Da Agência Saiba Mais
Foto: Rafael Fontenele (Gentilmente cedida ao UNIBUS RN)
Em todo o Brasil, apenas 90 cidades adotam a tarifa gratuita no transporte público em alguma medida e, dentre essas, apenas três estão localizadas no Nordeste, segundo levantamento realizado pelo Observatório das Metrópoles, do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IPP/ UFRN).
Esse último domingo (17) foi o 1º dia de Tarifa Zero no transporte público de São Paulo (SP), o que resultou num aumento de 35% no número de passageiros, chegando a 38% nas regiões periféricas. A medida, que funciona das 0h às 23h59, será válida aos domingos, no Natal, Ano Novo e no aniversário da cidade (25 de janeiro).
No Nordeste apenas três municípios, todas no estado do Ceará, adotaram o sistema de gratuidade no transporte público: Eusébio, Aquiraz (em 2018) e Caucaia (em 2021).
Na cidade de Eusébio, localizada na região metropolitana de Fortaleza, o sistema foi implantado há mais tempo, ainda em 2011. Ao todo, os ônibus do município percorrem 12 rotas de segunda a sexta, das 05h às 22h20, e oito rotas aos sábados, das 06h às 22h20. Segundo a Prefeitura de Eusébio, os veículos contam com elevador para acessibilidade de cadeirantes, Wi-Fi gratuito e um aplicativo (APP Meu Ônibus TRUE), que mostra em tempo real a hora que cada veículo passa nas paradas.
Em Natal, por enquanto, não há qualquer discussão nesse sentido, mas o tema da gratuidade no transporte pode nortear as discussões políticas em torno das eleições de 2024, quando será disputado o comando da prefeitura da cidade.
“Observamos que há muitos interesses envolvidos nessa questão e que os sociais não são priorizados. Nesse sentido, Natal parece seguir na contramão do que vem sendo feito no restante do país. O transporte é um direito social, não apenas um serviço, como vem sendo tratado”, avalia o pesquisador Allan Moreira, que integra o Observatório das Metrópoles do IPP/ UFRN.
Dentre os benefícios da gratuidade no transporte público, o pesquisador aponta a redução do fluxo de trânsito, já que um maior número de pessoas passaria a usar o transporte público.
“Essa é uma tendência para resolver problemas de acesso ao transporte público. Porém, é preciso que haja um investimento na infraestrutura da cidade, com ônibus melhores e em maior quantidade para dar conta do aumento da demanda que costuma ocorrer, senão teremos ônibus lotados e aí aparece alguém para criticar, apontando que o projeto não dá certo”, pondera Allan Moreira.
Um estudo divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em setembro, mostra que o congestionamento do trânsito influencia, até, no acesso a uma vaga de emprego.
Em Natal, por exemplo, há 164.231 empregos acessíveis durante os horários de pico. Porém, em horários de menor fluxo no trânsito, o número de vagas é 8,9% maior, chegando a 180.373. Quanto mais pobre, mais distante a pessoa mora do trabalho, mais tempo ela perde no trânsito e, consequentemente, menores são as chances dela acessar aquela vaga de emprego.
Benefícios
Por causa da pandemia de Covid-19, entre julho e dezembro de 2020, os empresários de ônibus que atuam em Natal tiveram desconto de 50% do ISSQN (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), mais popularmente conhecido como ISS. Na época, a Procuradoria do Município calculou que o benefício resultaria numa economia de R$ 400 mil por mês para os empresários.
Já de 2021 até dezembro de 2024 o imposto foi zerado, com isenção completa para o setor. Não foram divulgados dados atualizados sobre o valor que os empresários economizaram com o não pagamento do ISS, mas considerando o mesmo montante declarado pela Procuradoria do Município anteriormente, a estimativa é de que a Prefeitura do Natal tenha deixado de receber R$ 9 milhões e 600 mil por ano das empresas que atuam no setor de transporte, num total de R$ 38.400.000,00 entre 2021 e 2024.
“A falta de acesso a dados também dificulta as pesquisas”, ressalta Allan Moreira.
O projeto que garante a isenção de ISSQN até o fim de 2024 foi aprovado em agosto pela Câmara Municipal do Natal. Porém, Álvaro Dias vetou as emendas que haviam sido acrescentadas pela oposição, como a que garantia o congelamento do valor da passagem de ônibus durante o período em que o benefício estivesse sendo concedido, proposta pela vereadora Brisa Bracchi (PT). Em novembro a passagem de ônibus passou de R$ 3,90 (no cartão eletrônico) e R$ 4 (em dinheiro) para R$ 4,50, num reajuste de 14,47%.
Mas, além do município, o setor também recebeu incentivos fiscais do Governo do Estado, com a desoneração de 50% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o diesel entre julho e dezembro de 2020, numa economia de R$ 2,1 milhões, Secretaria de Tributação do Estado do Rio Grande do Norte.
Além da isenção de 100% do imposto a partir de 2021 até dezembro de 2023, num total de R$ 48 milhões economizados pelos empresários do setor.
No caso da cidade de São Paulo, que iniciou a Tarifa Zero nesse último domingo, a Prefeitura declarou que terá um custo anual de R$ 238 milhões com programa. A cidade já paga R$ 6 bilhões em benefícios aos empresários do setor anualmente.
Direito ou Serviço?
Como “condicionantes” para a concessão dos benefícios citados acima, também estava o retorno de linhas de ônibus retiradas de circulação durante a pandemia sob a justificativa de baixa demanda de passageiros, o que nunca aconteceu.
Em julho, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) determinou o retorno das linhas 68 (Alvorada – Parque das Dunas), 33B (Planalto – Lagoa Seca), 76 (Felipe Camarão – Parque das Dunas) e 593 (Circular Residencial Redinha), além de outras 24 (01A, 01B, 12-14, 13, 18, 20, 23-69, 30A, 31A, 34, 41B, 44, 48, 57, 65, 66, 81, 587, 588 e 592) em resposta a uma ação movida da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN).
A Prefeitura do Natal, comandada pelo prefeito Álvaro Dias (Republicanos), apresentou recurso contra o retorno. Mas, em setembro, o TJRN determinou pela 11ª vez o retorno definitivo das linhas de ônibus que foram retiradas de circulação n capital potiguar durante a pandemia do novo coronavírus. Até agora a medida não foi cumprida.
A queda do número de linhas afetou até bairros centrais, como a Cidade Alta, que já enfrenta problemas para manter o fluxo de consumidores que têm se voltados para os shoppings.
“Quanto mais vida houver nas ruas, menor será o índice de violência urbana. Se diminui o número de passageiros, as empresas cortam o número de linhas porque para elas aquilo é um negócio, um serviço, não é encarado como um direito… e isso acabou respingando no Centro”, analisa o pesquisador da UFRN.
A PEC
Uma Proposta de Emenda à Constituição (nº 4392/2021) chegou a ser discutida e votada pelo Congresso Nacional, mas a questão ainda não está resolvida.
A intenção é auxiliar estados e municípios a financiar o bom funcionamento do transporte público, afetado durante a pandemia de Covid-19. Entre outros pontos, a PEC sugere que o governo federal financie as gratuidades aos idosos. Atualmente, a gratuidade e a meia passagem dos estudantes são pagas pelos demais usuários de ônibus que pagam a passagem inteira.
“Essa PEC é importante porque regula o sistema de mobilidade urbana. Seria uma espécie de SUS do transporte público. Ela não está sendo discutida aqui e Natal precisa se integrar a esse debate. De certa forma, até as manifestações de 2013 tinham uma certa relação com essa questão do transporte”, resgata o pesquisador.
Empresa Pública de Transporte
Em julho de 2021, o vereador Robério Paulino (Psol) – atualmente de licença médica – protocolou um projeto de criação de uma empresa de transporte público na capital potiguar. Pela proposta, o sistema municipal público de transporte via ônibus seria gerido pelo Conselho Municipal Público de Transporte, pela empresa pública Ônibus do Sol S/A., pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU) e pelo Fundo Municipal de Transporte Público (FMTP). A Ônibus do Sol S/A. seria uma empesa pública de direito privado, com patrimônio próprio, vinculada à STTU e sujeita aos órgãos de fiscalização como Tribunal de Contas do estado e Corregedoria do Município.
Apesar de protocolado na Câmara Municipal de Natal, o Projeto de Lei foi retirado de pauta e indicado ao prefeito da capital, Álvaro Dias (Republicanos), como Indicação Legislativa, que seria o instrumento mais correto. Até a publicação desta matéria, o Executivo Municipal não havia se manifestado sobre a indicação.