Do O Estado de SP
Foto: Diogo Moreira/ A2D – Fotos Públicas/Ilustração
A falta de perspectiva de a indústria automotiva brasileira voltar a vender 3,5 milhões de veículos zero-quilômetro por ano, como em 2011, e a evidente mudança de perfil de boa parte dos consumidores – que não tem planos de comprar um automóvel novo – estão fazendo as fabricantes reverem seus antigos conceitos de atuação para sobreviverem em um mercado tão competitivo.
Aos poucos, as marcas estão estudando e implantando soluções de mobilidade, como a locação de carros nas concessionárias. A pioneira foi a Toyota, que, em setembro do ano passado, lançou o Toyota Mobility Servives (TMS). Por meio do aplicativo baixado em smartphones, ela disponibiliza alguns de seus modelos para aluguel.
PRÁTICA COMUM EM PAÍSES MAIS DESENVOLVIDOS
O serviço da montadora japonesa também é oferecido na Argentina, no Chile e no Uruguai e vem atendendo a um número cada vez maior de pessoas que optam pelo aluguel de acordo com suas necessidades de locomoção. “Os países mais desenvolvidos já adotam essa prática há algum tempo”, afirma Roger Armellini, diretor de mobilidade da Toyota. “A mudança de comportamento do cliente, a percepção de que as famílias não precisam ter dois carros na garagem e a tendência de economia compartilhada são fatores que levaram a essa decisão.”
O download do Toyota Mobility Services pode ser feito para os sistemas iOS e Android e, em seguida, o usuário realiza um cadastro. A partir disso, ele está apto a agendar o aluguel e retirar o carro em uma das 33 concessionárias recrutadas de São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Porto Alegre, Recife e Salvador. Todo o processo, desde a reserva até o pagamento, é feito de forma digital pelo aplicativo.
“Os primeiros meses foram importantes para assimilar essa nova cultura do cliente, que passa a nos enxergar não só como montadora mas como empresa de mobilidade”, afirma Roger Armellini, diretor de mobilidade da Toyota. Etios, Yaris e Corolla são os automóveis oferecidos pela Toyota, que também coloca à disposição modelos da sua marca premium Lexus. Os preços das diárias partem de R$ 149 (Etios SD X Plus com transmissão automática) e os valores para os Lexus vão de R$ 499 (UX 250h Dynamic) a R$ 699 (ES 300h). O aluguel inclui seguro completo.
Segundo Armellini, depois de um “período de experiência”, a Toyota providenciou cerca de 20 alterações no aplicativo TMS para melhorar o entendimento das normas de locação e deixar a navegação mais rápida, segura e amigável.
CONHECER UM RECÉM-LANÇADO
Hoje, Etios e Yaris são os carros mais requisitados por terem os preços de locação mais baixos. Mas, no começo, o preferido era o Corolla Hybrid flex, por causa das novidades do motor. “Muita gente alugou para ter uma experiência maior com o carro recém-lançado”, revela Armellini.
Um desses interessados é o engenheiro de produção João Fugimoto, que usou o aplicativo para conhecer o novo Corolla. “Fiquei curioso para dirigir o Corolla Hybrid, então o aluguei quatro vezes”, afirma. Dono de um Volkswagen Jetta e de um Mercedes-Benz C130, Fugimoto alugou o carro da Toyota por um período de três ou cinco dias e elogia a iniciativa. “O custo/benefício é muito bom, o passo a passo do aplicativo é tranquilo e o tratamento da concessionária torna-se personalizado”, diz.
Para ele, serviços de mobilidade – como a locação de carros – são um caminho sem volta e as fabricantes não poderão fugir deles se quiserem sobreviver. “As novas gerações não querem comprar automóveis e as montadoras têm a obrigação de pensar em alternativas viáveis”, acredita.
NISSAN E VOLKSWAGEN SE MEXEM
De olho no serviço oferecido pela Toyota, a Nissan já planeja soluções de mobilidade. No ano passado, ela lançou o “Vou de Nissan”, programa piloto de locação de veículos zero-quilômetro destinado, primeiramente, aos funcionários. Eles se cadastram, alugam um modelo que pode ser Kicks, March ou Versa com seguro e revisão incluídos e no fim do contrato de um ano têm a opção de comprá-lo ou devolvê-lo.
O segundo passo do projeto é ampliá-lo para parceiros e prestadores de serviço e, depois, abri-lo para o público em geral. “Essa ideia, inserida na visão que chamamos de Nissan Intelligent Mobility, é uma maneira de disponibilizar nossos modelos a um número maior de consumidores”, diz Marco Silva, presidente da Nissan do Brasil.
Com o projeto piloto, a Nissan pretende avaliar os pontos fortes e fracos da modalidade e se existe demanda para contratos menores, de seis meses. “Há uma parcela de consumidores que não se interessa na posse do automóvel, mas precisa usar um em situações pontuais”, acrescenta Rogério Louro, diretor de comunicação da Nissan.
A Volkswagen também quer entrar no terreno da locação. Ela está testando o serviço batizado de VW Movie, que oferece locação de modelos pelo prazo mínimo de uma hora. Segundo Fábio Rabelo, gerente executivo de digitalização e novos modelos de negócios da Volkswagen América do Sul, o objetivo é ajudar na mobilidade do cliente que deixa seu carro na concessionária para a revisão ou algum reparo. “Mas quem é usuário de outra marca ou simplesmente não tem carro também poderá alugar um veículo da Volkswagen”, salienta.
MARCAS DEVEM FAZER O MESMO
A fabricante escolheu três modelos para o serviço de locação: T-Cross CL, Virtus CL e Voyage AT, com diárias de, respectivamente, R$ 110, R$ 100 e R$ 79 e mais R$ 0,50 por quilômetro rodado. “Queremos entender como esse mercado funciona, saber se os carros oferecidos atendem à demanda, se os preços são adequados para só então dar escala ao projeto”, explica.
Com o tempo, certamente mais fabricantes vão aderir ao sistema de locação de carros. Renault e Fiat igualmente estão criando projetos para colocar em prática em breve. As marcas sabem que ficar paradas neste momento é como dar um passo atrás na questão da mobilidade.
“CONCESSIONÁRIAS SERÃO HUBS DE MOBILIDADE”
“As concessionárias vão se transformar em grandes hubs de mobilidade. Além de vender automóveis, serão provedoras de serviços, como o de locação de carros.” A previsão é do consultor especializado em mobilidade Marcos Melo. Ele acredita na existência de uma demanda represada de consumidores que não têm condições de comprar um veículo, mas podem alugar um nos fins de semana, por exemplo.
Ele conta que até mesmo os donos de carros desejam ter a opção de não tirá-los da garagem em algumas situações e a locação, nesses casos, é uma solução interessante. “A flexibilidade dos serviços de mobilidade deve atender a esse tipo de consumidor e o aluguel é uma alternativa real”, afirma.
Paulo Miguel Júnior, presidente da Associação Brasileira de Locadoras de Automóveis (Abla), entidade que reúne 1.100 associados, vê com naturalidade a nova modalidade praticada por algumas fabricantes: “Isso não incomoda as empresas de locação. Porém, esse mercado é repleto de minúcias e as montadoras não possuem expertise na área”, argumenta.
Paulo Miguel acredita que a estagnação nas vendas de carros zero-quilômetro no Brasil deixa bem claro que o usuário não tem como prioridade adquirir um automóvel. “O aluguel é um movimento esperado das marcas. Resta saber como o mercado vai se acomodar com esse cenário”, finaliza.