Da Tribuna do Norte
Foto: Lucas Ewerton (Gentilmente cedida ao UNIBUS RN)
Dia após dia, natalenses que utilizam o transporte público de Natal reclamam cada vez mais do serviço, das dificuldades e condições em acessar os ônibus e veículos que trafegam pelos 168,52 km²s da cidade. Retirada de linhas, ônibus velhos ou reutilizados de outros estados, paradas sem abrigos e tarifa alta são os problemas relatados por usuários que utilizam do transporte. Há 45 anos, essas eram as mesmas reclamações e questões discutidas em Natal, conforme escreveu esta Tribuna do Norte em suas páginas.
A crise no transporte público de Natal, que parece ganhar novos contornos a cada dia que passa com a retomada das atividades na melhora do cenário pandêmico, segue sem um panorama positivo a curto e médio prazo. Enquanto Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (STTU) corre para colocar uma licitação na praça ainda em 2022, ao passo que o Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Natal (Seturn) cobra subsídio de tarifa e isenção fiscal, o judiciário, via Ministério Público e Defensoria Pública travam guerra de liminares para o retorno da frota pré-pandemia.
A reportagem da Tribuna do Norte mergulhou no arquivo do jornal mais antigo do Estado para garimpar como as páginas da TN relatavam a situação do transporte público nas últimas décadas.
Os temas das discussões do transporte público eram, há 45 anos, essencialmente, os mesmos: reajustes, frota envelhecida, tarifa defasada e redução de linhas e fluxos, situações que nunca foram efetivamente resolvidas pelo Poder Público e empresários.
Reajuste cobrado sem autorização em 1977: Em 21 de agosto de 1977, a reportagem “Em problema da Prefeitura e ônibus quem paga é o usuário”, a reportagem denunciava que as empresas de transporte estavam cobrando pela nova tarifa sem que o decreto tivesse sido publicado no Diário Oficial do Município. O Departamento de Concessões de Trânsito (Detran) prometeu aplicar multas à época. Naquele ano, as tarifas saíram de Cr$ 1,20 para Cr$ 1,40 e de Cr$ 1,50 para Cr$ 1,80 praias de Redinha e Ponta Negra. As passagens expressas saíram de Cr$ 2,30 para Cr$ 2,80.
“O secretário executivo do Sindicato das Empresas de Transportes do Passageiros, José Milton Lavor, disse […] quantos às multas que o Detran prometeu aplicar pela cobrança irregular, informou que ainda não recebeu os autos de infrações, nem sabe se o Sindicato irá apelar com uma ação em favor dos empresários, podendo até mesmo chegar a um acordo”.
Sindicato reclamava de defasagem em 1981: Assim como nos dias atuais, os empresários do transporte urbano de Natal já cobravam aumento nas tarifas alegando defasagem e altos custos para operar o sistema. A reportagem “Aumento de passagens tem exame pelo CIP”, do dia 06 de janeiro de 1981, detalhava reunião do Conselho Interministerial de Preços (CIP). O reajuste era de 40%.
“Mesmo reafirmando que o percentual de 40% solicitado ao CIP era apenas para ajustar a passagem e não um aumento, os empresários do setor de transportes coletivos esperam que o índice autorizado pelo CIP atenda às Empresas, uma vez que estes alegam ter nesses últimos meses subsidiado componentes de manutenção dos veículos, além do combustível, que sobe pela segunda vez”, relata jornal da época.
Falta de ônibus já preocupava em 1987: Frota reduzida de ônibus já era um problema que já assolava os usuários do transporte de Natal em 10 de janeiro de 1987. A reportagem “Transporte urbano preocupa” trazia entrevista do então prefeito Garibaldi Filho, informando que a capital precisava de pelo menos 50 ônibus para atender melhor os natalenses.
“Os empresários dizem não poder investir no setor e temos que solucionar o problema”, disse Garibaldi. A crise, à época, já era discutida entre prefeitos de outras capitais. Natal, à época, subsidiava o preço da tarifa em Cz$ 650 mil/mês para evitar o reajuste. No dia 30 de janeiro, nova reportagem “É muito grave crise no transporte público” mostrava que as empresas de Natal estavam com dificuldades pára comprar peças, como pneus, chassi, além dos veículos.
“Uma carta-pedido enviada pelas empresas de ônibus de Natal à Mercedes Benz indicava que a necessidade era de 100 veículos do tipo urbano, mas somente 40 ônibus chegaram em 1986”, registrava a matéria.
Circular pago em 2006 gerou polêmica: Medida que quase chegou a ser implementada no final de 2021, a cobrança da tarifa no Circular do Câmpus da UFRN (que era gratuito), mobilizou centenas de estudantes em 2006, conforme noticiou a TN em 11 de maio na matéria “Estudantes protestam contra tarifa”. À época, além da cobrança na tarifa do circular, os estudantes também reclamavam da falta de licitação.
O novo projeto, à época, mudava a rota do circular, que rodaria o Campus e sairia na altura do Nordestão de Cidade Jardim, passando pela estação do Mirassol, até o complexo viário do quarto centenário. Na volta o ônibus pararia na estação implantada na calçada do supermercado Carrefour.
“Em abril, o chefe do Departamento de Estudos e Projetos da STTU, Flávio Nóbrega, confirmou em entrevista para a TN que “o sistema que integra o circular e as estações de transferência justificam a cobrança, pois os usuários, ao desembarcar nas estações têm à disposição linhas de ônibus para todos os pontos da cidade””, diz trecho da matéria.
“E esse é um serviço que beneficia tanto os estudantes da UFRN quanto de escolas públicas que precisam fazer pesquisas e usar a biblioteca da universidade”, explicou Olavo Fernandes, estudante da UFRN à época. O circular continuou gratuito.
Integração exigia R$ 103 milhões em 2002: Uma das questões que até atualmente são pontos de discussão entre os que gerem o sistema de transporte, a integração entre as linhas já era pauta há 20 anos, mas com um projeto que exigia um aporte financeiro da ordem de R$ 103 milhões, situação que a Prefeitura do Natal já antecipava não possuir recursos.
À época, a STTU possuía um estudo de reorganização do sistema, que previa a construção de cinco terminais de integração, duplicação de avenidas e mudanças estruturais nas frotas de veículos, entre outras sugestões.
As mudanças consistiam em: 5 terminais de transferência, 46 linhas alimentadoras entre os bairros, 44 linhas estruturais (que ligariam terminais aos pontos principais da cidade), linhas intermunicipais, ônibus com portas dos dois lados, veículos novos e vias para ônibus nos maiores corredores viários da cidade.
Tais mudanças são semelhantes às que foram apresentadas pela atual secretária de Mobilidade Urbana de Natal, Daliana Bandeira, em outubro do ano passado. O projeto promete viagens mais curtas e o sistema mais integrado vai basear o edital de licitação a ser lançado em breve.
2006 – tarifa foi calculada com base na média do NE: Se atualmente a STTU estuda o valor da tarifa com base nos custos do sistema e isenções fiscais concedidas aos empresários, como ICMS, do Governo do Estado, e ISS Prefeitura do Natal, ainda a ser consolidada em 2022, em 2006 o valor da tarifa foi definida com o simples cálculo das tarifas praticadas nas capitais do Nordeste.
“Essa foi a saída encontrada diante da necessidade de negociar o reajuste e ainda não ter concluído as planilhas de cálculos que devem orientar as próximas negociações do tipo. Havia outras duas propostas: que a passagem fosse reajustada para R$ 1,92; ou que o aumento fosse feito com base no Índice Nacional de de Preços ao Consumidor (INPC). Por votação, ganhou a média”, relata edição da TN de 20 de maio de 2006.
Licitação deserta frustrou planos em 2017: Vista como um dos pontos necessários para se resolver os problemas, ou parte deles, do transporte público de Natal, a licitação do transporte público, feita em 2017 pela Secretaria de Mobilidade Urbana, deu deserta e ninguém apresentou propostas para assumir a operação das linhas.
Conforme escreveu a TN, na reportagem “STTU deve rever edital e subir tarifa”, do dia 07 de abril de 2017, “a sessão foi acompanhada por empresários do setor de transportes e representantes de empresas. Eram aguardados três envelopes de cada interessado: um contendo proposta de preço, outro trazendo documentos para habilitação legal, e o terceiro com informações sobre capacidade técnica”.
Na época, o engenheiro de transportes e especialista em mobilidade urbana, Rubens Ramos, disse à TN que “o resultado não é necessariamente negativo, pode zerar o jogo. A prefeitura está propondo algo que é equivocado do ponto de vista empresarial – separar a despesa da receita. O empresário de transporte investe, tem a despesa, enquanto a arrecadação é feita por um terceiro. Nenhum empresário vai aceitar essa dinâmica, e o modelo gera insegurança ao deixar o caixa com outra empresa, que em algum momento vai repassar”, falou à época.
Em 2018, os vereadores aprovaram as emendas do projeto de lei que regulamenta o sistema de transporte, com 20 emendas aprovadas ao texto original enviado pela Prefeitura. Esta é a licitação que até agora não foi lançada pelo Poder Público, quatro anos depois.