Rombo no transporte e reajuste da tarifa viram impasse para prefeitos em ano de eleição

Do Jornal Folha de S. Paulo
Foto: Andreivny Ferreira (UNIBUS RN)

O prejuízo bilionário causado pela pandemia nos transportes públicos e a chegada da época do reajuste de tarifas viraram uma batata quente entre governantes do país em pleno ano eleitoral.

O setor de transportes urbanos estima que o rombo acumulado na pandemia supere os R$ 21 bilhões. Apesar da melhora dos indicadores de coronavírus, a quantidade de passageiros continua aquém da crise sanitária.

Com o risco de colapso que se avizinha em algumas cidades do país, prefeitos têm feito apelos ao governo Jair Bolsonaro (PL) por um socorro ao setor.

Embora o governo Bolsonaro tenha vetado no ano passado um projeto que dava ajuda de R$ 4 bilhões para municípios com mais de 200 mil habitantes, prefeitos ainda apostam na possibilidade da União aceitar bancar as gratuidades para idosos acima de 65 anos.

Os reajustes da tarifa geralmente são feitos no começo do ano, mas São Paulo, por exemplo, já anunciou que vai esperar a ajuda federal para definir a questão. Outras cidades dos arredores, porém, anunciaram os aumentos.

O cenário desenhado por alguns prefeitos é composto pelo dilema entre manter um rombo nas contas e risco de colapso no sistema contra um cenário de caos com reajuste.

Embora não seja ano de eleição municipal, o potencial desgaste político de um aumento, ainda mais se for acompanhado de protestos em massa, tem potencial de afetar toda classe política. Essa é uma preocupação constante entre os governantes após os protestos contra a tarifa em junho de 2013, quando a popularidade da então presidente Dilma Rousseff (PT), por exemplo, caiu de 57% para 30%. A eleição de 2022 será para presidente, governador, deputados federais, estaduais e senadores.

Ainda no horizonte, fechamento de empresas, interrupções de serviços e greves de trabalhadores podem agravar a situação.

Em março de 2020, no início da pandemia, as viagens de passageiros nos sistemas de ônibus caíram 80%, de acordo com dados da NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos). Em outubro deste ano, o sistema ainda não havia se recuperado, com uma queda de 37,7%.

O baque econômico se dá porque a redução da oferta é muito menor do que a de passageiros. Em outubro, por exemplo, ela era de 16,6%.

Os números melhoraram um pouco após novembro, mas, segundo estimativa do setor, enquanto a demanda está entre 75% e 90% do período pré-pandêmico, a oferta de veículos já atingiu a normalidade em algumas cidades.

“Nós pensávamos que entraríamos em 2022 com sistemas equilibrados e isso não aconteceu. A demanda ainda está aquém de 2019. Me parece que não retorna mais a 100%, há mudança de comportamento das pessoas, home office”, diz o presidente-executivo da NTU, Otávio Vieira da Cunha Filho.

Durante o período pandêmico, segundo a associação, várias empresas foram fortemente afetadas ou ficaram pelo caminho. A situação é pior no Rio, onde das 29 empresas em operação, 11 estão em recuperação judicial.

No país, houve 15 casos de suspensões das atividades, seis de encerramento e 15 recuperações judiciais. Nesse cenário, houve 344 paralisações dos serviços, em 103 sistemas de transporte diferentes.

Em meio a quebradeira, só um socorro federal poderia dar um respiro às cidades.

No dia 9, o prefeito paulistano, Ricardo Nunes (MDB), anunciou que o governo Bolsonaro sinalizou que poderia bancar as gratuidades dos idosos acima de 65 anos – o pleito dos prefeitos se baseia no fato de que a gratuidade é um benefício garantido por lei federal.

O socorro estimado em R$ 5 bilhões viria por meio de projeto de lei, proposto pelos senadores Nelsinho Trad (PSD) e Giordano (MDB).

O projeto, porém, não foi votado neste ano como esperavam os prefeitos.

“Tem que ser para já”, disse à Folha o prefeito de Aracaju (SE), Edvaldo Nogueira (PDT), presidente da FNP (Frente Nacional de Prefeitos), no dia 14, ainda com esperança de que a ajuda viesse em 2021. Com outros governantes municipais, ele conversou com os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e da Câmara, Arthur Lira (PP), com objetivo de sensibilizá-los sobre a situação problemática do setor.

Durante o encontro, os prefeitos chegaram a citar o risco de “convulsão social” no caso de haver necessidade de aumento da tarifa.

“[Se aprovado] o projeto resolve o problema imediato. Ele vai evitar que as prefeituras tenham que conceder reajustes imensos ou não concedendo gerem uma crise imensa”, diz Edvaldo. “A gratuidade é responsável por 20% do preço da tarifa, você já tem aquilo que as prefeituras estão colocando no sistema e isso dá uma boa segurada na crise. Obviamente que não resolve o problema de médio e longo prazo”, acrescenta.

Na cidade de São Paulo, o prefeito chegou a dizer que o aumento da tarifa seria inevitável com o aumento do diesel. Depois, com a possibilidade do projeto de lei, sinalizou isso poderia segurar o aumento.

Nunes disse que conversou com o Rodrigo Pacheco, que o informou que pautará o projeto para fevereiro. “A gente vai fazer todos os esforços para não aumentar. Eu só irei aumentar a tarifa se estiver numa situação que vai colapsar o sistema de transporte. Mas hoje a gente está em um momento de estudo, de aguardo na tentativa máxima de não aumentar a tarifa”, disse.

O prefeito disse também que já conversou com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e a decisão sobre o aumento da tarifa do transporte sobre trilhos será feito em conjunto.

Atualmente, a tarifa de São Paulo é R$ 4,40. Internamente, a gestão municipal trabalhava com a possibilidade de tarifa entre R$ 5 e R$ 5,30 no próximo ano. O subsídio da prefeitura pago às empresas de ônibus estava em R$ 2,9 bilhões até novembro. No entanto, a prefeitura paulistana ainda desembolsou valor superior a R$ 800 milhões para compensar às empresas pela frota parada.

Outras cidades dos arredores de São Paulo, porém, já anunciaram que vão dar reajustes no ano que vem. É o caso de municípios da região metropolitana, como Diadema, Mauá, São Bernardo e Guarulhos.

Embora o prefeito paulistano fale em risco de colapso, analisando as contas da prefeitura o cenário é bastante improvável. Com um caixa confortável, com perspectiva de melhorar ainda mais devido a negociações como a cessão do Campo de Marte à União, São Paulo vive uma exceção rara no país, a de poder arcar um um subsídio bilionário sem prejudicar tanto suas contas.

Segundo dados da NTU, 55 cidades brasileiras adotavam subsídios ou outra espécie de repasse às empresas de ônibus.

Para o setor de transporte, porém, no longo prazo a situação só vai se resolver com a aprovação de um novo marco legal para o transporte, a exemplo do que aconteceu no saneamento. O senador Antonio Anastasia (PSD) propôs um projeto neste sentido, que deve ser apreciado em fevereiro.

“A ideia é mudar o modelo de política tarifária, dar mais segurança jurídica e permitir que o usuário pague uma tarifa barata, mas com a justa remuneração pelo serviço prestado. Então tem duas tarifas, tarifa pública, que é decisão política do prefeito, e a de remuneração para o produto que é ofertado”, diz Otávio Vieira da Cunha Filho, da NTU.

Para Rafael Calabria, do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), é preciso mudar a lógica de que setor depende da tarifa paga pelo usuário. “A remuneração por passageiro estimula o empresário a atender melhor onde tem mais gente. Ela gera a demora, intervalo longo e lotação”, diz.

Na média nacional, o equilíbrio financeiro das empresas de ônibus hoje depende de que haja 6 passageiros por metro quadrado, segundo dados da NTU.

Calabria afirma que a proposta de o governo de bancar as gratuidades não muda essa lógica. “Na nossa visão, o socorro para o setor tem que vir com contrapartidas [do setor]. Não pode ser só tapar o buraco e voltar a ser o que era antes”, diz.

Ele considera que a criação de um vale-transporte social seria uma melhor alternativa. Dessa maneira, o governo federal poderia usar o benefício para atender pessoas de baixa renda e remunerar as empresas pela passagem. O deputado federal Elias Vaz (PSB) protocolou um projeto neste sentido.

“Com isso você cria novas gratuidades e principalmente focadas na baixa renda, que estavam expulsas do sistema de transporte”, diz Calabria.

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