Do PORTAL UNIBUS
Foto: Acervo (Por Dentro do RN)
A segunda edição do estudo “Tarifa Zero nas Cidades do Brasil”, publicado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), revela que o atual modelo de gratuidade no transporte coletivo começa a apresentar sinais de esgotamento. Após um período de crescimento entre 2020 e 2023, o número de novas cidades que aderiram à tarifa zero caiu de forma expressiva em 2024. Apesar de ser um ano eleitoral, apenas dez municípios adotaram a política, frente a mais de 40 no ano anterior.
Segundo a NTU, o modelo vigente — baseado principalmente em decisões políticas isoladas e no uso do orçamento local — pode ter chegado ao seu limite. “A tarifa subsidiada — incluindo a tarifa zero, que é a tarifa plenamente subsidiada — só está funcionando hoje em cidades pequenas, com redes simples e orçamentos superavitários. Para crescer, precisa deixar de ser ação isolada de alguns prefeitos e se transformar em política pública nacional”, afirma Francisco Christovam, diretor executivo da entidade.
Atualmente, 154 municípios brasileiros adotam a gratuidade plena no transporte por ônibus, mas a maioria é de pequeno porte. O estudo aponta que 79% dessas cidades têm até 100 mil habitantes. Entre os municípios com mais de 100 mil moradores, apenas 12 oferecem tarifa zero em todas as linhas e todos os dias da semana — o que representa menos de 4% do total de cidades dessa faixa populacional atendidas por transporte público urbano organizado.
Na edição mais recente do levantamento, apenas uma cidade com mais de 100 mil habitantes — Sorriso (MT) — passou a adotar a tarifa zero de forma integral.
Desafios para manter a tarifa zero
O estudo indica que a viabilidade da tarifa integralmente subsidiada está fortemente associada a sistemas de transporte menores e à existência de receitas extraordinárias. Em cidades como Maricá (RJ), por exemplo, o programa é sustentado com recursos oriundos dos royalties do petróleo — R$ 87,6 milhões foram destinados à tarifa zero apenas em 2024.
Ainda assim, há sinais de desgaste mesmo nos municípios que já adotaram o modelo. Em Caucaia (CE), a frota foi reduzida em 23% para conter despesas. Em Assis (SP), o número de ônibus caiu pela metade. Já em São Luís (MA), o programa “Expresso do Trabalhador” foi suspenso por falta de verba. Para a NTU, esses exemplos mostram que, sem planejamento técnico e financiamento contínuo, a tarifa zero pode levar à precarização ou ao colapso do serviço.
Impactos positivos na economia local
Por outro lado, diversas cidades registraram benefícios econômicos e sociais com a tarifa zero. Em Luziânia (GO), o comércio cresceu 36%, com R$ 25 milhões a mais circulando na economia. Caucaia (CE) teve aumento de 25% no faturamento do setor de comércio e serviços, e a arrecadação tributária também subiu. Paranaguá (PR) viu as vendas crescerem 30%, os acidentes de trânsito caírem 40% e a demanda no Restaurante Popular aumentar 200%. Em Maricá (RJ), a tarifa zero gera economia estimada de 20% no orçamento das famílias usuárias.
Marco Legal pode abrir caminho para expansão
Para a NTU, a ampliação responsável da política de tarifa zero depende da aprovação do novo Marco Legal do Transporte Público (PL 3278/2021), em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto propõe a separação entre o valor pago pelo passageiro (tarifa pública) e o custo real do serviço (remuneração das empresas), permitindo a aplicação transparente de subsídios públicos.
“Essa separação é o primeiro passo para permitir tarifas módicas e remuneração justa pela prestação do serviço. Mas, sem planejamento, monitoramento e fonte de custeio permanente, o risco é cair na armadilha do ônibus gratuito, porém precário e insustentável”, afirma Matteus Freitas, diretor técnico da NTU. Ele reforça que a posição da entidade é técnica: não há oposição à tarifa zero, mas defesa de sua aplicação com responsabilidade e estudo de viabilidade.
A discussão sobre tarifas sociais e subsídios será um dos principais temas do Seminário Nacional NTU 2025, que acontecerá nos dias 12 e 13 de agosto, em Brasília. O evento reunirá especialistas, parlamentares e representantes de governos para debater, além do Marco Legal, temas como transição energética da frota e sustentabilidade do transporte público.