Do Valor Econômico – Por Bruno Cesar de Paiva e Silva
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Renovamos no mês de julho o maior valor nominal em reais para o petróleo, com impacto direto na inflação. A combinação de moeda desvalorizada com petróleo em alta é explosiva, fazendo ressurgir o trauma da greve dos caminhoneiros, e afeta toda a economia do país, pressionada pelo custo dos combustíveis.
Na primeira semana do mês, os membros da OPEP+, entidade que reúne principais países produtores de petróleo do mundo, não entraram em consenso sobre o aumento da produção que poderia reduzir os preços da commodity no mercado internacional.
Nos últimos 12 meses, a gasolina teve uma alta acumulada de 45% e deve continuar aumentando, haja vista que a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) indica defasagem entre os preços praticados pela Petrobras e o mercado internacional, mesmo com reajustes da primeira semana de julho.
Como resposta à alta no preço dos combustíveis, emergem inovações e releituras de soluções antigas. Do autosserviço nos postos, extinguindo a função de frentista, ao delivery de combustíveis, proliferam tentativas de reduzir o preço nas bombas. Recentemente, em debate realizado pela ANP, entrou em pauta a flexibilização dos contratos de vinculação e exclusividade entre as distribuidoras de combustível e os postos revendedores que exibem suas marcas.
O autosserviço e o delivery são natimortos diante do aparato regulatório do setor, com normas de saúde e segurança que precisariam ser extintas para tornar estes modelos de atendimento viáveis. Já a flexibilização dos contratos de exclusividade envolve outra complexidade. A vinculação de um posto revendedor com uma distribuidora, em regra, prevê investimentos, prêmios de assinatura e bônus por desempenho, que, numa análise rápida sobre as demonstrações financeiras publicadas no último exercício fiscal pelas três maiores distribuidoras do país (BR, Raízen e Ipiranga), alcançam valores entre R$ 1,7 bilhão e R$ 2,5 bilhões.
Remover o compromisso de exclusividade entre postos e distribuidoras impõe a reorganização do modelo de negócio atual, levando revendedores a ajustarem suas margens para compensar a relevante perda da receita referente ao prêmio de assinatura e bônus de desempenho, além de arcar com custos antes cobertos pelas distribuidoras. Na outra ponta da relação contratual, distribuidoras enfrentariam o risco da relação de consumo por produtos de terceiros em estabelecimentos com sua marca. Ainda que toda esta complexa mudança no setor resulte em redução de custos, o impacto no preço final ao consumidor será ínfimo, na medida em que os segmentos de distribuição e revenda representam apenas 12% do preço final do combustível, segundo dados de mercado referentes ao mês de junho divulgados pela Petrobras.
Devemos aceitar que o problema dos preços dos combustíveis no Brasil não comporta uma solução única ou simples, em razão da complexidade de dois fatores: preço internacional do petróleo e taxa de câmbio. O preço do petróleo segue a lei de oferta e demanda internacional, incontrolável pelo governo brasileiro, assim como ter uma moeda forte depende de muitos fatores de longo prazo, internos e externos, alheios à vontade do país enquanto, acertadamente, adotamos o modelo de câmbio flutuante.
Na primeira semana de julho, o preço médio do litro de gasolina comum nos postos revendedores brasileiros era de R$ 5,58, segundo dados da ANP. No mesmo período, os contratos de petróleo tipo Brent para entrega em setembro eram negociados a US$ 6. Com a taxa de câmbio em R$ 5,06, o barril do Brent alcançou R$ 385 na conversão para a moeda nacional, o maior valor em 30 anos. A título de mera comparação e usando valores nominais, a maior cotação do petróleo no mercado internacional desde a década de 1990 ocorreu em junho de 2008, quando o Brent foi negociado a US$ 139. Como o câmbio da época estava em R$ 1,60, o preço do barril convertido em reais era de R$ 224 e a gasolina era revendida nos postos brasileiros por R$ 2,54 o litro.
Num cenário absolutamente improvável, porém catastrófico, se as máximas históricas do petróleo e do câmbio (R$ 5,74, em outubro de 2020) coincidissem no tempo, um barril de petróleo seria comercializado no Brasil por R$ 800,00, mais que o dobro do valor atual e suficiente para gerar inúmeras consequências negativas sobre toda a economia do país. Com a tendência de queda no consumo, resultado dos esforços globais por uma matriz energética mais limpa, não se espera a repetição dos picos históricos de preço, ainda que a retomada das atividades pós-pandemia promova sobressaltos e a Opep+ mantenha restrições na produção.
Na oferta de combustíveis ao mercado brasileiro, a adoção do preço de paridade de importação pela Petrobras, seguida por expressivo aumento do número de players no mercado interno com o avanço de traders internacionais e novos operadores das refinarias privatizadas, beneficia o consumidor pelo acirramento da competição. A ampliação da infraestrutura logística, com novos investimentos em terminais portuários e ferrovias, também contribui para redução de custos no setor. Porém, ainda que somados, os ganhos de eficiência em todas estas iniciativas não seriam suficientes para compensar o impacto das oscilações de preço do petróleo e taxa de câmbio, os grandes vilões.
O caminho mais curto, e preferido dos populistas, é a criação de incentivos fiscais ou o controle de preços através da Petrobras, uma empresa de capital aberto com acionistas privados. Porém, a manutenção artificial de preços baixos, como critica a Abicom, afeta a competitividade de todo o segmento, especialmente na relação entre gasolina e etanol, um combustível renovável, colocando em risco a viabilidade econômica do setor alcooleiro.
No momento em que a Agenda ASG (tradução do acrônimo ESG, do inglês environmental, social and governance) ganha cada vez mais força, precisamos decidir se o país embarcará definitivamente no movimento global de incentivo às energias renováveis ou se continuaremos concentrando recursos (ou abrindo mão deles) na exploração de combustíveis fósseis, suscetíveis a suas flutuações e impactos sociais e políticos.
Bruno Cesar de Paiva e Silva advogado e especialista em gestão de negócios, é diretor da Nictheroy Business