Em crise agravada pela pandemia, transporte público tem neste ano uma greve a cada 4 dias no país

Do G1
Foto: Elianderson Silva/Ilustração/Arquivo

Em crise agravada pela pandemia de Covid, o setor de transporte público no Brasil teve uma greve a cada quatro dias desde janeiro de 2021 até a quinta-feira (17) da semana passada. Foram 41 paralisações em 17 estados e no Distrito Federal, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

São Paulo (10), Paraná (7) e Rio Grande do Sul (5) são os estados onde mais se registraram paralisações (veja abaixo).

O coordenador de Mobilidade Urbana do Idec, Rafael Calabria, afirma que a pandemia ressaltou as falhas do modelo do transporte público e que as greves são reflexo dos problemas do setor.

Ele cita que, na grande maioria das cidades, o sistema é mantido com o valor obtido pela venda de bilhetes. Como o número de passageiros caiu na pandemia, em razão das medidas de restrição de circulação de pessoas e do risco do contágio, a receita das empresas despencou.

“A pandemia está expondo os erros estruturais que há na gestão do transporte público no Brasil. São contratos que fazem o sistema depender muito da tarifa paga pelo usuário”, explica Calabria.

Segundo o especialista, o modelo atual encarece a tarifa e torna o sistema dependente de uma lotação mínima para ser rentável.

“A pandemia, que obriga a não ter lotação, tira a fonte de receita do sistema e o torna claramente insustentável, gerando as greves, as crises contratuais e as intervenções que a gente tem visto”, completa Calabria.

A maioria das greves ocorreu no sistema de ônibus urbano, tanto em grandes capitais, como Belo Horizonte, onde mais de 20 linhas deixaram de operar temporariamente no fim de abril, quanto em municípios menores, como Paulínia, cidade do interior paulista com pouco mais de 110 mil habitantes, onde os coletivos suspenderam a circulação também em abril.

O levantamento inclui ainda as greves no sistema metroferroviário. Foram os casos das paralisações, em maio, dos metrôs de São Paulo e do Distrito Federal.

O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador de estudos urbanos e planejamento do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Ciro Biderman, explica que o setor de transporte público já enfrentava desafios antes da Covid, devido, principalmente, ao crescimento dos aplicativos de transporte de passageiros.

“Com o fenômeno dos aplicativos, o sistema de ônibus urbano começou a perder exatamente as viagens mais lucrativas, que são as mais curtas e que financiam as mais longas, feitas pelas pessoas mais pobres. Então isso já vinha gerando um desequilíbrio financeiro, mas que era contornável”, observa Biderman.

“Na pandemia, porém, a demanda caiu muito e os custos [manutenção, pessoal e combustível] não recuaram na mesma proporção, então o sistema ficou insustentável”, completa. “Acredito que não devam sobreviver, no pós-pandemia, mais do que dez empresas de ônibus em todo país,” conclui.

Falências e prejuízos bilionários

Nos últimos 14 meses, 25 operadoras de ônibus e um consórcio suspenderam as operações de forma temporária ou definitiva ou sofreram intervenção por parte do poder público. Os dados são da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que contabilizou 76,8 mil demissões no período e perdas de R$ 14,2 bilhões.

A prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, fez uma intervenção no sistema de ônibus rápido da cidade, o chamado BRT, em março deste ano. Em nota, a prefeitura afirmou que a ação foi necessária devido “à péssima prestação de serviço”.

Trem e metrô

A situação crítica também se repete nos sistemas de trem e metrô espalhados pelo país.

O número de passageiros caiu pela metade, segundo a Associação Nacional dos Transportadores de Passageiros sobre Trilhos (ANP Trilhos).

Antes da pandemia, as concessionárias transportavam, em média, 11 milhões de passageiros por dia útil. Atualmente, são 5,3 milhões.

A associação estima que as perdas na arrecadação somem R$ 11 bilhões desde o que o país começou a registrar os primeiros casos de Covid, entre fevereiro e março do ano passado.

A Supervia, concessionária responsável pelo serviço de trens urbanos no Rio, entrou com um pedido de recuperação judicial no início de junho. A empresa deixou de transportar, desde março de 2020, 102 milhões de passageiros e já acumula uma dívida de R$ 1,2 bilhão.

Superlotação

Apesar da forte queda no número de passageiros, a superlotação segue sendo um problema no transporte público do país, principalmente nas linhas que atendem as áreas mais pobres das capitais.

“Enquanto os trabalhadores de renda mais alta podem ficar em casa, as periferias têm mais pessoas que precisam circular, o que causa lotação nos horários de pico, nas regiões mais periféricas das cidades”, afirma Calabria, do Idec.

O especialista também atribui o problema à falta de regulação do setor e às dificuldades financeiras que atinge as empresas.

“As empresas e as cidades estão reduzindo a frota mais do que o possível pela dificuldade financeira, porque o sistema é mal regulado e depende da tarifa.”

No fim de 2020, o Congresso Nacional aprovou um projeto que destinava R$ 4 bilhões da União para o serviço de transporte coletivo urbano e metropolitano. O texto, porém, foi vetado integralmente pelo presidente Jair Bolsonaro, a pedido do Ministério da Economia, que alegou questões orçamentárias.

Prefeituras

Levantamento feito pela GloboNews aponta que o prolongamento da pandemia e o desequilíbrio financeiro das empresas vêm tornando o setor cada vez mais dependente de subsídios concedidos pelas prefeituras.

Na cidade de São Paulo, por exemplo, o subsídio para o transporte público totalizou R$ 2,9 bilhões em 2019. Em 2021, pode ultrapassar os R$ 4 bilhões, segundo projeção de técnicos da própria prefeitura.

Um relatório preliminar de execução contratual do Tribunal de Contas do Município (TCM) aponta que, em fevereiro de 2020, um mês antes do início da pandemia, o subsídio representava 30,5% da remuneração das concessionárias de transporte em operação na capital paulista. Os outros 69,5% eram oriundos da tarifa.

Para Biderman, da FGV, as prefeituras terão de criar novas fontes de receita para dar conta desses gastos.

Ele citou, como alternativa, a taxa de congestionamento, uma espécie de pedágio cobrado de todo veículo que entra na zona central da cidade. Seria uma forma de financiar o transporte público.

“Não vejo como as cidades não comecem a cobrar uma taxa de congestionamento. É politicamente muito difícil, mas, se elas vão subsidiar e estão com o orçamento justo, da onde vai sair esse dinheiro? Vão diminuir investimento em educação e saúde? Difícil. Então terão de aparecer novas receitas”, diz.

Além do financiamento, Biderman alerta que a estrutura do transporte público também terá de ser alterada.

“Os modais têm de ser muito mais integrados e também é necessário criar modelos novos, como, por exemplo, pedir ônibus por aplicativo, opção que já começa a aparecer em algumas capitais”, afirmou.

Em Curitiba, o aporte da prefeitura ao Fundo de Urbanização (FUC), que subsidia o sistema de transporte em operação na região metropolitana da capital paranaense, saltou de R$ 38,1 milhões, em 2019, para R$ 191,5 milhões em 2020 – um aumento de mais de 400%.

De acordo com a Urbanização de Curitiba (Urbs), responsável pelo setor, o aumento do subsídio foi a forma encontrada pela prefeitura para evitar a falência de empresas e manter cerca de 7 mil empregos de motoristas e cobradores.

Na capital de Pernambuco a situação se repete. A Grande Recife Consórcio, empresa pública responsável pelo gerenciamento do transporte na região metropolitana do Recife, pagou R$ 29,2 milhões em subsídios entre janeiro e abril deste ano. Isso equivale a um aumento de 54,7% em comparação com os R$ 18,9 milhões pagos no mesmo período de 2020.

Em Belo Horizonte, onde não há subsídio às empresas, a prefeitura adiantou a compra de vale-transporte aos consórcios operadores, no valor de R$ 200,5 milhões, como “forma de auxiliar as empresas, em função da pandemia”.

A Prefeitura do Rio de Janeiro, por sua vez, afirmou que não concede subsídio aos concessionários “por conta da falta de transparência dos consórcios em relação aos dados e valores arrecadados”.

A Secretaria Municipal de Transportes do Rio informou que está preparando a licitação da bilhetagem eletrônica, prevista para ocorrer até o fim deste ano.

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