Do PORTAL UNIBUS
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom (Agência Brasil)
Entidades médicas, de segurança viária e do setor de transporte público reforçaram, mais uma vez, o posicionamento contrário à operação de serviços de transporte de passageiros por aplicativo com motocicletas, como o Uber Moto e o 99 Moto. A avaliação, unânime entre especialistas, é de que esse modelo amplia riscos para usuários, sobrecarrega o Sistema Único de Saúde (SUS) e compromete as finanças da Previdência Social.
A Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP)** classifica os serviços como precários e denuncia a omissão de governos e plataformas digitais. “Nem tudo que o cidadão deseja é bom para a sociedade. A precariedade é tamanha. A quietude de governos é tamanha. O cinismo das plataformas é tamanho. E o custo social é tamanho”, alertou Luiz Carlos Néspoli, superintendente da entidade, ao “Jornal do Commercio”.
Segundo ele, somente com o envolvimento conjunto da União, estados, municípios, fabricantes e empresas que atuam com esse tipo de transporte será possível mitigar os danos causados pelo avanço do serviço no país. Para Néspoli, faltam fiscalização eficaz e estratégias públicas que promovam regularização e controle mínimo — já que muitas motos sequer estão licenciadas, e há condutores com CNH suspensa ou cassada.
Alerta da medicina do tráfego
Do ponto de vista da saúde pública, o alerta é ainda mais contundente. A Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) e a Associação Paulista de Medicina (APM) condenam a liberação de serviços de mototáxi digital, apontando para um efeito catastrófico sobre a rede hospitalar. As entidades lembram que, embora as motocicletas correspondam a apenas 28% da frota nacional, elas são responsáveis por cerca de 70% das mortes e mutilações no trânsito.
O uso da garupa agrava esse risco: a presença de um passageiro afeta o centro de gravidade da moto, tornando frenagens e manobras mais instáveis. O passageiro, sem qualquer domínio da condução, está ainda mais vulnerável. A Abramet destaca que cerca de 55% das internações por sinistros de trânsito envolvem motociclistas, e cita o caso de Belo Horizonte, onde a liberação do serviço causou aumento de 22% nas internações por acidentes com motos.
O custo social desses sinistros é altíssimo. Entre 2007 e 2018, mortos e feridos no trânsito geraram perdas anuais estimadas em R$ 136 bilhões, quase o orçamento total do Ministério da Saúde em 2023.
“Motos não têm lugar em um sistema seguro”
A Iniciativa Bloomberg para Segurança Viária Global (BIGRS) afirma que motocicletas não se enquadram no conceito de “Sistema Seguro” adotado internacionalmente, que preza pela redução de mortes e lesões graves. “Não existe uma forma segura de circular de moto. O corpo está completamente exposto”, diz Diogo Lemos, coordenador da Bloomberg em São Paulo.
Ele lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece que impactos acima de 30 km/h já causam lesões graves — limite facilmente ultrapassado em rotas urbanas. “A política pública precisa focar em reduzir velocidades, criar infraestrutura adequada e intensificar a fiscalização”, defende.
Transporte público como resposta estrutural
As entidades são categóricas ao afirmar que a solução para os deslocamentos nas cidades não está na ampliação do uso de motos, mas sim no fortalecimento do transporte público. Defendem ampliação de corredores e faixas exclusivas para ônibus, expansão de redes metroviárias e integração de linhas com maior capilaridade.
Segundo a Abramet, os aplicativos devem ser responsabilizados pelos sinistros envolvendo seus veículos, tanto no que diz respeito à reparação das vítimas quanto aos custos hospitalares. A associação propõe que eventuais regulamentações imponham exigências severas às plataformas, como forma de mitigar os danos causados.
Jurandir Fernandes, vice-presidente honorário da Associação Internacional de Transportes Públicos (UITP), resume: “Embora pareça barato, os custos ocultos de segurança e saúde pública são imensuráveis. Sinistros com motos geram perdas familiares, altos custos ao SUS e impactos econômicos profundos.”
Para ele, o transporte coletivo é infinitamente mais seguro e precisa ser priorizado. “O menor ganho de tempo do Uber Moto não compensa o risco de uma queda. Transporte sobre duas rodas, na garupa de uma moto, é perigoso, desconfortável e ineficiente como política pública. Precisamos investir no coletivo, e não estimular o individual precário.”
A discussão ganha urgência à medida que as plataformas ampliam sua presença no Brasil — já operando em cerca de quatro mil cidades. Especialistas cobram que o debate seja conduzido em âmbito nacional e com foco na preservação da vida.