Do Valor Econômico
Foto: Lucilia Guimarães/SMCS – Ilustração/Fotos Públicas
A menos de um mês das eleições municipais é possível ter uma ideia das dificuldades fiscais que os futuros prefeitos vão herdar ao assumir o comando das cidades assoladas pela pandemia. O aumento das despesas com saúde e assistência social e a profunda queda das receitas abalaram as finanças municipais, que já não estavam lá essas coisas.
Os gastos com saúde que correspondem em média a um quarto do total dispendido pelas prefeituras, puxaram as despesas totais, segundo dados do anuário “Multi Cidades”, elaborado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que cobre o primeiro semestre (Valor, 15/10). Enquanto as despesas totais aumentaram 4% em termos reais nos primeiros seis meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2019, apenas as relacionadas à saúde saltaram 11,5%.
O efeito da pandemia do novo coronavírus fica evidente quando se examinam os dados ao longo do tempo: o crescimento real das despesas com saúde saiu de 3,2% no primeiro bimestre na comparação com o mesmo período de 2019, para 13,9% na mesma base de comparação em relação ao segundo bimestre e para 15,8% no terceiro. Pelo mesmo motivo, os gastos com assistência social também cresceram, 6,5% no semestre. Para se comparar, outra despesa elevada, que é a de pessoal e representa quase a metade dos gastos totais, subiu 3,4%.
Outro alívio veio da suspensão do pagamento da dívida que resultou em redução real de 10,8% na despesa com juros e amortização no primeiro semestre em comparação com o mesmo período de 2019. O fechamento das escolas conteve em 3,8% o crescimento em termos reais dos gastos municipais com educação.
As receitas minguaram e o resultado só não foi catastrófico por conta da ajuda federal. Levando em conta o socorro da União, a arrecadação própria e transferências, as receitas dos municípios aumentaram 2,2% no semestre. A queda do nível de atividades causada pelo isolamento social teve forte impacto na arrecadação de impostos. Um dos mais afetados foi o ISS, aplicado sobre os serviços, uma das principais fontes de receita dos municípios. A queda real na arrecadação de ISS foi de 5,2% no semestre, na comparação com o mesmo período de 2019, sendo que apenas no segundo trimestre o baque foi de 16,8%. Em valor, a perda atingiu R$ 2,13 bilhões em comparação com o mesmo período de 2019. Outros tributos municipais como IPVA e IPTU caíram.
Houve perda também na receita do ICMS, tributo estadual que tem 25% do total arrecadado canalizado para os municípios. Apesar de a arrecadação ter melhorado com a liberação do auxílio emergencial e a flexibilização do isolamento social, o balanço semestral apurado pelo anuário Multi Cidades registrou queda real de 4,1% na arrecadação do ICMS distribuído aos municípios no primeiro semestre em junho, revertendo três anos de altas consecutivas. A perda foi de R$ 2,4 bilhões e um terço ficou concentrada nos municípios com mais de 500 mil habitantes.
Os números põem em evidência a importância da ajuda federal aos municípios, embora os prefeitos queixem-se da demora na liberação dos repasses. Os pouco mais de R$ 42 bilhões canalizados para as cidades foram liberados entre julho a setembro, sendo que a demanda por serviços, começou já em março e se estendeu por abril e maio, com a montagem dos hospitais de campanha e reforço dos equipamentos das unidades existentes.
A pressão sobre os cofres municipais vai continuar forte nos primeiros anos de mandato dos futuros prefeitos. Se no lado da receita a arrecadação deve demorar a voltar aos níveis anteriores à pandemia, acompanhando o ritmo incerto da economia, do lado das despesas os gastos devem ser pressionados pela maior demanda por serviços públicos, principalmente de saúde e educação. Nas grandes cidades, o financiamento do transporte público já virou uma fonte de preocupação que deve se estender às novas administrações.
Antes da pandemia, 75% dos municípios tinham situação fiscal considerada crítica. Quase 35% deles não se sustentavam nem tinham recursos inclusive para custear a Câmara de Vereadores e a estrutura administrativa da cidade. A prática de jogar as despesas para o ano seguinte é disseminada. Entram e saem os prefeitos e a redistribuição de responsabilidades e receitas entre os entes da federação segue intacta na pauta.