Como o setor de transporte rodoviário tenta restaurar rotina de viagens no Brasil

Por Revista Época
Foto: Andreivny Ferreira (UNIBUS RN)

Com a reabertura da economia e a escassez de voos comerciais, a quantidade de viagens de ônibus voltou a aumentar pelo Brasil. A retomada do setor de transporte rodoviário de passageiros ainda é lenta. Na primeira quinzena de agosto, a demanda por bilhetes foi 70% menor em comparação ao mesmo período do ano passado. Mas este percentual já foi pior. Em maio, no auge do isolamento social, houve queda 95%.

A retomada do setor também coincide com a flexibilização das normas que proibiam a circulação de ônibus intermunicipais e interestaduais. Apenas o governo da Bahia mantém um decreto que proíbe ônibus procedentes de outros Estados, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati).

Existem ainda pequenas cidades que mantém restrições, mas sem proibir os ônibus interestaduais. Esses decretos municipais restringem os horários em que são permitidas as paradas e a frequência das viagens, como ocorre na região das estâncias hidrominerais, no sul de Minas Gerais.

“O maior desafio agora é ganhar a confiança do passageiro, que tem sido conquistada aos poucos, com o cumprimento dos protocolos. Somente o serviço regular pode fazer isso”, afirma Letícia Pineschi, conselheira da Abrati.

Enquanto buscam retomar o fluxo de passageiros, as empresas têm de lidar com o avanço do transporte pirata. Desde o início da pandemia, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) flagrou e apreendeu 565 veículos executando transporte clandestino de risco.

Protocolo: O protocolo adotado pela ANTT segue as diretrizes estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre as normas estão a desinfecção dos ônibus, aplicação de álcool em gel, pulverização de superfícies, monitoramento e testagem dos funcionários, uso de equipamentos de proteção individual, adaptação visual com pedido de distanciamento social e orientação para uso do bilhete eletrônico.

“Há ainda outros procedimentos sendo testados pelas empresas, como uso de luz ultravioleta em banheiro, assentos confeccionados com um tecido que tem fio de polímero e é é inóspito para vírus e bactérias, além de ônibus com a carroceria diferente, com três assentos por fileira e distanciamento entre eles. São testes em andamento que visam minimizar o risco e ganhar a confiança dos passageiros”, diz Pineschi.

Outro elemento de segurança apontado pela Abrati é o uso do mesmo modelo de ar-condicionado utilizado na aviação civil. Este tipo de aparelho conta com um sistema de filtragem capaz de eliminar 99% dos microorganismos no ar.

Retirada da máscara: Em julho, a designer Izabela Lino, de 32 anos, precisou viajar para um compromisso profissional. Ela percorreu a distância entre Uberaba e Goiânia de ônibus e percebeu uma diferença de cuidados antes e durante a viagem.

Na rodoviária de Uberaba, a entrada era permitida apenas depois de realizar a medição de temperatura. Quem apresenta febre é barrado. Izabela também lembra que todos os guichês estavam protegidos com acrílico e havia oferta de álcool em gel.

“Quando comprei a passagem, ainda perguntei se era apenas um assento por fileira e me disseram que não, que estavam vendendo todas normalmente. Não veio ninguém sentado a meu lado, mas tinham dois homens na mesma fileira e eles passaram a viagem toda sem máscara. O ônibus não estava lotado, mas tinha crianças e idosos”, disse.

A advogada Mariana Maia, de 40 anos, enfrentou quase 24 horas de ônibus em 1º de agosto. Nesta data ela tinha uma viagem programada de Brasília até Marabá, no Pará, mas o voo foi cancelado 72 horas antes do embarque. Na comunicação da companhia aérea, a remarcação estava disponível para ser feita a partir de 15 de agosto. Com a necessidade de viajar com urgência, para voltar ao trabalho, a advogada decidiu viajar por via terrestre.

O ônibus partiu lotado, de acordo com Mariana. Mesmo assim, não houve qualquer recomendação da empresa em relação ao período de pandemia, como reforçar o pedido para utilização de máscaras, cuidados nas paradas, evitar o uso do banheiro do ônibus e higienização das mãos. Também não houve qualquer tipo de fiscalização nas divisas dos Estados, nem da polícia, nem da vigilância sanitária.

Mariana afirma ainda que a maioria dos passageiros não trocou de máscara durante a viagem, de quase 24 horas de duração. Além disso, os pontos de parada recebiam vários ônibus simultaneamente e não eram equipados com chuveiros para banho.

“O passageiro tem que fazer uma viagem longa como essa sem a oportunidade de tomar um banho. Acho que isso seria importante diante de uma pandemia. E em todas as paradas tinha mais de um ônibus ao mesmo tempo, o que gerava aglomeração na hora de pedir. Para sentar até que não, pois os restaurantes eram grandes”, afirmou.

Paradas: A conselheira da Abrati explica que a entidade promoveu um fórum de debate com os envolvidos no transporte terrestre de passageiros, como os postos de paradas e terminais rodoviários. Pineschi fiz que, na ocasião, foi discutido o protocolo padrão para toda a cadeia do transporte.

“As empresas estão privilegiando a parada em lugares onde há protocolo de biossegurança, com adaptações quanto ao tempo de água nas torneiras para mais tempo de lavar a mão, garantia de que haverá sabão, álcool em gel, limpeza de banheiro e de mesas, ventilação, profissionais com equipamentos de proteção individual e pulverização”, disse a conselheira.

Pineschi acrescentou que em alguns postos há aferição de temperatura, para verificar se alguém passou a apresentar sintomas de Covid-19 durante a viagem. E que os terminais rodoviários se comprometeram com o protocolo, sendo que os do Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo já estão totalmente adaptados.

Riscos: Pesquisadora de protocolos de biossegurança, a professora Zilah Cândida Pereira das Neves, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), afirma que a viagem de ônibus deve ser feita apenas em último caso, uma vez que o avanço da pandemia segue descontrolado no Brasil.

Para o passageiro que decidir viajar, ela diz que o fundamental é cumprir e cobrar o cumprimento de todo o protocolo de segurança, com o uso de máscara durante toda a viagem e higienização com álcool em gel.

“O ideal é não chegar à rodoviária em cima da hora, para ter um tempo seguro para guardar a bagagem, sem aglomeração. O passageiro deve também manter o distanciamento social enquanto estiver esperando. Assim que liberou o embarque, entrar no ônibus e esperar o começo da viagem”, disse Zilah.

Outros cuidados mencionados pela pesquisadora dizem respeito ao momento das paradas. Ela sugere que o passageiro saia do restaurante após comprar a comida e faça a opção de ingerir o alimento em algum lugar com ventilação, ao ar livre.

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