela transparência é uma tendência em todas as áreas e o transporte, naturalmente, não pode ficar de fora. Segundo a proposta setorial, a transparência pode ajudar a esclarecer e conquistar a opinião pública sobre como funciona o transporte público e mostrar a importância das melhorias, além de criar condições para a obtenção de recursos extratarifários.
A transparência deve abranger aspectos como a oferta do serviço, infraestrutura, arrecadação tarifária, custos, termos do contrato, fiscalização, gestão pública do transporte e do operador e comunicação com a população e a mídia. Este último item exige visibilidade de dados do sistema de transporte e informações disponíveis para o público com antecedência, no caso de alterações, além da prestação de contas e criação de espaços para participação da sociedade civil organizada.
Dentro desse contexto, o programa aponta como palavra-chave a divulgação – seja de informações relevantes dos contratos, metodologia de cálculo dos custos, relatórios mensais sobre o serviço, direitos e obrigações do poder público e do prestador do serviço e penalidades por descumprimentos contratuais. “É crucial que a sociedade entenda esses dados para eliminar o estigma de que o transporte público é uma caixa preta”, aponta Rodrigo Tortoriello.
O presidente do Fórum Nacional de Secretários complementa. “A sociedade inteira é beneficiária do transporte público e isso precisa ficar claro. Com transparência ganharemos mais apoio da população. Para isso precisamos de um novo gestor público, pois muitas cidades acreditam que a partir da assinatura do contrato o serviço é responsabilidade exclusiva do operador, quando o governo também é parte”.
Comunicação e desenvolvimento social
O caminho para um transporte de qualidade passa pelo diálogo. O setor deve se comunicar mais com o poder público e a sociedade, com divulgação de informações essenciais, bom relacionamento com a mídia e campanhas educativas.
A proposta prevê a oferta de canais e conteúdos digitais dentro dos ônibus e terminais de passageiros, que facilitem o acesso de passageiros a informações relevantes. Esses mesmos canais podem ajudar os clientes a serem ouvidos, por meio de pesquisas periódicas. Outra boa ideia é transformar o transporte em ambiente de aprendizagem, por meio de campanhas educativas e ações de responsabilidade social empresarial, ou ainda por meio do acesso a plataformas de ensino à distância, tornando o tempo de viagem produtivo.
“Queremos que não só candidatos e eleitos estejam bem alimentados de informações concretas, mas também a mídia e a população. Fundamental que seja construída uma mentalidade sobre a relevância do setor. A ideia é envolver todos na construção da cidade que é possível”, reflete Ailton Brasiliense.
Ações emergenciais
Por último e não menos importante, o documento da ANTP lista os efeitos da pandemia da covid-19 no transporte público e as medidas emergenciais necessárias para lidar com a situação. O cenário é de desequilíbrio econômico-financeiro agudo, com forte queda de receita devido à redução de demanda e a necessidade de manter uma oferta compatível com protocolos de saúde.
O medo da população em relação aos ônibus, a queda na renda de passageiros, o desemprego e o ressurgimento de transportes alternativos (piratas) agravam o problema. Tudo num cenário de retomada econômica em que as empresas precisam atender a novos padrões de qualidade com protocolos de saúde, mais higiene e sem aglomeração de pessoas.
As medidas emergenciais reúnem seis importantes itens: aporte de recursos para cobrir o déficit da pandemia, revisão de contratos vigentes para adequar receita e oferta, implantação de protocolos de higiene e saúde na frota e em terminais, priorização de vias para reduzir o tempo a bordo, melhoria de terminais de transferência para evitar aglomeração e espera prolongada e, por fim, escalonamento das atividades urbanas.
“Temos de aproveitar esse momento pós-pandemia para cumprir o que está na lei de mobilidade urbana. Haverá custos adicionais nesse momento, então precisamos de recursos extratarifários e rever contratos. É claro que o operador tem que oferecer um serviço de qualidade, seguro, mas o poder público precisa ter uma responsabilidade maior”, alega Otávio Cunha. “Estamos também discutindo com o governo federal um novo marco regulatório para o transporte público urbano, visto na multimodalidade, envolvendo o ônibus, o trilho, o transporte ativo, onde se possa reorganizar a cidade e oferecer um transporte de boa qualidade. Esperamos uma grande mudança no transporte público no país, e uma mudança para melhor”.
Nesse sentido, mesmo complicado, o período pós-pandemia paralelo a eleições municipais é visto como o momento de alcançar mudanças concretas e estruturais. “A mobilidade urbana compromete mais de 15% da receita do trabalhador, é um valor muito alto. Agora, os prefeitos e vereadores têm uma chance de ouro de ressignificar o sistema”, argumenta Rubem Bisi. “A mobilidade urbana é também responsável pela qualidade de vida, a proteção à saúde e ao meio ambiente. Ela está intimamente ligada à produtividade de um povo, de uma cidade e de um país. Portanto, deve ser um dever do Estado”, completa.
Para Rodrigo Tortoriello, toda crise é oportunidade: “Espero que possamos aproveitar com eficiência e conseguir prover um serviço de transporte público mais moderno, menos poluente, mais barato e que atenda a população como um todo”.