Com reajuste em 13 estados, tarifa do transporte público pressiona pré-candidatos

Do Jornal O Globo (RJ)
Foto: Tânia Rego (Agência Brasil)

Quase dez anos depois de uma série de protestos que tiveram como gatilho o aumento nas tarifas de ônibus — atos que fizeram a popularidade da então presidente Dilma Rousseff cair de 57% para 30% —, o transporte público volta a ser dor de cabeça para prefeitos e governadores, que tentam equilibrar reajustes na passagem com perspectivas eleitorais.

Levantamento das empresas de transportes aponta que houve reajustes em 13 estados, no caso de ônibus municipais que rodam em capitais ou nos modais que atendem regiões metropolitanas, com valores que representam altas de até 22% na tarifa pública. Em estados como Rio, São Paulo e Minas Gerais, gestores que pretendem disputar novos mandatos neste ano procuram conter aumentos e evitar medidas impopulares às vésperas da eleição.

Segundo o relatório mais recente da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), atualizado em abril, sete prefeitos de capitais reajustaram o valor da passagem de ônibus desde novembro. Houve ainda aumentos na tarifa de ônibus intermunicipais, atribuição do governo estadual, em nove capitais. Em João Pessoa (PB), Curitiba (PR) e São Luís (MA), ocorreram os dois tipos de reajuste.

No Rio, o governador Cláudio Castro (PL), candidato à reeleição, e o prefeito Eduardo Paes (PSD), que pretende lançar o advogado Felipe Santa Cruz (PSD) ao Palácio Guanabara, vêm travando quedas de braço com empresas de transporte em meio a tentativas de acenos ao eleitorado. Castro, que autorizou em março um aumento de 10% na tarifa dos ônibus intermunicipais e de 12% no metrô, barrou no mesmo mês o reajuste para R$ 7 na passagem do trem. O governador alegou que a concessionária Supervia tem descumprido obrigações contratuais e que manterá a tarifa em R$ 5 até a “normalização do serviço”.

Paes, por sua vez, fez intervenção no sistema BRT em fevereiro do ano passado e tem segurado o reajuste da tarifa de ônibus, congelada em R$ 4,05 desde 2019, com base em decisões judiciais. Diferentemente da maioria dos estados, no Rio não há subsídio para redução do valor das passagens de ônibus, trem ou metrô. A prefeitura afirmou que só passará a fazer este tipo de desembolso, aprovado pela Câmara Municipal em 2021 para os ônibus, após uma reforma no sistema de bilhetagem, hoje a cargo das empresas.

Pesquisa Datafolha realizada em abril apontou o transporte público como foco principal de insatisfação para 6% dos eleitores na capital fluminense, o dobro em relação ao estado, e à frente de temas como desemprego e corrupção. Para o presidente da NTU, Francisco Christovam, a queda de qualidade do serviço é consequência da falta de reajustes e subsídios:

— Alguns gestores acham que dá voto criticar empresas de ônibus e iniciam brigas que não levam a lugar algum. Ainda não recuperamos a queda de demanda causada pela pandemia. Também subiu o preço do combustível. Se uma cidade cobrava R$ 4 há um ano, a tarifa teria que passar a R$ 5,20 para cobrir os aumentos.

A equação também incomoda outros gestores. Em Belo Horizonte, cerca de uma semana após Alexandre Kalil (PSD) deixar a prefeitura para concorrer ao governo, no início de abril, o vice Fuad Noman anunciou que a passagem de ônibus municipais poderia aumentar mais de R$ 1, chegando a R$ 5,75. Nesta quinta-feira, a prefeitura apresentou, junto com a Câmara Municipal de BH e o Ministério Público de Minas (MP-MG), uma proposta de subsídio de R$ 163,5 milhões às empresas de ônibus para que abram mão do reajuste tarifário previsto em contrato. A iniciativa ocorreu em meio ao aumento de reclamações de usuários do transporte. Segundo reportagem da TV Globo, 80% das linhas na capital mineira circularam com intervalos de 1h ou mais nesta semana.

De acordo com a proposta, o subsídio não está condicionado à redução da tarifa, diferentemente do que a prefeitura havia tentado no início do ano. À época, em meio à expectativa de Kalil de reduzir a passagem em R$ 0,20, para R$ 4,30, a Câmara Municipal rejeitou o projeto duas vezes alegando falta de cálculos para balizar o repasse do Tesouro municipal. Irritado, Kalil chegou a classificar a presidente da Câmara, Nely Aquino (Podemos), como sua “inimiga pessoal”, e sugeriu que ela tentaria prejudicá-lo para favorecer a campanha de reeleição do governador Romeu Zema (Novo).

Subsídio federal: Vice-presidente de mobilidade urbana da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), afirma que “não dá mais para ter passagem sem subsídio”. Melo pede, como “solução emergencial”, a aprovação pela Câmara de um projeto, já analisado pelo Senado, que prevê R$ 5 bilhões por ano de recursos federais para custear gratuidades a idosos em ônibus.

Na semana passada, Melo e outros prefeitos de capitais, como Ricardo Nunes (MDB), de São Paulo, e Bruno Reis (União), de Salvador, participaram de uma reunião com o relator do projeto, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), para pedir celeridade na votação. O tema, contudo, ainda não entrou na pauta do plenário da Câmara.

O prefeito de Porto Alegre disse já ter conversado sobre o assunto com o presidente Jair Bolsonaro, em duas ocasiões, sobre a necessidade de aporte da União para frear aumentos de passagens neste ano. Além de pautar o projeto na Câmara, gestores municipais temem que Bolsonaro vete o subsídio federal para as passagens de idosos. Em 2020, o presidente já vetou um outro projeto, que previa auxílio de R$ 4 bilhões ao setor de transportes em estados e municípios para suprir prejuízos causados pela pandemia.

– Esperamos sensibilidade do governo federal. Estamos com a perna curta – afirmou Melo.

Na capital gaúcha, para driblar o impasse em relação à ajuda federal, Melo anunciou no fim de abril uma reestruturação no transporte público municipal que inclui uma mudança no modelo de cálculo da tarifa. Com isso, a expectativa do prefeito é de manter a passagem em R$ 4,80 sem precisar do aporte federal.

Em São Paulo, o prefeito Ricardo Nunes afirmou, há duas semanas, que a aprovação do subsídio federal é “fundamental para segurar a tarifa” de ônibus na capital paulista neste ano. Nunes tem sugerido que, sem o subsídio, a passagem pode subir no segundo semestre, às vésperas da eleição. Já o governador Rodrigo Garcia (PSDB), que deve concorrer à reeleição com apoio de Nunes, disse em entrevista à CBN que a gestão estadual “já colocou mais de R$ 500 milhões em subsídios” para evitar reajustes no trem e no metrô, e que, embora não haja previsão de aumento da tarifa neste ano, “isso em algum momento não será mais possível”.

Segundo estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) em mais de cem cidades, seis em cada dez prefeituras adotaram ou reforçaram algum tipo de subsídio ao transporte durante a pandemia. Antes, uma minoria subsidiava o setor. Em apenas oito municípios houve aumento de subsídios já existentes.

Na avaliação da pesquisadora em mobilidade urbana do Idec, Annie Oviedo, o debate sobre subsídios ao transporte, que deveria estar vinculado a contrapartidas na prestação do serviço, é marcado por falta de transparência e pelo viés eleitoreiro.

— O fato de haver formas muito fragmentadas de conceder e calcular os subsídios é um sinal do fator político em cada negociação local. Embora a questão eleitoral não seja foco do nosso relatório, percebemos um impacto. Em 2013, houve grandes mobilizações após aumentos de R$ 0,20. Na pandemia, várias cidades se depararam com a hipótese de subir a passagem em mais de R$ 1. Isso fica inviável politicamente — aponta a especialista.

Em outros estados, prefeitos e governadores abriram os cofres para evitar ou suavizar reajustes no ano eleitoral. Em Campo Grande, o então prefeito Marquinhos Trad (PSD), que renunciou em abril para concorrer ao governo, limitou o reajuste a 5%. Para cobrir a diferença entre o valor da passagem, de R$ 4,40, e a chamada “tarifa técnica” de custo do serviço, de R$ 5,50 por passageiro, Trad propôs subsídio de R$ 12 milhões e isenções fiscais às empresas.

Na Paraíba, o governador João Azevêdo (PSB) e o prefeito de João Pessoa, Cícero Lucena (PP), reduziram impostos estaduais e municipais sobre as empresas de ônibus no ano passado para evitar reajustes nas linhas que circulam pela capital. A medida permitiu a Lucena, aliado de Azevêdo, cumprir uma promessa de campanha de não aumentar a tarifa no primeiro ano de gestão. Neste ano, porém, governador e prefeito anunciaram quase simultaneamente, e durante o feriado do carnaval, reajustes de cerca de 6% nas respectivas tarifas.

O presidente do conselho da Associação Nacional de Transporte sobre Trilhos (ANPTrilhos), Joubert Flores, vê paralelos entre a situação atual e o cancelamento de reajustes na passagem, após as manifestações de 2013, sem a elaboração de alternativas. Nos anos seguintes, houve aumentos acima da inflação no Rio e em outros estados.

– Isso (represar a tarifa) vai gerando uma bola de neve para o futuro – alerta.

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